Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 4 de junho de 2019

UFBA: sempre viva e presente!

Terça, 4 de junho de 2019
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João Carlos Salles
Reitor da UFBA

1.        A Universidade Federal da Bahia é um patrimônio e um orgulho do povo baiano. Instituição plena desde sua fundação, em 1946, ela tem formado gerações e gerações de profissionais nas diversas áreas, que muito serviram e servem a nosso país. Pesquisadores, gestores, cientistas, profissionais liberais, educadores e artistas tiveram na UFBA a formação mais específica e a cultura universitária mais ampla, sendo nela especialmente rico o diálogo entre as áreas do conhecimento e a circulação de ideias e práticas envolvendo ciências, cultura e artes.
Na Bahia, portanto, em qualquer campo, quando desejamos uma formação de qualidade, a UFBA é logo lembrada. Ela guarda, afinal, a memória dos milhares de profissionais que já formou — mais de 110 mil graduados, 15 mil mestres e 4 mil doutores — e a esperança dos que nela ainda hão de se formar e crescer. Assim, rica de história e prenhe de futuro, alimenta-se das pesquisas atuais e das que ainda serão feitas, guarda conhecimentos e produz saberes inéditos, com criatividade e rigor científico. Como uma sempre-viva, malgrado qualquer aridez, é intensa sua cor e brilho, sendo lugar de encontro da inteira sociedade, com forte presença em todo nosso tecido social, sempre a acolher saberes e olhares, como uma instituição pública, gratuita, inclusiva e de qualidade.
Neste momento, porém, nossa instituição é atingida exatamente por suas virtudes, ao lado agora das demais universidades federais. A natureza pública de nossa universidade vê-se ameaçada, por exemplo, quando desejam substituir a medida mais larga do interesse comum, que lhe é essencial e envolve múltiplas dimensões e ritmos, por interesses unilaterais e mais imediatos, interesses que ela, certamente, não deixa de contemplar, sem contudo a eles se reduzir. À plenitude de diálogo entre as áreas e ao exercício autônomo característico do pensamento crítico, mensagens e atos governamentais têm posto sob suspeição, por exemplo, a área de humanas e, com semelhante gravidade, procuram cercear a livre expressão acadêmica e até mesmo manifestações estudantis.
A garantia constitucional da gratuidade também é posta em questão, quando parecem pretender renunciar ao que, em verdade, deve ser um compromisso de estado com o financiamento do ensino superior — financiamento que, aliás, as universidades já complementam com a captação de rendas próprias, seja pelo desenvolvimento de projetos de pesquisa, seja pela prestação de serviços.
Além disso, na média nacional, 70% dos nossos estudantes têm renda familiar per capita de apenas até um salário mínimo e meio. Desse modo, o esforço por uma autêntica inclusão deveria ser ainda mais constante e mesmo crescente; entretanto, não contam ainda nossas instituições com um investimento necessário em acessibilidade ou com recursos suficientes para uma cobertura adequada da assistência estudantil.
E o fato mais grave consiste, agora, em as universidades e institutos federais terem bloqueados ou contingenciados recursos previstos na lei orçamentária e de todo necessários ao seu funcionamento regular. Tal como se apresenta o cenário, só imaginado, já nos causa horror, não sendo aceitável ou lícito algo que é deveras inconcebível, a saber, que não estejam garantidas a realização de atividades acadêmicas e a manutenção de laboratórios, salas de aula e equipamentos diversos, nem sejam honrados os contratos firmados em função de lei orçamentária aprovada pelo Congresso.

2.        Nos últimos anos, ampliou-se bastante a defasagem no orçamento das universidades federais. Basta-nos atentar para o fato de que, em 2014, foi empenhado em outras despesas correntes (água, luz, limpeza, vigilância, material de consumo, reformas e manutenção de prédios, etc.), no conjunto do sistema federal composto por 63 universidades, um total de 10,3 bilhões, enquanto em 2018, apesar da ampliação de vagas e do crescimento das universidades, foram empenhados menos de 8,6 bilhões para o pagamento dessas mesmas despesas. Houve, portanto, uma diminuição de 1,7 bilhão, de modo que não houve manutenção sequer do valor nominal dos montantes relativos a despesas discricionárias, não se dando conta da expansão do sistema de ensino superior, nem fazendo frente aos reajustes inflacionários. Essa defasagem (drástica sobretudo em recursos de investimento, que foram reduzidos a 33% do praticado em 2014 — de 2,4 bilhões a 0,8 bilhão em 2018) já nos tem imposto pesadas restrições e tem exigido um esforço permanente dos dirigentes para a adequação dos respectivos orçamentos.
Agora, porém, além da defasagem já existente, parte substantiva de nosso orçamento discricionário está contingenciado ou bloqueado. No caso da UFBA, foi liberado para empenho o montante de 40,1% do orçamento aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA). Estão contingenciados (ou seja, o crédito está disponível, mas o limite para o empenho de faturas não foi liberado) cerca de 48,2 milhões em custeio e 3,9 milhões em investimento. E estão bloqueados (ou seja, o próprio crédito está indisponível) cerca de 48,4 milhões em custeio e 5,8 milhões em investimento. Por razões óbvias, assim na UFBA como no conjunto das universidades e institutos federais, a manutenção desse bloqueio pode levar à interrupção das atividades regulares de ensino, pesquisa e extensão.
E efeitos perversos do bloqueio já se fazem sentir, inclusive por seu vício inicial de motivação, seu anúncio seletivo, ameaçador e desastrado, mas também porque, aplicado em seguida aos contingenciamentos anteriores e face a tamanha defasagem orçamentária, a expectativa de sua manutenção pode levar o inteiro sistema federal de ensino superior a uma situação caótica. Fornecedores já temem a interrupção de contratos continuados de prestação de serviços e, por esse receio, dificultam a gestão dos contratos, o que nos tem levado a um permanente esforço por respeitar e garantir as obrigações contratuais vigentes. Por outro lado, restrições orçamentárias efetivas obrigam-nos a diminuir o fôlego de projetos, o apoio a eventos científicos e a ações acadêmicas extraordinárias, bem como a reduzir os múltiplos intercâmbios próprios da vida universitária.

