Domingo, 17 de abril de 2016
Do site do PCB
Ao se recusar a aceitar a dureza da realidade e mudar sua orientação conservadora, o governo se manteve na trilha da ortodoxia.
Ao mesmo tempo em que pregava a necessidade de sacrifício de
“todos” na superação da crise, a prática do governo revelava outra
coisa. Ao longo dos 14 meses iniciais do segundo mandato, foram drenados
R$ 588 bilhões do orçamento para o sistema financeiro, a título de
pagamento de juros da dívida
pública. Uma loucura patrocinada pela armadilha do superávit primário.
Ou seja, ao tempo em que reduzia as rubricas de educação, saúde e
previdência, o Planalto aumentava as somas dirigidas ao financismo”.
Paulo Kliass *
É bastante compreensível que os dias antecedendo à votação do
processo de impeachment no Congresso Nacional ofereçam o atual quadro de
expectativa imobilizadora. Em particular, esse é o drama que o Brasil
enfrenta também no domínio da política econômica. A tensão política
generalizada e a indefinição completa quanto ao eventual resultado final
da votação no plenário da Câmara dos Deputados tendem a provocar
atrasos em decisões importantes de empreendimentos e investimentos, em
especial aquelas oriundas do setor privado. Estão todos em compasso de
espera.
No entanto, o fato que não encontra explicação alguma no campo da
racionalidade política refere-se à mais completa paralisia e ausência de
decisões expressivas de diretriz governamental. Infelizmente, essa tem
sido a marca do segundo mandato da Presidenta Dilma.
Aliás, quando não se via paralisada, a orientação da equipe apontava
para o retrocesso em termos de propostas para a superação da crise,
assumindo o programa daqueles que haviam sido derrotados nas eleições de
outubro de 2014. O convite endereçado ao diretor do Banco Bradesco,
Joaquim Levy, para ocupar o Ministério da Fazenda expressava de maneira
inequívoca a intenção de Dilma quanto às medidas na área econômica.
O abandono do programa eleito em 2014.
A partir de então, a estratégia do austericídio tomou conta do
governo. Cortes e mais cortes nas despesas de natureza social e nos
investimentos do Estado, ao mesmo tempo em que se promovia uma escalada
de aumentos na taxa de juros. Estava ali marcado o início da fase
recessiva e da paralisação das atividades da economia de uma forma
geral. Ao invés de adotar o programa para o qual havia sido eleita por
com mais de 54 milhões de votos, a Presidenta optou por direcionar seus
esforços e sua atenção para os poderosos do campo do financismo.
As marcas da recessão, o início das ondas de falência, a explosão dos
índices de desemprego e as dificuldades do povo em manter o padrão de
vida da década anterior tornaram-se evidência a se espalhar pelo País
afora. Ao se recusar a aceitar a dureza da realidade e mudar sua
orientação conservadora, o governo se manteve na trilha da ortodoxia.
Com isso, reafirmava a tão trágica, quanto equivocada, ilusão de que
poderia convencer a elite e os endinheirados a respeito de seu bom
mocismo na condução do ajuste. Aliás, um conjunto de medidas que exigia
apenas o sacrifício da grande maioria da população.
A lista de equívocos é imensa. Vamos relembrar aqui apenas alguns
casos mais emblemáticos, aqueles que compõem o quadro da falta de
iniciativas vinculadas ao programa que elegeu a candidata do coração
valente.
Entre a paralisia e os projetos equivocados.
Em abril de 2015, o governo encaminha o apoio à Lei de Terceirização
no âmbito do Congresso Nacional, com prejuízos gravíssimos para o futuro
da dinâmica do mercado de trabalho em nosso País. A simples
possibilidade de aprofundar a característica estrutural de precarização
das relações sindicais e trabalhistas apontava para a redução de
direitos dos trabalhadores. Tal fato deve se radicalizar ainda mais com o
aumento dos índices de desemprego e a necessidade de se manter algum
tipo de renda mensal familiar em situação de crise.
A aprovação da Lei nº 13.260 em março de 2016, a chamada lei
antiterrorismo, também colaborou para dificultar ainda mais as relações
com as entidades da sociedade civil organizada, que sugeriam o veto ao
texto. Sob o argumento da necessidade de aprovar algumas medidas com
vistas à realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, o governo
acabou aceitando incorporar na legislação brasileira brechas perigosas
para o convívio democrático e republicano. Com isso abre-se o caminho
para a criminalização de qualquer tipo de manifestação política.
O apoio às mudanças nas regras do Pré Sal e o fim da exclusividade da
Petrobrás em sua exploração também foi outra decisão desastrada e
inexplicável do governo, quando terminou por aceitar a articulação
conservadora no Senado Federal comandada pelo PMDB e pelo PSDB. Teria
sido tiro no pé, insensatez ou incompetência? Que cada um faça sua
escolha.
