Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ebulição nas esquerdas


Segunda, 7 de novembro de 2011 
Por Ivan de Carvalho

“Toda grande marcha começa com o primeiro passo”, dizia o líder chinês Mao Tsé-tung, por décadas o farol do PC do B, farol mais tarde deslocado para a Albânia, quando, morto Mao, Deng Xiao-ping, o inventor da “nova China”, para quem não importava a cor do gato, desde que ele caçasse ratos, cometeu o grande insulto revisionista.

            Mas isto já é história antiga, pelo menos do século passado. O que importa é que o PC do B deu neste fim de semana não exatamente o primeiro, porque este já dera antes, mas dois dos passos iniciais da marcha que decidiu empreender na direção da prefeitura de Salvador, a ser disputada nas eleições do ano que vem.

            Na Conferência do PC do B que se realizou no sábado no Hotel Fiesta [Salvador], os comunistas realizaram dois objetivos. Um deles foi fazer uma ostensiva manifestação de desagravo ao ex-ministro do Esporte, o baiano Orlando Silva, que, envolvido em acusações e investigações por corrupção, pediu exoneração do cargo que exercera de 2006 até fins do mês passado. Não queria sair, mas a presidente Dilma Rousseff o aconselhou a pedir demissão. Ele não pedira o conselho, que, no entanto, era irrecusável.

            Mas ante as acusações levantadas pela mídia e os “fatos” apontados em pedido de investigação que o procurador geral da República, Roberto Gurgel, fez, convencendo o STF a determinar uma investigação, o PC do B da Bahia quis fazer algo para afirmar a lisura da conduta do ex-ministro. Até porque precisava exorcizar a suspeita que poderia espalhar pedras na marcha eleitoral que o partido iniciara. Para isso contou até com a ajuda do governador Jaques Wagner, que, contrariando muitas expectativas (dos que esperavam que ele comparecesse, mas fosse discreto), atendeu a expectativas do PC do B: chamou Orlando Silva de “jovem político”, disse ter orgulho dele e defendeu sua atuação no governo. Mais tarde, declarou à imprensa: “Fiz a defesa dele. Podemos até errar, mas não se pode admitir a imolação pública”.

            Como em política, dizem os políticos, ninguém dá prego sem estopa, a impressão que fica é a de que o governador, por melhor que seja o conceito que tem de Orlando Silva, quis também, talvez pensando não só no agora como no futuro próximo de 2012 e 2014, reduzir tensões entre seu partido, o PT e o PC do B do ex-ministro Orlando Silva, que é da sua base político-parlamentar, mas decidiu ter candidata própria à prefeitura de Salvador, a deputada Alice Portugal.

            O segundo passo dado sábado pelo PC do B foi a confirmação (mais uma, porém a mais solene e politicamente mais ampla), pela Conferência do partido, da candidatura de Alice Portugal à sucessão de João Henrique. Este segundo passo foi dado com uma firmeza e uma graça admiráveis. A firmeza pode ser expressa por poucas palavras do líder comunista baiano Haroldo Lima, presidente do Conselho Nacional do Petróleo: “Não é possível mais que a unidade seja só em torno deles (petistas). Por que a unidade não é feita em torno de nós (PC do B)?”. E reforçou com a revelação de que o PC do B está cansado de ser linha auxiliar, de bater palmas e pregar ou carregar faixas para candidatos de outros partidos.

            Quanto à graça, ficou por conta da presença de dirigentes oposicionistas, a exemplo dos presidentes estaduais do PMDB e do DEM, Lúcio Vieira Lima e José Carlos Aleluia, dando o sinal de que a candidatura de Alice não somente é estimulada por eles como pode fazer parte de seus planos, a depender da conjuntura eleitoral. Para preocupação, não admitida, mas inevitável nas circunstâncias, do candidato petista a prefeito, deputado Nelson Pelegrino.

            Talvez também por isso, o governador, no encontro estadual do PT, no Marazul Hotel, também no sábado, afirmou: “Reconheço a legitimidade de o PC do B querer crescer, mas espero que não perca a dimensão do todo”. Advertência ou desejo – melhor deixar que ele mesmo o defina. No encontro do PT estiveram, entre muitos, o governador, que discursou e elogiou José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula e o mais importante réu no processo do Mensalão, que corre no STF. Dirceu estava presente, e talvez não por coincidência o encontro do PT e o lançamento de um livro seu no Shopping Salvador foram marcados para o mesmo sábado. Há no país uma ampla campanha petista de reabilitação de Dirceu, expurgado pelo escândalo do Mensalão.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.