Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Clube de Engenharia: "O Brasil está de luto"

Segunda, 10 de junho de 2019
Nota do presidente Pedro Celestino vai ao ponto: decisão do STF é convite à fraude

O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem que a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige autorização legislativa e licitação; entretanto, a exigência de tal autorização não se aplica à alienação de subsidiárias e controladas, desde que a criação delas não tenha sido feita por lei.

Decidiu ainda que a dispensa de licitação não as exime de seguir procedimentos que atendam aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal, de modo a assegurar a necessária competitividade.

Estava em causa a alienação de ativos da Petrobrás, política adotada desde a gestão Bendine, no governo de Dilma Rousseff, para reduzi-la à condição de mera produtora e exportadora de petróleo bruto, tornando o Brasil refém das petroleiras privadas multinacionais para o atendimento às suas necessidades de derivados de petróleo e de petroquímicos.

O Supremo atendeu à lógica formal. Se a decisão de investir em determinado ativo, ou de criar subsidiária ou controlada não se baseou em autorização legislativa, não há por que exigi-la nas alienações de controle acionário. Não atentou o Supremo, entretanto, para a fraude intencional à lei, praticada pelas administrações da Petrobrás desde Bendine: criam subsidiárias com o propósito deliberado de permitir a sua venda. Privatizam a Petrobrás por partes (gasodutos, refinarias, petroquímicas), em negócios sem a mínima transparência. Nesta toada, todos os ativos da Petrobrás poderão ser vendidos sem a necessária autorização legislativa. Sob o silêncio atordoante das nossas lideranças empresariais, o Brasil perde uma ferramenta essencial ao seu desenvolvimento.

Décadas de esforços para construir uma das maiores petroleiras do mundo estão postos a perder. Mais de 5000 empresas, nacionais e estrangeiras, cerca de 800.000 empregos qualificados, dos quais os de mais de 60.000 engenheiros, perderão a razão de ser. A nós, brasileiros, no setor de óleo e gás, restarão empregos e negócios nas áreas de segurança, transporte e alimentação. Por isto, está de luto o Brasil.
O Clube de Engenharia continuará a lutar pela preservação do nosso patrimônio. Neste sentido conclama todos quantos tenham compromisso com os interesses nacionais a instaremos  Congresso Nacional a, com a urgência possível, adotar legislação que impeça a continuidade do desmonte da nossa estrutura produtiva, que nos remete de volta ao passado colonial e ao risco de uma explosão social.

Pedro Celestino Presidente

As consequências de uma derrota profunda no STF

10 Junho 
Felipe Coutinho: "Um dia o povo pode acordar e descobrir que a Petrobras-mãe só é dona do edifício sede"

Ao decidir que as subsidiárias de estatais podem ser vendidas sem o crivo do Congresso, como ocorre com as empresas-matrizes, o STF tomou uma deliberação que terá longo alcance sobre nosso desenvolvimento econômico e mesmo político. Nossa soberania, como nação, será imensamente afetada.

O Estado brasileiro administra, hoje, 134 estatais. Dessas, 88 são subsidiárias: 36 pertencem a Petrobras, 30 a Eletrobrás, 16 ao Banco do Brasil.

Esses números mostram o tamanho das mudanças que dirigentes e acionistas poderão realizar, daqui para a frente, no destino de um patrimônio bilionário que o povo brasileiro construiu com trabalho e sacrifício, preservando, até ontem, o direito de decidir sobre seu destino.

Não é só isso. Direções com um viés ideológico privatizante, como aquelas instaladas nas estatais por Temer e Bolsonaro a partir de 2016, não terão dificuldade para encontrar caminhos para abrir novas subsidiárias ou engordar aquelas que já existem, ampliando o horizonte das privatizações possíveis sem autorização do Congresso.

"Um dia, o povo pode acordar e descobrir que a Petrobras-mãe é dona apenas do prédio onde funciona o edifício sede," afirma Felipe Coutinho, presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras. "No dia seguinte, pode descobrir que é dono só do andar onde ficam as salas da diretoria, pois o resto do edifício foi transferido para uma subsidiária. Nada impede", diz ele.

