Domingo, 3 de setembro de 2017
As abelhas são responsáveis por “70% da polinização das plantas utilizadas para a produção de alimentos e, com o desaparecimento das plantas, o primeiro impacto negativo que teremos é a falta de alimentos
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos
Entrevista especial com Lionel Segui Gonçalves
Entrevista especial com Lionel Segui Gonçalves
Por: Patricia Fachin | 03 Setembro 2017
O fenômeno do desaparecimento das abelhas pode ser explicado cientificamente, diz Lionel Segui Gonçalves, especialista em genética de abelhas, à IHU On-Line. Segundo ele, esse fenômeno que tem ocorrido no mundo todo, e particularmente no Brasil, está associado ao uso de agrotóxicos que contêm neonicotinoides. No Brasil “já temos várias ocorrências. Lamentavelmente, o país é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos,
e as abelhas estão sofrendo com isso. (...) Gostaria de deixar claro
que está havendo um massacre, principalmente nas nossas condições aqui
no Brasil, em que a cada dia que passa nós temos mais ocorrência de perda de abelhas”, enfatiza.
De acordo com o professor Gonçalves, “as moléculas desse agrotóxico atuam diretamente no sistema nervoso das abelhas
e, principalmente, no cérebro delas, causando um transtorno na
comunicação das células nervosas. Com isso, a abelha acaba tendo uma
deficiência na sua comunicação, o que faz com que ela fique
desorientada, isto é, o plano de navegação dela fica prejudicado, de
forma que ela não consegue voltar para sua fonte de origem, que são as
colmeias, e acaba se perdendo”, explica.
Lionel Segui Gonçalves informa ainda que o Brasil
já perdeu mais de 20 mil colônias de abelhas, o que representa mais de
um bilhão de abelhas mortas nos últimos anos por conta do uso indiscriminado de agrotóxicos.
Se o uso desse tipo de substância não for barrado, o pesquisador diz
que a tendência é que a polinização feita pelas abelhas seja substituída
pela polinização humana, como já tem sido feito na China e no Brasil, como nas culturas de maracujá. “Existe uma região na China, a qual tive o prazer de visitar, onde há 20 anos houve o uso indiscriminado de agrotóxicos e as abelhas
acabaram desaparecendo. Hoje, os chineses estão fazendo a polinização
das suas árvores com suas mãos, utilizando uma vareta com pena de
passarinho, onde colocam o pólen nas plantas, isto é, fazem o papel da
abelha. Estou prevendo que esse também será o nosso futuro, caso não
haja nenhuma atitude governamental no sentido de proibir ou, pelo menos,
de haver um controle no uso de agrotóxicos”.
O pesquisador informa ainda que as abelhas são responsáveis por “70% da polinização das plantas utilizadas para a produção de alimentos
e, com o desaparecimento das plantas, o primeiro impacto negativo que
teremos é a falta de alimentos”. Na avaliação dele, a solução para
interromper esse fenômeno é “incentivar a pesquisa para produzir a
‘praga da praga’, isto é, utilizar o controle biológico para eliminar as pragas da agricultura”.
Lionel Segui Gonçalves
é graduado em História Natural, que atualmente corresponde às Ciências
Biológicas, pela Unesp de Rio Claro-SP, e doutor em Genética de Abelhas
pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP-USP. É professor
aposentado da USP, professor emérito do CNPq e membro titular da
Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de
São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Que relações o senhor estabelece entre o uso de
agrotóxicos e o desaparecimento das abelhas? O senhor tem dito que
particularmente os agrotóxicos que possuem nicotina em suas fórmulas
bloqueiam a comunicação entre as células do sistema nervoso das abelhas.
Por que isso ocorre?
Lionel Segui Gonçalves — Inicialmente gostaria de dizer que o grande problema do desaparecimento das abelhas é um fenômeno internacional que já vem ocorrendo há alguns anos, e vem se intensificando muito em vários países, inclusive no Brasil, onde já temos várias ocorrências. Lamentavelmente, o país é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, e as abelhas estão sofrendo com isso.
