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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Movimentos de mulheres denunciam a falta de rede serviços para conter feminicídio no DF

Terça, 12 de outubro de 2021


Ato realizado no dia 6 de outubro denunciou a ausência de políticas públicas no DF - Leandro Gomes CUT/DF

Cilma é a 18º vítima de feminicídio no DF; Em 2021, foram registrados 8 casos de janeiro a junho, em 2021 foram 16

Roberta Quintino
Brasil de Fato | Brasília (DF)
12 de Outubro de 2021

Estatísticas, relatórios e dados, é onde termina a história de muitas mulheres. Sindicalistas, professoras, bancárias, trabalhadoras do lar, comerciantes, mães, avós, mulheres que hoje são números no relatório de monitoramento dos feminicídios no Distrito Federal da Secretaria de Estado da Segurança Pública.

No sábado (3), a diretora de Políticas para as Mulheres e Combate ao Racismo do Sindicato de Serviços Terceirizáveis (Sindiserviços-DF), Cilma da Cruz Galvão, de 50 anos, foi vítima de feminicídio.

Em nota, a direção do sindicato, lembrou da dirigente como uma mulher combativa, lutadora contra as injustiças trabalhistas, humanas e sociais.

Cilma é a 18º vítima de feminicídio no Distrito Federal, em 2021. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), nos primeiros nove meses deste ano, ocorreram 17 ocorrências de feminicídios em todo o DF.

Os números, disponíveis no portal da Secretaria, indicam que houve um aumento em relação aos crimes cometidos no primeiro semestre de 2020 comparados ao mesmo período de 2021.

No ano passado, foram registrados oito casos de feminicídios de janeiro a junho, este ano já foram 16 casos. Em julho, foi registrado um caso e, segundo a SSP, não houve registros nos meses de agosto e setembro.

Ainda de acordo com o relatório de monitoramento da SSP-DF, a partir de abril de 2015, até o dia 31 de agosto deste ano, 149 mulheres foram vítimas de feminicídio consumado e quatro foram vítimas de homicídio que receberam a qualificadora do crime na fase processual.

A Lei. 13.104, de 9 março de 2015, tipifica o feminicídio como crime hediondo.

O levantamento aponta que 76,2% dos casos de feminicídios acontecem dentro de casa e 22,2% dos crimes são cometidos com armas de fogo. Os criminosos utilizam o pretexto do ciúmes e posse em 63,49% das violações e, em segundo lugar, a não aceitação do término do relacionamento com 23,02%.

Quando se observa os índices de tentativas de feminicídios existe um aumento de 32% dos casos cometidos entre o primeiro semestre deste ano, comparado a 2020.

De janeiro a junho de 2021, foram registradas 33 tentativas, em 2020 no mesmo período foram registrados 25 tentativas de feminicídios. Uma atualização dos dados, enviada pela SSP-DF, aponta que entre julho e setembro de 2021 foram registrados mais 21 casos, totalizando 54 registros de tentativas de feminicídios entre janeiro e setembro de 2021.

Até o início de outubro foram registrados 18 casos de feminicídio no DF / Leandro Gomes CUT/DF

No ritmo em que os números de feminicídios crescem, as políticas públicas de combate à violência contra a mulher encolhem

Em agosto, o Levante Feminista Contra o Feminicídio no DF realizou um debate virtual para discutir o desmantelamento das políticas públicas de atendimento as mulheres, além de promover um balanço dos 15 anos da Lei Maria da Penha.

No debate, a psicóloga do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) de Planaltina, Júlia Hofman, avaliou que a execução das políticas públicas para as mulheres no DF “se mostra bastante vinculada à vontade passageira de um governo”, o que fragiliza o desenvolvimento de projetos e ações de enfrentamento à violência.

Desmantelamento das políticas públicas de atendimento as mulheres foi tema de debate / Reprodução

“A Secretaria da Mulher no DF é criada em 2011. Em seguida, é rebaixada a uma subsecretaria. Em 2019, é novamente alavancada à uma secretaria, mas a gente sabe que não é questão só de nomenclatura. Na prática, o que a gente assistiu foi a demora de um ano 5 meses para que fosse oficializada a estrutura dessa secretaria, o que dificultou bastante os trâmites de orçamentos, de prioridades, de atendimentos”, observa.

Hofman aponta ainda que há um déficit de profissionais para atender devidamente às mulheres. “O atendimento que deveria ser multidisciplinar não acontece como a norma técnica exige, há uma desestruturação do próprio equipamento”.

Ela destaca que o I Plano Distrital de Políticas para as Mulheres (I PDPM), de 2015, estabelecia a criação de seis centros especializados de atendimento à mulher. No entanto, apenas três estavam em funcionamento, sendo um dos equipamentos públicos desativado a “revelia” pela atual gestão do GDF.

A Casa da Mulher Brasileira, centro de acolhimento para vítimas de violência doméstica, voltou a funcionar em abril deste ano no centro de Ceilândia, quase três anos depois que a unidade da Asa Norte foi fechada.

