Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Esqueçam o que estava escrito


Terça, 1 de novembro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Todo mundo está dizendo, na mídia tradicional, na Internet, nas conversas pessoais, porque é óbvio. O câncer de laringe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é agora elemento fundamental na política brasileira. Isto porque Lula, o líder mais popular do país e – com a licença da presidente argentina Cristina Kirchner – da América do Sul. Não sei se de todas as Américas e Caribe, porque, vai ver, os 52 anos de endeusamento do ditador Fidel Castro pela onipresente e incontestada propaganda comunista em Cuba podem tê-lo colocado em patamar superior ao do ex-presidente brasileiro.

Mas justamente pela imensa popularidade que tinha no momento de deixar o governo e pela influência preponderante que tem sobre o seu partido, que detém a Presidência da República e inúmeras outras posições políticas em todo o país – obtidas por eleições e por nomeações –, bem como pela capacidade de articulação de que desfruta no âmbito da coalizão de governo, o câncer de laringe de Lula é fator essencial da política brasileira a partir do último fim de semana, quando recebeu diagnóstico definitivo, ante os resultados da biópsia realizada.

Referi-me, ontem, neste espaço, ao nível crítico de incerteza a que a doença levou a política brasileira, agora governada pelo que se pode chamar de “princípio da incerteza”. É claro que a atividade política e as lutas pelo poder político estão muito longe de constituir uma ciência exata. Mas os graus de incerteza naturalmente variam a depender dos elementos em jogo.

Nas primeiras notícias, afirmou-se que a doença de Lula tinha “mais de 60 por cento” de chances de cura. No domingo à noite, em entrevista ao Fantástico, o médico pessoal de Lula, Roberto Kalil Filho, apresentou estimativa melhor, chance de cura “de 80 por cento, o que é muito bom”. Mas, como ainda restam 20 por cento, o fator incerteza é muito expressivo. O tumor tem três centímetros e foi qualificado pela equipe médica como “não muito grande”. É o tipo mais comum de câncer de laringe, tem agressividade média, será tratado com quimioterapia e radioterapia.

Inicialmente, afastou-se a realização de cirurgia, por não ser neste momento considerada indispensável. A cirurgia, explicou a equipe médica, atingiria as cordas vocais do ex-presidente. Este é um problema sério para qualquer pessoa, mas para Lula, um líder político e popular, que usa a palavra como um dos principais instrumentos de sua atividade, seria um desastre. De qualquer maneira, daqui a 40 dias avançados exames de imagem vão avaliar os resultados da quimioterapia e radioterapia. Espera-se que sejam bons, mas, se não forem, a hipótese de cirurgia voltará a ser examinada.

Lula poderia ser o candidato do PT a presidente em 2014, mesmo que a presidente Dilma Rousseff esteja bem junto ao eleitorado. Mas se ela não estiver popular, o PT tinha Lula como – para repetir uma expressão que já usei antes – rede de segurança. Lula é o melhor candidato reserva possível. A persistência dessa condição vai depender muito da evolução da doença e do tratamento.

E é isto que eleva a nível crítico a incerteza em toda a política brasileira e desde já, não somente em 2014 ou 2012, ano de eleições municipais. O PT está solidário, como o povo brasileiro, com o político, em muitos casos, com a pessoa de Lula, sempre (não há de se ficar levando em conta alguns espíritos de porco). Mas, internamente, o PT está agitadíssimo e a coalizão de governo não estará alheia ao mesmo estado mental.

É como se houvessem passado uma borracha na página. “Esqueçam o que estava escrito aí. Vamos começar uma nova história. E não sabemos ainda o que escrever sobre o personagem principal”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.