O Colony Collapse Disorder - CCD, ou a Síndrome do Desaparecimento das Abelhas, é um fenômeno que vem ocorrendo e que foi detectado em vários países, mostrando que a presença de agrotóxicos do grupo dos neonicotinoides
tem sido o principal responsável pelo desaparecimento, uma vez que as
moléculas desse agrotóxico — que são muito fortes — atuam diretamente no
sistema nervoso das abelhas e, principalmente, no cérebro delas,
causando um transtorno na comunicação das células nervosas. Com isso, a
abelha acaba tendo uma deficiência na sua comunicação, o que faz com que
ela fique desorientada, isto é, o plano de navegação dela fica
prejudicado, de forma que ela não consegue voltar para sua fonte de
origem, que são as colmeias, e acaba se perdendo. Essa é a explicação
científica do problema do desaparecimento. Agora, independentemente do
nome que se dê, se é síndrome, desaparecimento ou morte, o que gostaria
de deixar claro é que está havendo um massacre, principalmente nas
nossas condições aqui no Brasil, em que a cada dia que passa nós temos mais ocorrências de perda de abelhas.
Desenvolvemos um aplicativo em Ribeirão Preto, chamado de Bee Alert,
que permite que os apicultores, meliponicultores e demais interessados
em abelhas obtenham informações diretamente dos locais onde ocorreram
perdas, e façam um registro no Bee Alert. Quanto a isso, gostaria de dizer que, até dezembro de 2016, já haviam sido registradas mais de 300 ocorrências no Bee Alert, o que significa uma perda de mais de 20 mil colônias de abelhas, tanto apis melifera quanto abelhas sem ferrão e abelhas solitárias,
de tal forma que as apis estão sendo prejudicadas em 87% e os
meliponíneos em 13%. Isso representa um total de mais de um bilhão de
abelhas mortas; e o principal causador são os agrotóxicos.
IHU On-Line — O que esse percentual significa? É possível estimar?
Lionel Segui Gonçalves — Não, não é possível, porque no Brasil
existem dois grupos que estão fazendo esse levantamento. Um é o grupo
do qual faço parte, que há três anos está fazendo coleta através do Bee Alert. O outro é o grupo chamado Projeto Colmeia, que também coleta dados com os apicultores, mas o grupo do Projeto Colmeia é financiado pelas multinacionais
e nós não temos acesso às informações, apenas a um relatório que
apresenta um número relativamente baixo de ocorrências. Nosso interesse é
chamar a atenção para o uso indiscriminado dos agrotóxicos no Brasil.
IHU On-Line — É possível estimar a partir de que momento as
colmeias de abelhas começaram a desaparecer no Brasil? Em que regiões do
país o desaparecimento das abelhas é maior?
O maior índice de desaparecimento das abelhas ocorre nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
Lionel Segui Gonçalves — Sim. Nós temos um mapa do Brasil onde estão lotados todos os registros mostrando a ocorrência da morte de abelhas
nos estados brasileiros – 14 estados já foram atingidos, sendo que o
maior índice de desaparecimento das abelhas ocorre nos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e a maior frequência é no
estado de São Paulo, com 55%. Curiosamente, tem um trabalho feito por
uma pesquisadora da USP de São Paulo, que se chama Larissa Bombardi, onde ela faz um levantamento da distribuição ou da utilização dos agrotóxicos
nos municípios do país. Ela também fez um mapa da distribuição
geográfica desses agrotóxicos e essa distribuição bate, exatamente, com
as ocorrências que temos registrado de morte de abelhas. Então, nosso mapa do Bee Alert coincide com o mapa da distribuição de agrotóxicos feito pela Bombardi em 2016.
IHU On-Line — Existe alguma discussão entre o seu grupo de
pesquisa e os órgãos públicos, como o Ministério do Meio Ambiente, o
Ministério da Agricultura e a Anvisa em relação aos danos causados às
abelhas pelo uso de agrotóxicos, já que esses são os órgãos responsáveis
pela autorização do registro dessas substâncias?
Lionel Segui Gonçalves — Sem dúvida. Esse é um tema que estamos discutindo há três anos: já estivemos no Ministério do Meio Ambiente, já estivemos em contato com o Ibama,
já fizemos abaixo-assinado de e-mails de pessoas que têm interesse em
chamar a atenção dessa situação, já entregamos um abaixo-assinado com 23
mil assinaturas tanto para o Ministério do Meio Ambiente quanto para o Ministério da Agricultura e para o Ibama.
E, de lá para cá, nós temos participado de um número bastante
significativo de reuniões no Brasil a respeito desse problema.
Recentemente estivemos na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, onde foi discutida essa questão, sob a coordenação de um deputado do Partido Verde, padre Afonso, que está altamente interessado em chamar a atenção das autoridades a respeito do uso indiscriminado dos agrotóxicos. Logo, várias iniciativas têm sido feitas, mas, lamentavelmente, a frequência do uso dos agrotóxicos está cada vez maior.
