Segunda, 14 de novembro de
2011
Por Ivan de Carvalho

Mas, bem, o propósito não é escrever
sobre a escrita e a fala e sim sobre a República de um país no qual o principal
partido político põe um dos seus mais destacados líderes para condenar a “luta
moralista contra a corrupção”.
Ex-ministro-chefe da Casa Civil do
ex-presidente Lula, deputado cassado por envolvimento no escândalo do Mensalão
e réu no processo que corre no Supremo Tribunal Federal sobre o mesmo assunto e
pode ser julgado no ano que vem, José Dirceu, passando de réu a acusador,
responsabiliza a “luta moralista contra a corrupção” por algumas graças ou
desgraças nacionais.
Falando em Brasília para centenas de
militantes no 2º Congresso da Juventude do PT, Dirceu foi homenageado ou
desagravado com uma camiseta em que aparece sua imagem e duas inscrições,
“Contra o golpe das elites” e “inocente”.
Assim prossegue uma das últimas fases do processo político de
reabilitação de José Dirceu, que recentemente teve fase anterior com o
lançamento de um livro seu em quatro capitais – a última delas, Salvador,
coincidindo, na Bahia, com um Encontro Estadual do PT para que houvesse
sinergia entre os dois atos. Dirceu havia sofrido expurgo, contra a vontade do
PT, mas imolado à expectativa então vigilante da sociedade, que tornou
insustentáveis sua permanência como ministro-chefe da Casa Civil do presidente
Lula e seu mandato de deputado federal.
É evidente que esta vigilância da sociedade esgarçou-se, já não é a mesma
daquela época, ano de 2005, evolução (ou involução) que permite ao Dirceu atacar
a “luta moralista contra a corrupção”, que tem se expressado por meio das
denúncias veiculadas ou produzidas pela mídia e por iniciativas das quais a
mais interessante é o Movimento Contra a Corrupção (MCC), que tem organizado
marchas de protesto contra a esbodegação moral que está aí devorando o dinheiro
arrancado pelo Estado aos contribuintes com incrível e crescente voracidade. Além
de ilimitada, como já se antecipou.
De acordo com o ex-presidente Lula, a ênfase na moralidade é uma coisa da
“direita”, começando pela UDN (antiga e extinta União Democrática Nacional, que
mantinha uma luta sem tréguas contra a maneira de muitas autoridades usarem o
dinheiro dos contribuintes), uma conspiração das elites. Dirceu aperfeiçoou
essa doutrina “republicana”, enriquecendo-a com exemplos: a “luta moralista
contra a corrupção” já produziu a renúncia de Jânio Quadros e o impeachment de Collor.
Jânio elegeu-se com uma vassoura nas mãos (ou na lapela de seus
eleitores) e renunciou por causa de “forças terríveis”, na verdade uma vontade
terrível de ser chamado de volta com a oferta de super-poderes. Quanto a
Collor, prometeu caçar marajás, mas seu impeachment
deveu-se exatamente a uma “luta moralista contra a corrupção” – fenômeno que
Dirceu condena – ainda que muitos dos que dela participaram dispunham-se a
praticar a corrupção quando encontrassem oportunidades. E encontraram, pelo que
se tem visto, inclusive ao longo deste ano e pouco antes dele começar.
Mas, de qualquer modo, viva a República no seu dia, mesmo que ainda não
seja muito pública.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta
segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.