Terça, 5 de abril de 2016
Da Tribuna da Internet

Janaina Paschoal não deixou pergunta
sem resposta e deu um show
sem resposta e deu um show
Jorge Béja
Aquele 7 a 1 que a Alemanha impôs ao Brasil na Copa da Mundo de 2014
se tornou símbolo de derrota. Vergonhosa derrota. Uma surra. É um placar
estigmatizado que serve para retratar o resultado de qualquer
confronto, quando se busca saber quem foi o vencedor em qualquer campo
da atividade humana. Ontem, foi a vez da presidente Dilma se defender.
Em seu nome e na sua representação apresentou-se o Advogado-Geral da
União, José Eduardo Cardozo, que entregou defesa escrita à Comissão
Especial do Impeachment e fez sustentação oral. Cardozo tem voz firme,
fala com desenvoltura, é culto e parece transmitir segurança no que diz.
Mas quando a causa é ingrata, não é boa, nem o saber, a habilidade e a
versatilidade dos advogados podem fazer milagres. Cardozo até que
tentou, sem conseguir. Isso já não aconteceu semana passada, quando a
advogada e professora de Direito Penal da USP, Janaína Paschoal, falou à
mesma Comissão. Além do talento, do desembaraço e da facilidade de
exposição, Janaína convenceu. A causa era boa. Os fatos eram
incontroversos. E o Direito estava ao seu lado. Cardozo fez retórica.
Janaína, não.
A DEFESA QUE FEZ CARDOSO
Após abordar conceitos e fundamentos da Ciência Penal e do Direito
Constitucional, Cardozo começou atacando Eduardo Cunha,
desqualificando-o. Foi inútil enveredar por este caminho. A questão gira
em torno da competência e da atribuição constitucional para receber
denúncia contra a presidente da República. E ambas são do presidente da
Câmara dos Deputados, seja um santo, seja um pecador.
Depois, Cardozo considerou inepta a petição da denúncia, não porque a
peça teria desatendido aos pressupostos legais visando
o desenvolvimento válido e regular do processo. Não foi nada disso. Para
Cardozo, a petição era inepta porque seus subscritores se viram
obrigados a comparecer diante da Comissão para, digamos, emendar a peça!
Não, ministro Cardozo. Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior foram
lá convidados. Eles não se ofereceram. Foi a Comissão que os chamou para
ouvi-los. E no dia seguinte também foram ouvidos o ministro da Fazenda e
um professor de Direito Tributário da UERJ, estes em defesa da acusada.
Cada um dos quatro que foram chamados teve 30 minutos para falar à
Comissão. Logo, não ocorreu desequilíbrio de tratamento.
Comissão Especial de Impeachment tem o poder e a prerrogativa de
“proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da
denúncia”, como consta no artigo 20 da Lei nº 1079/50. Convocar uma ou
ambas as partes é ato diligencial.
IGUALDADE DE TRATAMENTO
Tratamento desigual houve, sim, em benefício da
presidente-denunciada. Cardozo, seu defensor, além de entregar a defesa
escrita, falou à Comissão por duas horas seguidas, que somadas aos 30
minutos que o ministro da Fazenda e o professor da Uerj tiveram cada
um e utilizaram em defesa da presidente, totalizam três horas
de sustentação oral, contra apenas uma hora (meia hora para Janaína e
meia hora para Miguel Reale Júnior). Foi ou não foi?
E mais: Cardozo também desaprovou a convocação e oitiva
dos professores Miguel Reale e Janaína Paschoal, desta vez porque
Dilma, a denunciada não foi intimada. Mas Cardozo silenciou a respeito
da convocação e oitiva do ministro da Fazenda e do professor da UERJ,
sem que Dilma também não tivesse sido intimada!!
O CERNE DA QUESTÃO
O ponto central é o seguinte: a presidente Dilma ordenou, autorizou
ou realizou operação de crédito interno, sem prévia autorização
legislativa? Dilma também ordenou ou autorizou a assunção de
obrigação nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato, cuja
despesa não tenha sido paga no mesmo exercício financeiro, ou caso tenha
restado parcela a ser paga no exercício seguinte, não
existiu contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa? Às duas
indagações as respostas são positivas. E presidente da República que
assim procede, comete crimes contra as finanças, conforme dispõem os
artigos 359-A e 359-C do Código Penal. As penas são de reclusão de 1 a 2
anos.
Tudo isso foi muito bem explicado pela doutora Janaína Paschoal, que
também demonstrou que a Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão
fiscal, não se aplica apenas a prefeitos e governadores. O presidente da
República é também o destinatário desta lei. A conferir: “Artigo 1º,
parágrafo 2º – As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.
E o artigo 36 da LC 101/2000 é bastante claro ao dizer que “é
proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e
o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do
empréstimo”.
AÇÃO MANU MILITARI
E foi justamente isso que Dilma fez. Sem autorização do parlamento
apanhou dinheiro na CEF, no BB e no BNDES e não quitou o débito. Se
apanhar o dinheiro jamais poderia, deixar de quitar o débito é
considerável agravante. O ministro Cardozo também defendeu que isso,
além de ser uma prática em governos anteriores, tanto não constituía
empréstimo nem operação de crédito e ainda citou um exemplo impróprio e
esquisito, ao comparar um patrão que no final do mês não paga o salário
de seu empregado. E indagou: “este patrão tomou dinheiro emprestado do
empregado?”, fazendo crer que as situações são equivalentes. Não são.
No tocante à alegada habitualidade dessa prática, tanto não justifica
nem exclui o crime. Quanto ao patrão, este é mero devedor de dívida
trabalhista. Já o governo federal, que detém mais de 50% das ações
daqueles três bancos, agiu manu militari. Ou seja, à força, às
escondidas e sem enfrentar resistência, se apropriou de dinheiros
daqueles bancos, deles fez uso e depois não pagou. Se isso não é roubo é
furto. Ou apropriação indébita. É golpe e é calote.
E mais: sustentar, como sustentou Cardozo, que as requisições de
recursos vinham de todos os lados, “inclusive do TST e do TCU” e por
isso não poderiam ser negadas, ainda que ao arrepio da lei, é confessar
que a presidente Dilma é ainda muito mais responsável, por não ter
recusado as requisições.
CORRESPONSABILIDADE (REFLEXA)
E por fim, saiba o ministro Cardozo que “não tornar efetiva a
responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos
funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição” é crime
contra a probidade na administração. imputável ao presidente da
República, conforme se lê no artigo 9º, nº 3, da Lei nº 1079/50.
Daí porque a presidente Dilma, independentemente da existência ou não
do dolo, é também responsabilizada criminalmente, mesmo que não tenha
sido ela a autora da(s) prática(s) delituosa(s). Diz-se isso porque
ontem o ministro Cardozo repetiu várias vezes que a responsabilização da
presidente dependia sempre do dolo – e não, da mera culpa. E que Dilma
não poderia ser responsabilizada por atos de seus subordinados.
Para finalizar: o placar ontem foi Janaína Paschoal 7 X 1 Dilma
Rousseff. Para o leitor que desejar rever a doutora Janaína Pachoal
diante da comissão aqui vai o endereço para ser acessado