IHU On-Line — Qual sua percepção sobre a recepção dos órgãos
acerca dessas informações que o seu grupo de pesquisa tem levantado?
85% da área verde é polinizada por abelhas. Logo, se não existirem abelhas, também haverá uma catástrofe ecológica
Lionel Segui Gonçalves — A percepção é a de que temos uma perspectiva de que, no futuro, estaremos trabalhando — como é hoje na China — com a figura do homem-abelha, que passa a fazer a polinização com as mãos. Existe uma região na China, a qual tive o prazer de visitar, onde há 20 anos houve o uso indiscriminado de agrotóxicos e as abelhas
acabaram desaparecendo. Hoje, os chineses estão fazendo a polinização
das suas árvores com suas mãos, utilizando uma vareta com pena de
passarinho, onde colocam o pólen nas plantas, isto é, fazem o papel da
abelha. Estou prevendo que esse também será o nosso futuro, caso não
haja nenhuma atitude governamental no sentido de proibir ou, pelo menos,
de haver um controle no uso de agrotóxicos.
IHU On-Line — Como os chineses fazem esse processo de
polinização? É possível fazer um processo de polinização adequado desse
modo?
Lionel Segui Gonçalves — Você falou a palavra-chave: “adequado”. Lógico que não. O modo adequado é feito somente pelas abelhas; o homem fará uma tentativa de resolver alguns problemas. Nós, aqui no Brasil, já estamos fazendo isso com o maracujá,
que é polinizado por uma abelha chamada mamangava, e essa abelha tem
sido eliminada. Estão fazendo a polinização do maracujá com o próprio
dedo ou com cotonete, mas isso jamais substituirá o papel da abelha.
A perspectiva é muito ruim e vejo com uma preocupação muito grande o
nosso futuro, uma vez que, até agora, nós não tivemos nenhuma resposta
positiva do governo em relação ao controle dos agrotóxicos.
IHU On-Line — O senhor já disse que o trabalho desses insetos
na natureza jamais será substituído pelas ações humanas nem pelos mais
robustos ou aperfeiçoados robôs. Por que o trabalho que as abelhas fazem
não pode ser substituído nem pela ação humana nem pela robótica?
Por enquanto é uma ilusão imaginar o uso da
robótica para fazer a polinização, porque as abelhas passaram centenas
de milhares de anos se adaptando para realizar esse trabalho
Lionel Segui Gonçalves — Existem propostas nesse sentido da robótica, mas por enquanto é uma ilusão imaginar o uso da robótica para fazer a polinização,
porque as abelhas passaram centenas de milhares de anos se adaptando
para realizar esse trabalho. Para que fosse possível que minirrobôs
fizessem a polinização, seria necessário um ajuste muito grande na
programação, porque temos abelhas específicas para determinados tipos de
plantas e, também, tem que se considerar a adaptação das próprias
abelhas. Portanto, não acredito que a robótica possa vir a substituir
esse trabalho; poderá haver exemplos pontuais onde um determinado robô
possa realizar a polinização de um determinado tipo de planta, mas isso
ainda é ilusão.
As abelhas são responsáveis, hoje, por 70% da polinização das plantas
utilizadas para a produção de alimentos e, com o desaparecimento das
plantas, o primeiro impacto negativo que teremos é a falta de alimentos.
Veja o exemplo das amêndoas: elas dependem 100% das abelhas. A Califórnia, nos Estados Unidos, que é o maior produtor de amêndoas, usa aproximadamente dois milhões de colmeias só para polinizar as amêndoas. Outras culturas, como a maçã, dependem 90% das abelhas. Enfim, as frutas, de modo geral, necessitam das abelhas para realizar a polinização.
Então, sem dúvida nenhuma, a extinção das abelhas
pode levar à falta de alimentos. Além disso, existe o problema das
áreas verdes, porque essas áreas — matas, florestas, campos etc. —
também são polinizadas pelas abelhas: 85% dessa área verde é polinizada
por abelhas. Logo, se não existirem abelhas, também haverá uma
catástrofe ecológica. Esse é o grande problema e, infelizmente, não
temos ainda soluções palpáveis, a não ser tentar combater radicalmente
os agrotóxicos ou defender o uso de controle biológico.
