Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Urge uma revolução democrática contra a corrupção, antes que seja tarde

Segunda, 31 de dezembro de 2012 
Deputados de oposição, da esquerda, saíram de campanhas franciscanas para disputas milionárias

Paulo Rubem Santiago*
A reconstrução da democracia no país, após 21 anos de ditadura militar, custou a todos nós muitas vidas, sonhos, a liberdade de cidadãos e instituições. Nessa jornada, estratégias foram desenvolvidas e mobilizações antes impossíveis consolidaram-se na vida política nacional. A bandeira das diretas já foi uma dessas, com o povo lutando pela eleição direta do primeiro presidente após ditadura implantada em 1964.

Não nos faltava, porém, só a consolidação da democracia formal. Desde a Colônia, no Império e na República, a boa gestão do patrimônio público sempre foi objeto de ataques, tantos são os casos de corrupção, desvio de verbas públicas e escândalos associados a esse procedimento.

Em 2002 o programa da candidatura de Lula defendia a criação de uma Agência Nacional de Combate à Corrupção, ideia que nunca saiu do papel. De lá para cá vimos que a corrupção tem raízes antigas, expressando-se, vez por outra, nos séculos XX e hoje, em governos de quase todas as legendas.

Outro aspecto crítico da atual fase democrática é que, além disso, quanto mais eleições presidenciais acontecem desde 1989 maiores são os financiamentos privados nas disputas à chefia do poder executivo federal, Câmara dos Deputados e o Senado. Por isso, acompanhando muitas das investigações e o combate à corrupção no país e vendo se agigantar o financiamento privado nas últimas eleições, afirmo que o processo político-representativo em nosso país está em acelerada degeneração. Em parte porque nunca se desmontaram, nem após 2002, com os partidos de esquerda no governo, as estruturas que permitiram, por décadas, o aumento dessa influência, associada a fundos lícitos ou ilícitos, como a corrupção, o tráfico, a lavagem de dinheiro e a sonegação. Deputados de oposição, em legendas de esquerda, saíram de campanhas antes franciscanas, para disputas milionárias, algo outrora inimaginável para tais legendas.



Consolidada a metamorfose, fez-se a simbiose. Temas antigos da agenda partidária foram esquecidos, relativizados, como a regulamentação do sistema financeiro (norma do artigo 192 da Constituição Federal de 1988), a auditoria da dívida pública (outra norma constitucional), a implantação do imposto sobre grandes fortunas (idem), o combate sistêmico e estruturante à corrupção e as reformas política, agrária e tributária avançadas.

Hoje o voto popular definha, embora sejam, a cada dia, mais midiáticas e caras as campanhas eleitorais. Mesmo com a lei de combate aos crimes de corrupção eleitoral, de 1998, e a lei da ficha limpa, de 2010, o poder econômico age e abusa, às claras, ante a fragilidade da Justiça Eleitoral para ir às ruas e coibir tais práticas com o suporte do Ministério Público e das Polícias Militar e Federal. As chamadas doações “ocultas” são a expressão mais clara dessa degeneração. Vive-se o império do vale-tudo travestido de democracia.

Por isso, antes que a infiltração do crime organizado na administração pública se generalize e que o casamento do dinheiro da corrupção com os recursos das altas fontes privadas sequestre o voto popular impondo um simulacro de representação urge, antes que seja tarde, deflagrarmos uma revolução democrática, radical, que atinja raízes, troncos, folhas, flores e frutos de cada uma dessas práticas.

Combater a corrupção de forma estruturante, preventiva, sistêmica, com investimentos e ações entre os poderes de estado, tornando mais duras as leis que atualmente regem esse combate e punem corruptos e corruptores.

Realizar uma reforma política ampla, pelo financiamento público, bloqueando o uso dos fundos originários da corrupção nas campanhas.

Por fim, exigir em nova legislação partidária regras comuns a todos os partidos, transparência total, on-line, nas contas e fundos partidários, eleições diretas de seus dirigentes, limitados a dois mandatos, direito dos eleitores revogarem mandatos que agirem contra suas próprias atribuições, deveres legais e éticos, impor candidaturas obrigatórias nas eleições majoritárias, comunicação para divulgação unicamente programática, e não de seus dirigentes, entre outras medidas.

Sem essa revolução democrática, frente à sucessão de escândalos, abuso de poder econômico nas eleições e diversas modalidades de crimes eleitorais, acabará o voto livre como ferramenta da democracia, ruindo-se a própria democracia, gerando-se terras férteis para os golpes de novas ditaduras e salvadores da pátria. Façamos essa revolução agora, com aqueles ainda não contaminados que a assumam, no próprio PT, no PDT, no PC do B, no PSB, no PMDB, no PSOL e em outros, pressionando nas ruas, universidades, portas de fábricas, nos assentamentos, nas comunidades, para o parlamento aprová-la, em defesa da maioria da sociedade, da soberania do voto e da autonomia do cidadão. Antes que seja tarde.

* Paulo Rubem Santiago – Deputado Federal PDT-PE e Fundador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004).

Fonte: Jornal do Brasil