Outro elemento deve ser considerado. Projetado no destino de um país que se encontra entre as dez maiores economias do planeta, a decisão do STF irá implicar, cedo ou tarde, na redução do poder político da população para interferir em nosso futuro. Explico.
Há pelo menos 80 anos, quando Getúlio Vargas deu início a construção de um parque de estatais através de empresas públicas que assumiram a liderança do processo de desenvolvimento, a população passou a ter uma influência incomum na definição da políticas econômicas.

Mesmo sob o regime de propriedade privada, típico das economias capitalistas, o cidadão tinha direito de fazer -- pelo voto -- um contraponto na tomada de grandes decisões econômicas, normalmente reservadas exclusivamente ao setor privado, isto é, aos ricos e influentes.


Medidas que construíram daquele que já foi maior parque industrial do hemisfério sul, tomadas na década de 1940 em diante, foram produzidas por governos ocupados em atender as demandas da população, Getúlio e Juscelino, eleitos contra a vontade de uma elite eternizada no comando do país. 

Da mesma forma, políticas de crescimento e distribuição de renda, que marcaram os governos Lula e Dilma, só foram possíveis porque o Estado possuía, a partir dos bancos públicos, instrumentos para agir no plano da economia, sem pedir licença ao baronato da Faria Lima nem do Jardim Botânico.


A decisão de ontem representa um esforço dramático para mudar uma situação que ampliava o poder de decisão da maioria sobre a condução do Estado.

Quem acompanhou os dois dias de debate no STF pode reconhecer, ali, uma discussão que nada tinha de jurídica -- era política, no pior sentido da palavra.

Em vez de examinar o problema a luz da Constituição em vigor, como é seu papel, a maioria de ministros procurou alinhar-se, muitas vezes de forma explícita, com as ideias políticas que alimentam Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Mais uma vez, a população pode constatar um Judiciário que, em vez de assumir um ponto de vista contra-majoritário, acomodou-se com os ares políticos do momento.

Não há dúvida de que haverá resistência, inevitável em função de um desastre histórico que também compromete a soberania do país. Pelo seu tamanho, a maioria das subsidiárias acabarão adquiridas por investidores estrangeiros e irão orientar escolhas e prioridades em função de necessidades e interesses externos.

A derrota é profunda.

Alguma dúvida?

"Abriram a porteira e vão dilapidar a Petrobrás", denuncia Ildo Sauer

10 Junho
Intenção de esquartejar Petrobrás fica clara na comemoração do advogado-geral da União

“O governo Federal conseguiu o que queria. Ele poderá agora instalar uma grande feira para dilapidar a Petrobrás”, afirmou o professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobrás, ao comentar a decisão, tomada nesta quinta-feira (06) pelo Supremo Tribunal Federal, autorizando a venda de subsidiárias das estatais sem autorização do Congresso Nacional e sem licitação.

Uma empresa subsidiária é uma espécie de subdivisão de uma companhia, encarregada de tarefas específicas no complexo produtivo ou no mesmo ramo de atividades da “empresa-mãe”. A Petrobrás, por exemplo, tem 36 subsidiárias, como a Transpetro e a BR Distribuidora; a Eletrobrás, tem 30 subsidiárias e o Banco do Brasil tem 16. O governo federal possui, segundo o Ministério da Economia, 134 estatais, das quais 88 são subsidiárias. Pela decisão tomada, por exigência do governo, todas elas poderão ser vendidas sem licitação. Apesar da pressão do Planalto, o STF manteve a proibição da venda das estatais-mães sem aval do Congresso.

“O que nós vimos foi uma pressão enorme do governo para abrir a porteira e vender praticamente tudo da Petrobrás”, denunciou ao HP um dos maiores especialistas em energia do país. “Ressalvado o que ficou garantido pelo artigo 37 da Constituição, referente aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade nas operações de venda de ativo públicos, e que, em tese, pode exercer algum poder moderador ou freio ao desmonte pretendido, o que se tem, a partir de agora, é a possibilidade de a Petrobrás manter apenas o seu CNPJ e a sede”, observou Ildo Sauer.

Segundo o ex-diretor da estatal, “já há dentro da Petrobrás, há muitos anos, a prática da transferência de ativos da empresa mãe para suas subsidiárias”. “Uma refinaria por exemplo, pode ser constituída como uma subsidiária e receber ativos da empresa. Agora ela vai ser vendida pelas regras aprovadas. Ou seja, sem licitação, ou através de um processo aparente de disputa, com a exposição dos ativos da empresa para serem analisados por compradores”, informou. “É por isso que estou dizendo que vão organizar uma feira na Petrobrás”, acrescentou o professor da USP.