A psicóloga ressalta que a inauguração da Casa foi realizada sem a garantia de atendimento de todos os serviços às mulheres.

No local deveria funcionar um Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher, da Defensoria Pública, a Assessoria Técnica de Violência Doméstica, o Centro Judiciário da Mulher, Ministério Público.

“A proposta da CMB passa a ser descaracterizada sem esses serviços funcionando plenamente, o que é uma grande problemática”, salienta.

Lei Maria da Penha

Durante a atividade virtual, a produtora cultural e integrante do Levante Feminista, Rita Andrade, disse que a Lei Maria da Penha é um marco na luta das mulheres no enfrentamento à violência.

“É incalculável o volume de mulheres que foram salvas a partir desta lei. Mas nós sabemos também que a execução da lei não se dá ainda na sua integralidade, seguimos na luta, na busca de fazer com que todas as mulheres em todos os recantos do Brasil possam ter pertencimento dessa lei e possam ter o empoderamento necessário de recorrer a ela toda vez que se sentir violentada”.

De acordo com a pedagoga e educadora feminista antirracista, Ádila Moura, “nem todas as mulheres se sentem encorajadas suficientemente para buscar ajuda e proteção do Estado, e as que buscam passam hoje por situações de precarização absoluta dos aparelhos que as assistem aqui no Distrito Federal”.


“Uma mulher que formaliza uma denúncia precisa esperar aproximadamente um ano para ter atendimento. Ela entra num processo de sofrimento, de revitimização e ainda com a possibilidade de sofrer um feminicídio por essa ausência [do Estado]”, destaca a pedagoga.

No âmbito da Lei Maria da Penha, ela defende o fortalecimento da rede de serviços públicos estatais de atendimento às mulheres. Moura questiona ainda a divulgação de serviços com implementação inadequada ao combate de violações.

“Há uma tendência à publicização desses serviços que não tem a capacidade de atendimento. Como é que pode se publicizar que o serviço tal foi inaugurado e a mulher é direcionada para aquele serviço e não tem quem atenda? Talvez estejam inaugurando prédios” comenta.

A mestre em Política Social, Ludmila Suaid, ressalta que a Lei Maria da Penha coloca a mulher brasileira como cidadã, “como pessoa que tem direito a sua integridade física e moral defendidas. Nos coloca como humanas”.

No entanto, ela, que atua como assistente social no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, disse que diariamente atende mulheres em situação de violência e encontra grande dificuldade em acionar a rede de atendimento às mulheres e seus filhos.

“É desafiador articular a rede de atendimento, pois não é somente a delegacia especializada de atendimento às mulheres que é acionada. Também é necessário acionar serviços como casa abrigo, Centro de Referência em Assistência Social, escola das crianças, e outros”, aponta.

CPI do Feminicídio

O deputado distrital Fábio Félix (Psol), disse em rede social que “vê com tristeza e indignação mais um caso de feminicídio no DF”. Ele lamentou o assassinato da sindicalista Cilma Galvão e cobrou do governo maior eficácia nas leis aprovadas a partir da realização da CPI do Feminicídio na Câmara Legislativa do DF.

Félix destaca que as leis já foram sancionadas. “Entretanto, o governo do DF ainda não deu uma resposta para frear o avanço dos casos de feminicídios. Até agora nenhuma delas foi implementada de fato”.

Com 80 recomendações, entre projetos de lei e propostas para melhorar a estruturação da rede de serviços, a CPI apresentou a proposta para criação do Programa Órfão do Feminicídio, da instalação do Observatório da Violência contra Mulher e Feminicídio, monitoramento integrado de medidas protetivas de urgência, protocolo de acolhimento e assistência após desligamento da Casa Abrigo, Passe Livre para mulheres em situação de violência e dependentes, dentre outras.

“As leis tiveram contribuição de pesquisas desenvolvidas, análise da rede de acolhimento do DF e a escuta de movimentos de mulheres. Sabemos que o machismo está enraizado na nossa sociedade, mas queremos o comprometimento das políticas públicas para salvar a vida de mais mulheres. Chega de feminicídios! O DF precisa ser um lugar seguro para todas as mulheres”, escreveu o deputado.

Ato

Na quarta-feira (6), movimentos de mulheres e feministas realizaram um ato em homenagem à Cilma Galvão.

Movimentos denunciaram a ausência de políticas / Leandro Gomes CUT/DF

A manifestação, realizada durante assembleia do Sindiserviços ─ Sindicato do qual Cilma era diretora ─ denunciou a ausência de políticas públicas para combater os diversos tipos de violência contra as mulheres.

No dia seguinte, 7 de outubro, o GDF lançou o II Plano Distrital de Políticas para as Mulheres.

Disque 180

O Ligue 180 recebe denúncias de violência doméstica e funciona diariamente durante 24h, incluindo sábados, domingos e feriados.

Em caso de emergência, o telefone da Polícia Militar é 190.



Edição: Flávia Quirino