Terça, 15 de novembro de 2011
Da Agência Brasil
Luciana Lima - Repórter
A divulgação massiva das ocupações de comunidades pobres do
Rio de Janeiro por forças da segurança púbica remonta, segundo
especialistas, à República Velha, quando a hipervalorização dos presos
buscava alcançar o reconhecimento da sociedade para o trabalho policial.
Segundo Michel Misse, professor de sociologia e antropologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Núcleo de
Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ, a
pirotecnia fez lembrar artigos da década de 1950 que criticavam a
“aliança” entre imprensa e polícia para supervalorizar as prisões.
“O interessante é que são artigos críticos de Silvio Terra, que hoje dá
nome à Academia de Polícia do Rio de Janeiro. Desde àquela época já se
identificava a tendência de tornar muito mais importante, inteligente e
perigoso aqueles que eram capturados pela polícia”, diz Misse. “Era uma
forma de hipervalorizar o trabalho [policial]. Desde aquela época, já
existia essa aliança entre a polícia e os veículos de comunicação, com
suas editorias de polícia.”
A anunciada ocupação das favelas da Rocinha e do Vidigal no Rio de
Janeiro domina o noticiário há uma semana. Mesmo antes da madrugada de
domingo (13), quando as forças policiais subiram o morro, a prisão dos
policiais que tentaram escoltar traficantes em fuga e a captura do
traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, tiveram ampla cobertura da
imprensa nacional. O assunto também ganhou destaque internacional,
mostrando que o Rio investe para reforçar a segurança para receber dois
megaeventos esportivos mundiais: a Copa do Mundo em 2014 e das
Olimpíadas de 2016.
Isso já havia ocorrido no primeiros semestre do ano, quando as 13
favelas que formam o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, foram
ocupadas por forças da segurança pública. “Essa aliança explica, em
parte, a ênfase na divulgação da prisão de Nem, que era um traficante de
varejo”, assinala o professor. “O Nem já estava negociando com a
Polícia Civil sua rendição. O advogado mantinha contatos com a polícia
quando ele resolveu fugir.”
De acordo com Misse, o poder econômico do tráfico no Rio está em
declínio e já deu vários sinais. “Um deles foi o acordo feito por
facções do Rio com facção de São Paulo. Foi a partir desse momento que o
crack começou a entrar no Rio, coisa que antes os traficantes
cariocas não permitiam.” O avanço das milícias (organizações formadas a
partir da associação entre criminosos e policiais) também demonstra esse
enfraquecimento, acrescentou o diretor do Núcleo de Estudos em
Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.
Para Marcelo Burgos, professor e coordenador da área de sociologia da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, a forte ação
midiática está no centro da política de implantação das unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs). Segundo ele, o “efeito UPP” tenta vender o
conceito de uma cidade “pacificada”. “A UPP é uma política que se
diferencia de outras até pelas ações de caráter midiático. O que temos
no Rio não é só a UPP, mas também o “efeito UPP.”
Embora ressalte que entende a intenção do governo do Rio em apresentar Nem como um “troféu”, o professor da PUC do Rio vê exagero na cobertura da imprensa. “O
interesse da mídia e a repercussão da prisão de um traficante do porte
do Nem não é compreensível. Apesar de não ser um pé rapado, de ter
domínio territorial [sobre a Favela da Rocinha], de controlar um volume
razoável de dinheiro e de mercadoria [droga], não se pode considerá-lo
um chefão do tráfico. É claro que houve uma midiatização da prisão
dele.”