A tão aguardada substituição do titular do Ministério da Fazenda
tampouco surtiu os efeitos esperados por todos aqueles que propunham o
abandono da fórmula recessiva e a retomada do caminho do crescimento e
do desenvolvimento. Nelson Barbosa foi deslocado do Planejamento para a
pasta ocupada por Levy, mas manteve a essência da política do banqueiro.
O cardápio continuava a apresentar apenas as opções de cortes nas áreas
sensíveis e estratégicas do orçamento federal, ao tempo que mantinha os
juros elevados.
Mudança na Fazenda e continuidade do austericídio.
Ao longo de seu segundo mandato, a rota da asfixia atual foi agravada
pela definição da taxa referencial de juros, a SELIC. Não apenas o
governo se recusou a promover a redução tão necessária da mesma, como
promoveu seu aumento substantivo de patamar de 11,75% anuais em janeiro
de 2015 para os atuais 14,25%. O enorme custo financeiro dessa carga
sobre as despesas públicas se somou à continuidade da conivência do
Banco Central com a nefasta prática dos spreads elevadíssimos cobrados
pelos bancos nas operações de crédito com os seus clientes.
A obstinação com o cumprimento da meta de superávit primário acentuou
ainda mais os estragos da crise econômica e seus efeitos sociais
perversos.
Ao mesmo tempo em que pregava a necessidade de sacrifício de “todos”
na superação da crise, a prática do governo revelava outra coisa. Ao
longo dos 14 meses iniciais do segundo mandato, foram drenados R$ 588
bilhões do orçamento para o sistema financeiro, a título de pagamento de
juros da dívida pública. Uma loucura patrocinada pela armadilha do
superávit primário. Ou seja, ao tempo em que reduzia as rubricas de
educação, saúde e previdência, o Planalto aumentava as somas dirigidas
ao financismo.
Não contente com isso, o governo ainda encaminha ao parlamento o PLP
257, uma peça refinada de rigidez orçamentária e fiscal. Os dispositivos
desse projeto de lei complementar transferem ainda mais exigência de
austeridade aos governos estaduais e municipais, abrindo a possibilidade
de congelamento de salários, demissão de servidores públicos, elevação
de alíquotas previdenciária e outras medidas para cumprimento das metas
rigorosas da assim chamada responsabilidade fiscal. Ou seja, sobra aqui o
rigor que jamais se aplica para a contenção das despesas de natureza
financeira.
Recuada no canto do ringue e tendo recebido toda a sorte de golpes,
finalmente a Presidenta percebeu a necessidade de ampliar a base de
apoio social de seu governo. Chamou seu antecessor para uma operação de
salvamento de um mandato que ainda não havia começado de fato. Esperamos
que não tenha sido um despertar tardio. O “golpeachment” está em marcha
acelerada e Lula percebeu que precisa alinhar seu discurso mais à
esquerda, com o intuito de solidificar a sustentação do governo na base
da sociedade.
O ex presidente agora fala em aumentar o protagonismo do gasto
público para alavancar a retomada do crescimento. Ele também recomenda o
arquivamento de medidas impopulares e desnecessárias no curto prazo, a
exemplo da reforma da previdência social. Lula garante que não serão
tocados os direitos dos trabalhadores e prega a manutenção dos programas
sociais.
Derrotar o golpeachment e retomar o desenvolvimento.
O único problema é que permanece no ar uma certa desconfiança a
respeito da sinceridade de tais proposições. Afinal, sempre que pode ele
faz uma referência positiva à Carta aos Brasileiros de 2002, quando sua
campanha assumiu publicamente o compromisso de que não seriam alterados
os fundamentos do tripé da política econômica, tal como implantados por
FHC. À época, tal estratégia foi possível graças à onda internacional
de alta dos preços das commodities. Vivíamos uma fase de vacas gordas.
Todos ganhavam, em especial os diversos setores das classes dominantes.
Hoje em dia o quadro é muito distinto. Para manter e avançar as
conquistas sociais é necessário um novo pacto distributivo, onde os
ganhos exorbitantes do empresariado, em especial o financeiro, sejam
redistribuídos. Mas Lula insiste em que seu candidato a Ministro da
Fazenda seja o mais esclarecido representante do financismo
internacional, Henrique Meirelles. Enfim, uma autêntica missão quase
impossível essa tentativa de conciliar o inconciliável num quadro de
crise social e recursos escassos.
Para superar a paralisia, caso o impeachment seja derrotado, o
governo deveria buscar quadros políticos e técnicos compatíveis com um
projeto de recuperação da trilha do desenvolvimento. Nomes competentes
não faltam. Basta a coragem e a ousadia políticas de colocar o programa
em marcha.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do
governo federal.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-paralisia-que-nos-sufoca/7/35939