Sábado,
12 de abril de 2014
Helena
Martins – Repórter da Agência Brasil
Edição: Lílian Beraldo
Entre 2000 e 2012, cinco pessoas morreram no
Brasil, por dia, em situações de confronto com as polícias Civil e Militar.
Apenas em 2012, 1.890 brasileiros morreram nessas condições. Os dados fazem
parte de um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feito em 2013. Nos
Estados Unidos, em 2012, foram registradas 410 mortes semelhantes, segundo
dados do Criminal Justice Information Services Division do FBI (Federal Bureau
of Investigation), disponibilizados na publicação do fórum. O estudo mostra que
a taxa de letalidade da ação policial no Brasil é maior do que a de países como
o México, a Venezuela e a África do Sul.
A maior parte das investigações dessas mortes acaba sendo
arquivada, sob a alegação de que foram motivadas por resistência à ação policial.
Em 2006, mais de 400 jovens foram mortos, durante o mês de maio, em São Paulo,
em ataques atribuídos a confrontos entre membros da organização criminosa
Primeiro Comando da Capital (PCC) e policiais. Em 2011, Juan Moraes, de 11
anos, morreu após ser atingido por uma bala disparada por um policial militar,
em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Comum a todos esses diferentes casos, a
explicação oficial das mortes: autos de resistência.
A expressão é usada nos casos em que um civil é morto por
agentes do Estado. A prática é amparada no Código de Processo Penal, de 1941.
Os policiais também sofrem com essa situação. A taxa de mortalidade de um
policial no Brasil é três vezes maior que a de um cidadão comum, de acordo com
o AnuárioBrasileiro de Segurança Pública.
O fim do registro de homicídios como autos de resistência
é o objeto do Projetode Lei (PL) 4.471/12, que fixa regras para a investigação de crimes que
envolvem agentes do Estado, como policiais. O projeto chegou a entrar na pauta
de votação nesta semana. Movimentos sociais e secretarias do governo federal
manifestaram-se a favor da proposta. No entanto, devido à pressão de setores
que se opõem à medida, a proposta acabou sendo retirada.
De autoria dos deputados federais Paulo Teixeira (PT-SP),
Fábio Trad (PMDB-MS), Delegado Protógenes (PCdoB-SP) e Miro Teixeira (PROS-RJ),
o texto do PL propõe mudanças substanciais no Código de Processo Penal. De
acordo com a proposta, em casos de morte violenta, será obrigatório “exame
interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados durante o
exame necroscópico”. O PL estabelece regras para a realização de exames de
corpo de delito e recomenda que o exame interno seja realizado “nos casos de
morte violenta ocorrida em ações com envolvimento de agentes do Estado” e que a
cena do crime seja preservada e periciada.
Para a coordenadora do Movimento Mães de Maio, Débora
Maria da Silva, que teve o filho de 29 anos encontrado morto com cinco tiros na
periferia de Santos (SP), a mudança pode gerar a diminuição da letalidade da
polícia e a garantia da vida de muitas pessoas que são alvos da criminalização
e da violência policial. Ela relata que, no caso da sequência de mortes
ocorrida em 2006, muitos dos jovens assassinados foram encontrados com tiros
nas mãos ou na nuca, o que comprovaria que eles estavam em posição de defesa e
não de ataque. “O que temos hoje é a morte decretada pelo gatilho do revólver.
Na ocorrência de resistência seguida de morte, não há investigação. Os próprios
policiais são testemunhas dos fatos. Essa é uma prática abusiva das
autoridades, feita para matar”, destaca Débora.
Integrante do Grupo de Estudos sobre Violência e
Administração de Conflitos (Gevac) do Departamento de Sociologia da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Jacqueline Sinhoretto analisou
inquéritos sobre mortes provocadas por policiais que são acompanhadas pela
Ouvidoria da Polícia de São Paulo e também das prisões em flagrante, cujos
dados são divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do estado. A
pesquisadora concluiu que os jovens negros eram as vítimas na maior parte
dessas situações.
Dos 734 processos de mortes em decorrência da ação
policial analisados, que envolveram 939 vítimas e 2.162 autores, houve registro
de 501 vítimas negras e de 322 brancas. Ao todo, entre os anos de 2009 e 2011,
o número de mortes de negros foi três vezes superior ao de brancos da mesma
faixa etária, em situações consideradas autos de resistência. Das 817 vítimas
que tiveram a idade apontada nos inquéritos, 630, isso é, 77% tinham entre 15 e
29 anos de idade. Já entre as 939 pessoas mortas que tiveram o sexo
identificado, 911 eram homens.
O coordenador nacional do Plano Juventude Viva, da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Felipe
Freitas, defende a mudança na legislação. Para ele, o fim dos autos de
resistência poderia gerar mais segurança para a juventude negra e confiança nas
polícias.
“Todas as atividades profissionais precisam de formas de
controle social para que sejam exercidas com responsabilidade e transparência.
Quando se trata de profissionais que trabalham armados, esse controle precisa
ser ainda maior. A sociedade precisa conhecer quais procedimentos eles devem
usar, para que, quando não usem aquele procedimento, ela possa requerer a
responsabilização desses profissionais, no caso, dos policiais”, defende.