Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 22 de abril de 2021

A BRASÍLIA QUE (DES)CONHEÇO

Quinta, 22 de abril de 2021

Projeto de Lúcio Costa para o Plano Piloto de Brasília


Fernando Tolentino

Em meu primeiro contato com Brasília, ela era uma criança de três aninhos. Eu, um adolescente, em excursão do colégio. Hospedados no Brasília Pálace Hotel, brincamos de escorregar no mármore da varanda do Palácio da Alvorada, dançamos em um dos poucos clubes existentes (o dos servidores) e na estação rodoviária, onde havia um potente sistema de som.

Voltei deslumbrado com seus monumentos: a Torre de TV, o Itamaraty, a Igrejinha e seus azulejos, a Catedral (ah a Catedral!), a Praça dos Três Poderes e os seus três palácios: o do Planalto, o Supremo e, acima de todos, o Congresso Nacional. Niemeyer abusou do seu brilhantismo.

Ao vir de novo encontrei uma adolescente de 14 anos.

Linda, sensual, dengosa. Maravilhei-me com o seu horizonte, deleitei-me com este céu de azul incomparável, esgueirei-me pelas curvas de suas avenidas. 

Curti os pontos de encontro de então e com meus filhos livres a correrem pela quadra a um quilômetro do centro urbano.

Administrador público, o plano era ficar alguns anos e voltar para Salvador.

Mas as raízes foram se fincando no solo seco do cerrado. Tornei-me jornalista e, enquanto os anos de autoritarismo permitiram, também professor. Ganhei novos filhos. Mergulhei de novo na atividade política, que era sufocada pelo militarismo.

Penetrei nas entranhas do Distrito Federal.

Uma cidade mais que centenária (Planaltina), duas cidades de relação íntima com o meio rural (Núcleo Bandeirante e Planaltina), uma cidade dormitório (Guará), duas com vida própria (Gama e Taguatinga) e uma então em busca da própria vocação (Ceilândia).

No turbilhão da estruturação da sociedade brasiliense, vi uma mistura de culturas, de sotaques, de culinárias. Mistura de credos e diversificação de gostos e produção musical: samba, "rock", sertanejo, MPB.

De repente, enquanto conquistávamos o direito à representatividade política, o Distrito Federal foi submetido ao coronelismo de Roriz e, de oito cidades, passou a ter 32. Seu Entorno mais próximo viu surgirem outras tantas cidades-dormitórios de porte médio e até grandes, com crescimento desordenado e sem dotação de serviços públicos. 

O conjunto passou a contar com 4 milhões de habitantes, no mínimo três quartos vivendo em função de Brasília, embora boa parte sequer tenha o direito a conhecer o perfil monumental do seu centro.

Submetida a essa pressão quase insuportável, chega à idade adulta perguntando a si mesmo o que será feito desta jovem senhora, que não consegue definir a sua personalidade.

Para onde vamos?

Fernando Tolentino 

(Foto: Plano Piloto de Brasília de Lúcio Costa)