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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A CONDIÇÃO CULTURAL PÓS-MODERNA E A ÉPOCA DO HIPERCONSUMO

Quarta, 19 de junho de 2019
Por
Salin Siddartha*

Atravessamos um estágio da cultura produzida pelo consumismo que configura novos modos de viver. A condição cultural pós-moderna cria fugacidades que apagam fronteiras de classe, gênero e geração e não permite o estabelecimento de uma ordem e planos em longo prazo.

As condições culturais da produção consumista circunscrevem-se no meio urbano em momentos limitados e se reconfiguram muito rapidamente na finalização de desejos. São flashes no mundo contemporâneo cujas formas adquiridas não são mantidas, porém são tão descartadas, que escapam à nossa vontade e ao próprio poder, rachando a ética do bem e do mal.

Nesse aspecto, determinados espaços públicos caracterizam o encontro entre estranhos (seja nas ruas, nos shoppings ou nas universidades) que querem viver a fruição, contudo não conseguem adquirir a visibilidade que desejam obter. É essa efemeridade que se torna um desafio para as instituições.

Há uma nova fase histórica do consumo: a época do hiperconsumo, em que o “sempre mais” serve de base à dinâmica consumista ilimitada da demanda de renovação, da mudança pela mudança. Há incertezas provocadas pela multiplicação dos referenciais, que desorganizaram as próprias tradições em troca da lógica das marcas.

O consumo se coloca numa oportunidade de escolha tal, que deve gerar um descarte contínuo, programando obsolescências por intermédio da propaganda das novidades. O ato da aquisição passou a ser tão gratificante em si que sobrepujou a própria posse e uso.

A diferença existente entre a dinâmica da apropriação da produção social em seu caráter histórico tradicional e em sua fase pós-moderna está na relação do alcance do desejo e das necessidades com o essencial e o supérfluo. A forma como o mercado trata o desejo atendido, o desejo “criado” e o desejo por mais consumo estabelece a lógica de uma nova intersubjetividade fenomênica, ontológica.

A dimensão espiritual do prestígio sofre mudanças que fragilizam os encantos conservadores, transcendendo o consumo como prática da apropriação material para reificá-lo na política de escolhas cruciais à ocupação de poder social. A relação funcional que os indivíduos mantêm com as mercadorias é metaforizada em escolhas políticas, como se candidaturas, opções e até mesmo ideologias fossem “produtos” a ser fabricados, vendidos e comprados em um “mercado” lúdico de fetichização.

Nesse contexto de fugacidade, de dinâmica de descarte, de produção de multiplicação fluida dos referenciais, dos flashes de momentos, estabelece-se uma ordem em que a quantidade de inovações tecnológicas traz-nos uma sensação de obsolescência do presente que requer novas e múltiplas estratégias coordenadas, porém incapazes de orientar a ação humana no controle dos processos de mudança da sociedade. Os sistemas de comunicação possibilitam a efetiva aplicação de tomadas de decisões de maneira instantânea, viabilizando eficiência na gestão política e no campo econômico. Contudo a rapidez dos sistemas pós-modernos traz o problema de não conseguir assegurar sucesso em longo prazo, resultando em crises sucessivas que aparecem e se transformam em grandes riscos, com a celeridade que os grandes meios de informação propiciam.

As oportunizações de setores periféricos competidores atentos às crises de sistema geram vantagem que, por sua vez, esvai-se velozmente. Uma competitividade estabelecida nesse patamar toma lugar como elemento central que propulsiona essa cultura consumista, produzindo-se como padrão que dita o ritmo da vida cotidiana. Numa agilidade integralizada, é quase impossível que não se autonomizem as flutuações de oportunidades às vezes inesperadas, todavia que comprometem os vínculos do ordenamento jurídico, político e geopolítico em que, com enorme desgaste, se assentam a governança e os governos.

Cruzeiro-DF, 19 de junho de 2019

SALIN SIDDARTHA

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*Salin Siddartha, na Coluna Ângulo Aberto, publicada no Jornal Info Cruzeiro