“Já funciona assim até em plataformas de exploração da Petrobrás”, explicou Ildo Sauer. “Muitas delas, as que utilizam o processo de leasing, têm CNPJ e poderão ser vendidas como subsidiárias. Até campos de petróleo, como Marlin, por exemplo, podem ser consideradas subsidiárias, já que foram constituídas como entidades separadas, com CNPJ distinto da empresa-mãe.

“Nesta condição, elas poderão ser vendidas desta forma que foi aprovada”, prosseguiu o diretor do IEE-USP. “O que foi uma lei que permitiu maior agilidade administrativa da empresa será agora interpretada para facilitar a dilapidação da estatal”, disse o professor, referindo-se à Lei 9.478/97.

Ele citou como exemplo a TAG (Transportadora Associada de Gás), que foi vendida pelo atual governo para a francesa Engie (v. BB será usado para entrega da TAG a franceses).

“Quando eu era diretor havia uma série de transportadoras de gás separadas e elas tinham administrações separadas. Nós unificamos tudo numa nova subsidiária única, a TAG, que antes chamava-se Transporte Amazônico de Gás e passou a ser a atual Transportadora Associada de Gás (TAG)”, contou.

“Vários ativos da empresa-mãe foram transferidos para essa subsidiária”, disse Sauer. “Todos os ativos podem ser transferidos. Por isso eu digo que se eles quiserem, a empresa-mãe pode acabar ficando apenas com o CNPJ e a sede”, observou.

O objetivo do governo seria, segundo a área econômica, obter R$ 80 bilhões com o esquartejamento e venda das subsidiárias das estatais. O engenheiro Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, calcula que só em campos de petróleo da Cessão Onerosa da Petrobrás (uma área específica do Pré-sal), que, pela decisão do STF, poderão ser considerados como subsidiária, valem, a preços atuais do barril de petróleo, cerca de R$ 3,2 trilhões. (v. Siqueira: Bolsonaro vai tirar áreas da Petrobrás de R$ 3,2 trilhões e vender por R$ 100 bi)

Ele denunciou que estas riquezas imensas estão sendo oferecidas ao capital estrangeiro por um preço de “banana”, ou seja, “por um preço infinitamente menor do que elas valem”.

“O governo pretende leiloar o excedente da Cessão Onerosa, obrigando a Petrobrás a repassar ao cartel internacional do petróleo quase 21 bilhões de barris descobertos por ela”, observou Siqueira. “Com a entrega, o Planalto espera arrecadar no máximo R$ 100 bilhões a título de bônus”, diz ele.

Ao final do julgamento, o advogado-geral da União, André Mendonça, revelou que o governo não pretende vender apenas as subsidiárias. Ele afirmou que as vendas de estatais consideradas “empresas-mãe” deverá prosseguir, mas vai obedecer ao entendimento do Supremo, que manteve a exigência do aval do Congresso Nacional e licitação.

Ele celebrou a possibilidade de a União se desfazer das subsidiárias sem controle do Legislativo. Para ele, a liberação da venda das subsidiárias “sem amarras” vai permitir “a eficiência no poder público”. “O país agradece, a sociedade agradece”, disse Mendonça, sem esclarecer a que país ele se referia, já que a maioria das subsidiárias vendidas até agora foram parar em mãos de empresas estrangeiras.

A intenção de esquartejar a Petrobrás fica clara em sua comemoração. “O Supremo hoje parametrizou a formatação do estado brasileiro nos próximos anos, no sentido de que houve o reconhecimento de que há muitas empresas estatais sem necessidade”. O que o governo Bolsonaro pretende é que as subsidiárias que compõem o complexo petrolífero brasileiro sejam entregues para grupos estrangeiros.

“A subsidiárias, criadas em lei, agora podem ser vendidas independentemente de uma lei específica”, comemorou. “E agora seguindo um parâmetro dos princípios da Constituição. Da eficiência, da moralidade, da competitividade, da isonomia entre os participantes. E isso é o que vinha sendo feito e o que continuará sendo feito”, complementou o entreguista da Advocacia-Geral da União do governo Bolsonaro.