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(Millôr Fernandes)

domingo, 21 de junho de 2020

Atuação das Forças Armadas Brasileiras no período Republicano

Domingo, 21 de junho de 2020



Por
Salin Sinddartha*

Na nossa República, os militares têm-se envolvido diretamente com a política, tanto que os dois primeiros Presidentes eram marechais. Altos oficiais militares participaram na instauração do regime republicano em 1889, governando-o até 1894. O Presidente da República, marechal Floriano Peixoto, inspirou uma tendência republicana positivista, progressista e reformista, muito característica da classe média e bastante combativa, que traçou o início da plataforma da esquerda nacionalista no Brasil; contudo, a partir da posse de Prudente de Morais como Presidente da República, em 1894, o mando dos marechais e generais positivistas foi substituído pelo dos grandes proprietários rurais, donos dos latifúndios e dos cafezais. Os militares voltaram a dirigir a Pátria de 1910 a 1914, com o marechal Hermes da Fonseca, em consequência de sua vitória eleitoral, mas logo implementaram ações armadas pontuais no intuito de resgatar “a pureza das instituições republicanas”.
Comumente, o Exército, a Marinha e a Força Aérea são segmentados em várias correntes de pensamento e com objetivos diferentes. Tal fragmentação se tornou explícita na década de 1920, quando os escalões mais baixos da oficialidade, especialmente tenentes e capitães, se tornaram, em significativa parte, revolucionários. O fato mais revelador da tendência revolucionária existente entre os segmentos mais baixos da oficialidade do Exército, naquela década, foi a Coluna Prestes. É que, na década de 1920 e até meados da década de 1930, o Exército possuía diversos militares ávidos por um Brasil livre e soberano, o que os levou a ser protagonistas do movimento revolucionário de 1930, que retirou das oligarquias agroexportadoras do Sudeste o controle sobre o Governo Federal. Eles tiveram lugar na “Revolução” Constitucionalista de 1932 e na “Intentona Comunista” de 1935, ressaltando-se que, em 1935, o movimento comunista, sob a liderança da Aliança Libertadora Nacional, tinha forte presença de militares como foco de subversão no Exército.
O PCB foi, no Ocidente, o partido político que mais teve militares entre seus filiados, e, na década de 1930, o Comitê Central era constituído, majoritariamente, por membros da Caserna; para muitos deles, o Partido Comunista era o desaguadouro das ideias tenentistas, ademais, o capitão Luís Carlos Prestes era prestigiado pelos militares. Depois da vitória da URSS sobre a Alemanha, dezenas deles aderiram ao Partido, assim como muitos combatentes da Força Expedicionária Brasileira-FEB, no retorno da Guerra, e diversos militares de 1935 que voltaram da Guerra Civil Espanhola, ou do exílio, como heróis e que se reincorporaram ao PCB.
O golpe que instaurou a ditadura do Estado Novo, em 1937, foi traçado por oficiais de alto escalão, antiliberais, porém anticomunistas, simpatizantes da ideologia do corporativismo e, muitos, até do nazifascismo. Deve-se lembrar que, quando era Ministro da Guerra, o general Góes Monteiro implantou reformas fascistas no Exército que extirparam direitos adquiridos e criaram critérios racistas para a incorporação no Exército a partir da década de 40, contribuindo para o aumento dos preconceitos em relação à atuação dos militares na vida brasileira. As mudanças efetuadas por Góes Monteiro estabeleciam que os negros não poderiam entrar no Exército e vetavam que pessoas de origem operária ou filhos de pais separados não pudessem fazer parte da oficialidade.
Personalidades do generalato também participaram como candidatos a Presidente da República nas eleições de 1945, 1950, 1955 e 1960, sempre identificando-se com partidos de direita ou centro-direita (UDN, PDC ou PSD). Em 1955, os políticos fardados entraram em ação como promotores da tentativa de um golpe ultradireitista contrário à posse de Juscelino, de um lado, e, de outro, como protagonistas do contragolpismo, com os militares comunistas intervindo decisivamente naquela quartelada, apoiando a reação do general Lott e viabilizando que JK assumisse a Presidência. Os militares comunistas também acabaram com as revoltas de Jacareacanga, em 1956, e Aragarças, em 1959, bem como garantiram a posse de Goulart, em 1961, entre outros episódios, posicionando-se em prol da democracia e da legalidade democrática.
Ficou crescente a preocupação no interior das Forças Armadas, anteriormente a 1964, com a insuficiente independência dos quartéis, submetendo-os à vontade política dos civis. Tal fato era expresso especialmente no que dizia respeito à promoção dos oficiais do alto escalão por parte das autoridades civis; coronéis, generais-de-brigada e generais-de-divisão eram prestigiados ou não conforme critérios político-ideológicos, à revelia da caserna. O auge do problema se sucedeu no Governo de João Goulart, mas essa querela já era grande desde o comando do Marechal Lott no Ministério da Guerra.
A partir do Golpe de 1º de abril de 1964, os generais direitistas que assumiram o controle do Estado brasileiro apelaram para a retórica do não-envolvimento do estamento militar no campo político, com a intenção de passar à opinião pública a imagem de que os oficiais-generais golpistas se preocupavam exclusivamente com questões técnicas e profissionais, que vinham para moralizar o Poder e colocar ordem na administração pública, motivos pelos quais não se enlaçavam com a política no sentido infame da “paixão” e do “partidarismo”, que atribuíam aos civis que nela se metiam. Os quartéis e o regime militar pós-1º de abril de 1964 eram legitimados por abstrações tais quais “a nação”, a “pátria” e/ou o “povo”, o que terminava ocultando sua verdadeira função de promotores da dominação e repressão praticadas pelas classes dominantes; aliás, pode-se enxergar no emprego dessas palavras políticas semelhanças com a ideologia nazifascista. Tais utilizações punham a “nação” e/ou a “pátria” antes do “povo” e colocavam que a segurança nacional estaria ameaçada pelos “conflitos políticos entre partidos”, os quais, contudo, são inerentes ao regime democrático.
Cruzeiro-DF, 21 de junho de 2020
SALIN SIDDARTHA