Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

QUANDO OS RATOS ABANDONAM O NAVIO . . . . .

Segunda, 25 de outubro de 2021

Por

Pedro Augusto Pinho* 

Luiz Eduardo Soares. Extraordinário: os membros demissionários do ministério da economia aceitam conviver tranquilamente com a devastação da Amazônia, as ameaças à sobrevivência das sociedades originárias, o golpismo, o negacionismo, a abordagem criminosa da pandemia, o racismo, a fome, o desemprego, o desespero de milhões. Agora, romper teto  de gastos, isso não. Essa a moralidade de nossa elite. 

 (mensagem pelo whatsaap, em 22/10/2021)


Seria muito educativo, mas contrário à pedagogia colonial, se os donos das mídias comerciais, quase todos entreguistas, neoliberais, com enorme desprezo pelos brasileiros - um dos Marinhos, ao morrer, teve em seu necrológio, no jornal da família, como única referência “positiva”, o amor pela Inglaterra (!) - explicassem que o equilíbrio fiscal mata mais do que o covid. 


Mas seria desejar que o frio aquecesse, o sol iluminasse as noites, e os bilionários donos do Brasil, aprovassem “medidas estruturantes” para garantir emprego e renda digna para os brasileiros. 


Analisemos o significado das principais expressões que nossos caros leitores recebem, pelos olhos e pelos ouvidos, cotidianamente, desta mídia antinacional. 


Equilíbrio fiscal. É o primeiro mandamento do decálogo do Consenso de Washington: “disciplina fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)”. No original: “fiscal policy discipline, with avoidance of large fiscal deficits relative to GDP”. 


Como sabem, o Consenso de Washington foi uma imposição das finanças internacionais, fortalecidas com as desregulações que o Reino Unido (UK) e os Estados Unidos da América (EUA) realizaram na década de 1980, para introduzir novas bases de dominação colonial.  


Transcrevo da Wikipédia: “O Consenso de Washington é uma conjugação de grandes medidas — que se compõe de dez regras básicas — formulada em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA”.  


Ou seja, empregados do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (WB) e do Tesouro estadunidense passaram a ditar as políticas governamentais aos países subalternos conforme o interesse dos grandes grupos financeiros.  


E o Brasil, com uma constituição recém-aprovada (1988), iniciou logo a alterá-la, emendá-la, desfigurá-la conforme os desígnios destes senhores. 


Tivemos 111 emendas, a partir de 1992, sendo a última de 28 de setembro de 2021. Estas emendas extinguiram direitos trabalhistas e previdenciários, eliminaram ações governamentais nas áreas de energia e mineração, extinguiram empresas públicas, e numa delas, a Emenda Constitucional (EC) 95, de 15/12/2016, assinada pelos então presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e do Senado, senador Renan Calheiros, dispunha em seu primeiro artigo que: “fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos artigos 107 a 114 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” (Teto dos Gastos Públicos). 


O que é verdadeiramente o equilíbrio fiscal. Para todas as despesas que não sejam destinadas ao pagamento de juros, à renovação ou amortização de empréstimos ou custos financeiros, haverá um limite máximo de gastos. Este limite foi estabelecido, na Emenda Constitucional referida, por 20 anos. Trocando em miúdos: o Brasil fica congelado por 20 anos; não importa que regrida economicamente, social e educacionalmente, que falte atendimento a saúde, à proteção dos desvalidos e redução de emprego. Com a epidemia do covid tivemos inclusive a regressão populacional, mais pessoas morreram do que nasceram em estados brasileiros, no primeiro trimestre de 2021, conforme informação da Reuters/InfoMoney (05/04/2021).  


O equilíbrio fiscal só não tira, nem reduz, o dinheiro do governo que for destinado aos bancos, e vemos isto no crescimento do percentual das despesas financeiras nos orçamentos da Nação. Atualmente, elas já representam mais de 50% do que é arrecadado em impostos e pelas outras fontes de receita do Estado Brasileiro. 


Todos os jornalões, toda mídia comercial e antinacional, vêm estampando como escândalo, desde 21/10 até hoje, a saída de quatro pessoas em cargos de chefia e assessoramento do Ministério da Economia e as repercussões “nefastas” da “licença para gastar” no que fora congelado por 20 anos, ou seja, com os mais pobres. E sendo medida política, logo surge a eleição e os execráveis políticos como indesejáveis agentes ou motivação. 


