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(Millôr Fernandes)

domingo, 28 de junho de 2020

O discurso direitista dos Oficiais-Generais e o enfraquecimento do Nacionalismo nas Forças Armadas

Domingo, 28 de junho de 2020


Por
Salin Siddartha*

A utilização do discurso dos oficiais-generais de tendência direitista das Forças Armadas brasileiras em defesa do não-envolvimento dos militares nas questões políticas do País é, em verdade, contra a politização dos que não são oficiais-generais e dos trabalhadores. Passa a falsa ideia de neutralidade, imparcialidade, moderação, o que não é real, porque escamoteia a intensa atuação político-partidária de vários oficiais militares direitistas do alto escalão, na História do Brasil, dentro ou fora dos marcos democráticos.
Historicamente, os pronunciamentos políticos dos oficiais-generais brasileiros destinam-se tanto aos oficiais de médio e baixo escalão (coronéis, capitães-de-mar-e-guerra, tenentes-coronéis, capitães-de-fragata, majores, capitães-de-corveta, capitães, capitães-tenentes e tenentes) e praças (suboficiais, subtenentes, sargentos, cabos e soldados), quanto à opinião pública. É um discurso que desvirtua a realidade e disfarça os interesses de classe, visando impossibilitar que os oficiais subalternos (capitães, capitães-tenentes e tenentes) e os praças passem a ter consciência dos seus direitos políticos, mascarando os princípios da disciplina e da obediência que os limitam quanto à intervenção social e sustentam a estrutura de poder hierarquizada, autoritária e alienante das Forças Armadas e do ordenamento político, social e econômico brasileiro.
Esse tradicional pronunciamento dos comandantes militares brasileiros do mais alto escalão cumpre a meta de evitar que os outros escalões do oficialato e os praças consigam pensar sobre a realidade conjuntural. Entrementes, quando se busca mostrar para os seus camaradas de mais alta patente, o pronunciamento é realizado sem meandros, objetivando consolidar suas concepções, intenções e atividades políticas, confirmando privilegiadamente aos oficiais de alta graduação o caráter de classe da instituição militar e sua função de mantenedora do estatus quo vigente.
Na obra “A Ditadura Escancarada”, Hélio Gaspari narra que, ao presidir a primeira reunião do Alto Comando do Exército, após o afastamento de Costa e Silva da Presidência da República, o general Orlando Geisel declarou que, apesar de “o general muitas vezes [ser] obrigado a aparentar que não está metido em crise alguma [política], que cuida apenas da parte profissional, (…) o general, evidentemente, tem que se meter na parte política; mete-se pelos bastidores (…). Capitão, major, coronel e o próprio general-de-brigada devem deixar de fazer política: política é só nos altos escalões (…). É preciso dar a impressão de que nós não estamos cogitando da política.”
De 1945 em diante, as intervenções políticas das Forças Armadas foram inspiradas pelos partidos direitistas derrotados nas urnas, e a oligarquia rural e a burguesia entreguista massificaram ideologicamente parte considerável da oficialidade. Assim, diante das alternativas de desenvolvimento industrial para o País dos idos de 1940 e 1950, a tendência militar de direita e antinacionalista defendia aquela que o vinculava aos interesses do capital estrangeiro, em especial o estadunidense.
Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel, àquela época coronéis, compunham a Cruzada Democrática, uma das tendências direitistas do Exército a qual fazia oposição ao governo de Getúlio Vargas e aos militares da tendência nacionalista, publicaram o manifesto intitulado “Memorial dos Coronéis”; apesar de evocarem argumentos de ordem técnica e profissional, a posição desses oficiais fora política. O “Memorial dos Coronéis” fazia parte da tática para massacrar a corrente militar nacionalista; o fato de manifestar a opinião de muita gente da caserna, denotava indisciplina, agravada por tratar-se de pronunciamento contra o Comandante em Chefe das Forças Armadas e contrário ao comandante do Exército. Era um texto antipopular, porque reclamava contra o aumento do salário mínimo, decretado por João Goulart, Ministro do Trabalho do governo de Vargas.
A Ditadura Militar implantada em 1964 ocorreu dez anos depois daquele Memorial, com um ínterim eivado de publicações da mesma estirpe. Pouco depois de tal manifesto, os generais de tendência direitista divulgaram o “Manifesto dos Generais”, que reivindicava a renúncia do Presidente Vargas, e no qual se percebem as intenções e objetivos políticos que vieram à luz em 1964.
Os oficiais estruturadores da Cruzada Democrática opuseram-se às candidaturas de Juscelino Kubitschek e João Goulart nas eleições de 1955, para Presidente e Vice-Presidente da República, respectivamente, recusando-se a acatar os resultados do escrutínio e, em 1961, depois de Jânio Quadros ter renunciado ao mandato de Presidente, assumiram posicionamento contrário à posse de João Goulart como Presidente da República. Essa foi a última vez que as Forças Armadas sofreram divisão.
Paulatinamente, foi ocorrendo uma transformação na função política desempenhada pelas Forças Armadas antes de 1964. O prestígio de ideais nacionalistas no interior delas também foi grande, todavia, na luta política entre 63 e 64, esse prestígio se enfraqueceu por causa da ofensiva dos reacionários, especialmente por intermédio dos principais meios de comunicação, que transformaram o nacionalismo em sinônimo de comunismo e isolaram o campo nacionalista que estava se constituindo de forma predominante entre os militares.
A ameaça do comunismo tem sido o principal laço empregado pelos militares direitistas brasileiros para formar uma cimentação no interior das três Forças, buscando intervir na seara política da Pátria. O marechal Odílio Denys, um dos principais idealizadores e articuladores do Golpe de Estado de 1964, disse que “os democratas civis e militares estavam vendo a aproximação do perigo” [de os comunistas hipoteticamente se apossarem do governo].
O discurso anticomunista norteia a estruturação do comportamento dos militares brasileiros desde 1938, porque lhes possibilita coesão interna e, simultaneamente, presença no cenário político nacional.
Cruzeiro-DF, 28 de junho de 2020
SALIN SIDDARTHA

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*Artigo publicado originariamente no PorBrasília