3.        Enquanto não for revertido o bloqueio (hipótese que não podemos admitir, mas que tampouco podemos ignorar), a regularidade de nosso funcionamento pleno precisa ser repensada de modo emergencial. Certamente, não deixaremos de dialogar com o governo, sendo nossa obrigação supor e evocar um interesse elevado e comum entre servidores públicos, de sorte que, por todos os meios, jamais deixaremos de apresentar dados e argumentos, como convém a quem deve manter e honrar a responsabilidade e a conduta próprias dos cargos ocupados.
Todavia, ao tempo que envidamos todos os esforços de gestão e também recorremos ao apoio da sociedade para expressar com firmeza nossas demandas, a UFBA precisará, mais do que nunca, estar preparada para enfrentar uma dura travessia. É fundamental então nossa unidade tanto para a aplicação de medidas imediatas de contenção de despesas (que envolvem, por exemplo, a economia de energia elétrica, desligando a iluminação externa dos nossos campi após as 23 horas ou preferindo a realização de eventos em auditórios climatizados nos horários com tarifa de energia menos elevada), quanto para a redefinição e o redimensionamento de nossos grandes contratos.
Para estarmos unidos, precisamos entender cada medida. Para tanto, em primeiro lugar, a equipe da administração central irá a cada unidade, dialogando com as congregações e os diversos setores, de modo que os ajustes devidos sejam feitos, esclarecidos e efetivamente praticados. Em segundo lugar, cabe-nos garantir que toda medida será tomada procurando preservar o essencial de nossa qualidade, ou seja, o exercício de pesquisa, ensino e extensão, tal como o exigem universidades de qualidade. E, com efeito, se alguma medida porventura comprometer inadvertidamente o essencial de nosso trabalho, estaremos juntos para encontrar a melhor solução e logo corrigir algum eventual equívoco. Iremos, portanto, cabe repetir, a todas as unidades, veremos cada caso, acolheremos sugestões, enfrentando juntos este grande desafio.
Se os tempos se mostram ainda mais difíceis, maior é nosso dever e bem mais imperativa nossa obrigação perante a Universidade Federal da Bahia. Quem tem a universidade pública no coração e, por isso, a pode entender; quem entende a universidade, em suas virtudes e dificuldades, e por isso a ama, esses sabem que venceremos. Vamos manter, certamente, o essencial, ou seja, nossa excelência acadêmica e nosso compromisso social. Mesmo na adversidade, procuraremos fazer mais e melhor; e jamais comprometeremos a natureza pública, gratuita, inclusiva e de qualidade de nossa instituição, nem sacrificaremos nossa diversidade, as ações afirmativas, a autonomia e a liberdade de expressão, que, ao fim e ao cabo, nos distinguem e definem.

4.        O deserto cresce, mas não há de crescer dentro de nós. Nenhuma tempestade há de abalar os fundamentos profundos de nossa universidade. Afinal, nossa força advém de nosso povo; e nosso tempo não é um agora obscurantista, não é o imediato de algum interesse privado, nem se define pelo poder eventual de uma opinião qualquer. Nosso tempo e nossa medida são de outra natureza, pois fazemos parte de um investimento perene da civilização, de modo que nossa razão de ser resulta do conhecimento, e não da violência ou da ignorância.
As manifestações que temos recebido de todos os setores da sociedade o confirmam e nos enchem de confiança. A causa da educação desconhece diferenças partidárias e ora se fortalece na sociedade, nos meios de comunicação e nas ruas. Dessa maneira, têm reagido com firmeza parlamentares, intelectuais, representantes da sociedade civil e, especialmente, toda a comunidade universitária mobilizada em defesa da educação.
Ninguém irá separar a UFBA da Bahia. Flor sempre viva, paixão sempre presente, a UFBA que acolhe será acolhida. A UFBA que forma será defendida. A UFBA que produz conhecimento contará com a palavra, os argumentos e as ações de quantos respeitam a educação pública. A UFBA é, afinal, nosso encanto, nosso destino. Mostraremos então ainda melhor o muito que já fazemos, e faremos ainda mais para mostrar quem somos. Resistiremos em sala de aula e nos laboratórios; em cada defesa de TCC, de mestrado, de doutorado. Em cada artigo publicado, em cada passo, em cada conquista, em cada formatura. Estaremos assim de cabeça erguida em nossos espaços, a lembrar a todos que a educação pública de qualidade é inegociável.
Vida longa à Universidade Federal da Bahia!
Salvador, 03 de junho de 2019.