Quarta,
26 de dezembro de 2012
Por
Ivan de Carvalho

Não
convém confundir a mudança com um ligeiramente antecipado presente de Natal. O
adiamento do prazo final para implantação do Siniav não visou a beneficiar os
cidadãos proprietários de veículos automotores, que sequer foram consultados a
respeito.
O Contran atendeu, segundo o Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran), a pedido dos departamentos estaduais de
trânsito (Detrans), que “solicitaram mais prazo para implantar o sistema”,
confirmando que, no Brasil, os governos quase sistematicamente atrasam tanto
coisas boas quanto ruins. No caso em foco, uma das ruins, o que, de certo modo,
é bom.
Demonstrado está, pois, que não houve qualquer
intenção de dar aos cidadãos proprietários de veículos automotores um presente
de Natal e sim de atender a uma morosidade, no caso benéfica, de Detrans. Não
sei se de todos. Porque a data para o início da implantação do Siniav não
mudou, continua sendo 1º de janeiro próximo e o Detran baiano já emitiu avisos
(não recebi um deles, mas tenho um familiar que recebeu) comunicando que no
próximo licenciamento de seu carro será imposto (sabe-se que será no vidro
dianteiro) o chip, que é o núcleo de todo o sistema Siniav. O chip armazenará e
transmitirá as informações do veículo e algumas, obviamente, do proprietário e
dará ao governo condições de rastrear o veículo, entre outras coisas bisbilhotando
as idas e vindas particulares do proprietário e/ou de familiares seus. Invasão
ostensiva de privacidade.
Ao dar a notícia sobre o adiamento do prazo final
para implantação, a Agência Brasil escreveu que “o objetivo (do chip) é
facilitar o controle e fiscalização do tráfego por meio de monitoramento em
tempo real”. Meia verdade. E, portanto, meia mentira. Mas, como não existe meia
mentira, mentira inteira.
O objetivo acima é sempre mencionado pelas
autoridades para “justificar” o chip de monitoramento. E o dispositivo
eletrônico terá essa função, inclusive. Como pode facilitar a localização de um
carro roubado trafegando na cidade. Mas o objetivo principal, inicialmente, é
arrecadatório: facilitar a aplicação das multas de trânsito e, principalmente,
verificar se o veículo está com taxas e impostos, bem como seguro obrigatório e
inspeção veicular, em dia, interceptando-o imediatamente, em caso de
inadimplência dessas obrigações. Daí a gritante conivência dos governadores,
inclusive os de partidos da oposição.
Em um futuro mais distante pouquinha coisa, o
objetivo principal do chip poderá facilmente mudar para a bisbilhotice mesmo, a
integração no grande sistema do Big Brother, o verdadeiro, notoriamente em
montagem em todo o mundo, visando a extinguir a privacidade das pessoas.
Incrível que a imposição (é obrigatório) desse chip haja sido feita, em 2006,
por meio de mera resolução, a Resolução 212 do Contran, que entra em confronto
direto com a garantia constitucional da privacidade, cláusula pétrea da
Constituição da República. Em agosto, o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadhi
Damous, anunciou que a seção estadual da Ordem entraria com ação direta de
inconstitucionalidade contra o chip no Supremo Tribunal Federal, por agredir o
artigo 50 da Constituição. Ainda se aguardam os desdobramentos.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o chip do Big
Brother dá um salto gigantesco. O governo aprovou a obrigatoriedade do uso
subcutâneo do chip RFID, de identificação e dados médicos, sem o qual não se
terá acesso ao sistema público de saúde.
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Este artigo foi publicado
originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.