A solução mais correta seria incentivar a pesquisa para produzir a
“praga da praga”, isto é, utilizar o controle biológico para eliminar as
pragas da agricultura. Não sou 100% favorável à extinção dos
agrotóxicos, mas sou bastante radical contra o uso indiscriminado, em
que não se pensa em outra alternativa a não ser atingir as pragas em
prejuízo das abelhas, que estão sendo atingidas.
IHU On-Line — Dado o uso contínuo de agrotóxicos no país, o
que seria uma técnica de manejo apropriada para a criação de abelhas? O
uso de insumos biológicos ou de agrotóxicos que não contêm essa
substância resolveria os problemas?
Lionel Segui Gonçalves — Sem dúvida alguma. O problema dos agrotóxicos com neonicotinoides é que eles são altamente eficientes contra pragas, mas matam, inclusive, as abelhas; logo, são altamente eficientes para eliminar os polinizadores
de modo geral. Se fossem utilizados e pesquisados tipos de agrotóxicos
menos agressivos, que pudessem atingir determinadas pragas e também
fosse feito um controle desse uso, de tal forma que a aplicação do
agrotóxico fosse combinada com os apicultores, seria melhor.
Outra coisa: o uso dos agrotóxicos através das avionetas tem sido feito de maneira bastante eficaz no uso do agrotóxico,
mas nem sempre eficaz no uso do combate à praga. Isso porque ocorre
deriva, normalmente, em função do clima e do vento e, com isso, o
agrotóxico atinge principalmente áreas onde não estão as culturas
dirigidas para o tratamento, e atingem as abelhas; esse é o grande
problema.
IHU On-Line — O senhor costuma mencionar uma frase que é
atribuída a Einstein, quando comenta a importância das abelhas para o
ecossistema: “Se as abelhas vierem a desaparecer da face da Terra,
quatro anos depois o homem também desaparecerá”. É isso mesmo?
Sugiro que seja incentivada a cultura de abelhas, ou seja, é preciso cuidar das colmeias, ter uma colmeia de jataí em casa
Lionel Segui Gonçalves — Existe uma polêmica sobre a veracidade dessa declaração de Einstein. O importante é constatarmos — seja ou não verdade que ele tenha dito isso — o que está acontecendo: realmente as abelhas estão sendo eliminadas; esse é um ponto claríssimo para nós. Segundo, o papel das abelhas nos diferentes ecossistemas e na natureza é fundamental e isso já está devidamente comprovado através do papel delas na polinização.
Por outro lado, esse problema que você comentou, a respeito do
desaparecimento do homem em função da falta de abelhas, como elas são
responsáveis pela polinização das áreas verdes, faltando áreas verdes e
as plantas que produzem oxigênio, logicamente isso atingirá o homem. E,
não havendo a polinização, que é fundamental na natureza, nós teremos um
déficit de plantas; havendo déficit de plantas, haverá um desequilíbrio
de modo geral na ecologia e haverá falta de determinados organismos
vegetais e animais. Com isso, acontecerá uma catástrofe mundial, porque o equilíbrio depende da presença das abelhas, que estão sendo eliminadas.
Eu não defendo a veracidade da declaração do Einstein, mas defendo a intenção que existe por trás disso, mostrando que se ocorrer o desaparecimento das abelhas,
realmente haverá a possibilidade de sermos eliminados, não em quatro
anos, como foi falado, mas em centenas ou milhares de anos.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Lionel Segui Gonçalves — Gostaria de dizer que há a
possibilidade de nossa comunidade responder a esse fenômeno, por
exemplo, questionando: “Como eu posso ajudar?”. Uma maneira seria não
utilizar esses pesticidas, ou seja, substituí-los por controle
biológico.
Sugiro que seja incentivada a cultura de abelhas, ou seja, é preciso
cuidar das colmeias, ter uma colmeia de jataí em casa, porque as
crianças podem aprender a importância dos insetos para o homem e através
dessa cultura poderia ser difundida a relevância das abelhas.
Sugiro que as abelhas sejam protegidas e que sejam plantadas árvores
para aumentar a fonte de alimento delas, que são as flores. Logo,
havendo um incentivo para plantar árvores e cultivar flores, isso
ajudará demais. E, também, precisamos questionar as nossas autoridades
sobre a importância de se controlar o meio ambiente e não permitir
qualquer tipo de ação na natureza que acabe destruindo o nosso meio
ambiente. Essas iniciativas são importantes.
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