Segunda, 31 de dezembro de 2012
Deputados de oposição, da esquerda, saíram de campanhas franciscanas para disputas milionárias
A
reconstrução da democracia no país, após 21 anos de ditadura militar, custou a
todos nós muitas vidas, sonhos, a liberdade de cidadãos e instituições. Nessa
jornada, estratégias foram desenvolvidas e mobilizações antes impossíveis
consolidaram-se na vida política nacional. A bandeira das diretas já foi uma
dessas, com o povo lutando pela eleição direta do primeiro presidente após ditadura
implantada em 1964.
Não
nos faltava, porém, só a consolidação da democracia formal. Desde a Colônia, no
Império e na República, a boa gestão do patrimônio público sempre foi objeto de
ataques, tantos são os casos de corrupção, desvio de verbas públicas e escândalos
associados a esse procedimento.
Em
2002 o programa da candidatura de Lula defendia a criação de uma Agência Nacional
de Combate à Corrupção, ideia que nunca saiu do papel. De lá para cá vimos que a
corrupção tem raízes antigas, expressando-se, vez por outra, nos séculos XX e
hoje, em governos de quase todas as legendas.
Outro
aspecto crítico da atual fase democrática é que, além disso, quanto mais eleições
presidenciais acontecem desde 1989 maiores são os financiamentos privados nas
disputas à chefia do poder executivo federal, Câmara dos Deputados e o Senado. Por
isso, acompanhando muitas das investigações e o combate à corrupção no país e
vendo se agigantar o financiamento privado nas últimas eleições, afirmo que o
processo político-representativo em nosso país está em acelerada degeneração.
Em parte porque nunca se desmontaram, nem após 2002, com os partidos de
esquerda no governo, as estruturas que permitiram, por décadas, o aumento dessa
influência, associada a fundos lícitos ou ilícitos, como a corrupção, o
tráfico, a lavagem de dinheiro e a sonegação. Deputados de oposição, em
legendas de esquerda, saíram de campanhas antes franciscanas, para disputas milionárias,
algo outrora inimaginável para tais legendas.
Consolidada
a metamorfose, fez-se a simbiose. Temas antigos da agenda partidária foram esquecidos,
relativizados, como a regulamentação do sistema financeiro (norma do artigo 192
da Constituição Federal de 1988), a auditoria da dívida pública (outra norma
constitucional), a implantação do imposto sobre grandes fortunas (idem), o
combate sistêmico e estruturante à corrupção e as reformas política, agrária e
tributária avançadas.
Hoje
o voto popular definha, embora sejam, a cada dia, mais midiáticas e caras as
campanhas eleitorais. Mesmo com a lei de combate aos crimes de corrupção
eleitoral, de 1998, e a lei da ficha limpa, de 2010, o poder econômico age e
abusa, às claras, ante a fragilidade da Justiça Eleitoral para ir às ruas e coibir
tais práticas com o suporte do Ministério Público e das Polícias Militar e
Federal. As chamadas doações “ocultas” são a expressão mais clara dessa
degeneração. Vive-se o império do vale-tudo travestido de democracia.
Por
isso, antes que a infiltração do crime organizado na administração pública se
generalize e que o casamento do dinheiro da corrupção com os recursos das altas
fontes privadas sequestre o voto popular impondo um simulacro de representação
urge, antes que seja tarde, deflagrarmos uma revolução democrática, radical,
que atinja raízes, troncos, folhas, flores e frutos de cada uma dessas práticas.
Combater a
corrupção de forma estruturante, preventiva, sistêmica, com investimentos e
ações entre os poderes de estado,
tornando mais duras as leis que atualmente regem esse combate e punem corruptos
e corruptores.
Realizar
uma reforma política ampla, pelo financiamento público, bloqueando o uso dos
fundos originários da corrupção nas campanhas.
Por
fim, exigir em nova legislação partidária regras comuns a todos os partidos,
transparência total, on-line, nas
contas e fundos partidários, eleições diretas de seus dirigentes, limitados a dois
mandatos, direito dos eleitores revogarem mandatos que agirem contra suas próprias
atribuições, deveres legais e éticos, impor candidaturas obrigatórias nas
eleições majoritárias, comunicação para divulgação unicamente programática, e
não de seus dirigentes, entre outras medidas.
Sem
essa revolução democrática, frente à sucessão de escândalos, abuso de poder
econômico nas eleições e diversas modalidades de crimes eleitorais, acabará o
voto livre como ferramenta da democracia, ruindo-se a própria democracia,
gerando-se terras férteis para os golpes de novas ditaduras e salvadores da
pátria. Façamos essa revolução agora, com aqueles ainda não contaminados que a
assumam, no próprio PT, no PDT, no PC do B, no PSB, no PMDB, no PSOL e em
outros, pressionando nas ruas, universidades, portas de fábricas, nos
assentamentos, nas comunidades, para o parlamento aprová-la, em defesa da
maioria da sociedade, da soberania do voto e da autonomia do cidadão. Antes que
seja tarde.
* Paulo Rubem Santiago – Deputado Federal
PDT-PE e Fundador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004).
Fonte: Jornal do Brasil