Como seria melhor o mundo governado por banqueiros, que entre eles escolheriam o mandatário, e com proibição de aumento populacional e salários maiores do que os indispensáveis para fazer circular as mercadorias e proporcionar lucros aos varejistas! (sic). 


Porém nos EUA, o déficit fiscal é uma constante. Pelo Núcleo de Estudos de Controladoria e Contabilidade Tributária (NECCT) de São Paulo, somos informados que, em 2020, o déficit atingiu 12,4% do Produto Interno Bruto (PIB) estadunidense, embora inferior aos US$ 3,1 trilhões do ano anterior. 


Mas quem são estas pessoas que abandonaram o Governo, e de onde surgiram? Não vou personalizar, até por serem instrumentos de quem nem mesmo conhecem. Apenas chamo a atenção do leitor para o fato que, dos quatro demissionários, três deles cursaram universidades públicas, fizeram seu aprendizado em órgãos públicos e, agora, muito provavelmente, vão vender este conhecimento recebido dos nossos impostos para enriquecer às nossas custas os capitais apátridas residentes em paraísos fiscais.  


Mais relevante que o punhal em César foi a mão de Brutus. E O Estado de S. Paulo (25/10/2021) prossegue a saga da morte aos pobres, da redução populacional pela miséria, ameaçando o presidente que for eleito: “Drible no teto cria cilada para 2023” (página B1). 


Seria o caso de perguntar: que tanto mal a sociedade brasileira fez aos donos da mídia, televisiva, radiofônica, impressa e virtual, para que, com raríssimas exceções, eles se unissem contra o Brasil? 


Em live recente, no Jovens Cronistas, o doutorando, perspicaz e culto Felipe Maruf Quintas mostrava a diferença entre o Brasil e a quase totalidade dos países do mundo. Aqui, a natureza foi mãe carinhosa e rica, deu-nos tudo para constituirmos a civilização do futuro. No mundo não Europeu, de grande extensão territorial, ou foram mero transplantes socioculturais: EUA, Canadá, Austrália, ou abundante em áreas hostis, desérticas, frias, desprovidas de recursos para sobrevivência tranquila.  


E sabemos muito bem que não há sociedade globalizada. Cada povo, cada etnia, cada país é resultado das relações estabelecidas entre os habitantes e seu meio natural, as florestas, as águas, a abundância ou carência de caça e pesca, pelas dificuldades ou facilidades em obter os recursos para a sobrevivência e o desenvolvimento. 


E ainda fomos abençoados por constituir um povo mestiço, que prosseguimos criando, “na carne e no espírito”, capaz de desenvolver nova civilização, mas que por século, como escreveu o antropólogo Darcy Ribeiro, sem consciência de nós mesmos, afundados na “ninguendade”. 


E aquele gênio brasileiro concluiu que “o ruim aqui, e efetivo fator causal do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus” (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, Companhia das Letras, SP, 1995).  


E que é o Teto de Gasto? quem determinou o decálogo do Consenso de Washington? nós brasileiros, por nossa vontade, ou os estrangeiros? Pior ainda, seus representantes aqui, corrompendo maus brasileiros, que se vendem barato, pois vendem o futuro de seus filhos e netos? do País rico que se empobrece e vive na miséria? 


Os que abandonaram o governo para trabalhar para os capitais apátridas, muitas vezes de origem ilícita, criminosa, e que tiveram sua formação, bolsas de estudo, oriundas dos impostos de todos nós, são verdadeiramente desprezíveis. Mas em nada diferente dos que, no executivo, no legislativo, no judiciário, prosseguem destruindo o Estado Nacional Brasileiro, se locupletando indevidamente com as migalhas que os gestores de ativos, os capitais especulativos deixam, com desprezo, em suas mãos perversas. 


Para que se construam “medidas estruturantes”, que tirem a população da miséria, que promovam a geração de emprego, distribuição de renda, que possibilitem a todos brasileiros a vida digna, é preciso estudar o Brasil, conhecer com profundidade nossa cultura, entender nossos valores, estabelecer nova estrutura de organização, sem cópia de qualquer modelo estrangeiro, pois sabemos que cada sociedade é única. 


E não será dos vendilhões da Pátria, desses neoliberais tremendamente evangélicos, que poderemos esperar estas “medidas estruturantes”. 


*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.