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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Os resultados contábeis das petrolíferas em 2020 e a MP do Trilhão

Quarta, 6 de outubro de 2021

Escrito por  Paulo Cesar Ribeiro Lima* 


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06 Outubro

 



paulo cesar ribeiro lima100 Empresas apresentaram resultados contábeis que não condizem com as suas lucratividades, graças ao modelo tributário instituído pela MP

No dia 29 de setembro de 2021, o Jornal Valor Econômico publicou dados consolidados das maiores empresas do Brasil (Valor 1000). Essa publicação permite relacionar as maiores empresas por setor.

A Figura 1 mostra a lista das maiores empresas do setor de petróleo e gás no ano de 2020.

Figura 1: Lista das maiores empresas do setor de petróleo e gás (multiplicar os resultados por 1.000.000)

[Clique nas tabelas abaixo para melhor visualizá-las]



Conforme mostrado na Figura 1, a Petrobrás foi a empresa do setor de petróleo e gás com a maior receita líquida em 2020: R$ 272,1 bilhões. Em segundo e terceiro lugares, estão as empresas Raízen e Vibra Energia, com receitas líquidas de, respectivamente, R$ 114,6 bilhões e R$ 81,5 bilhões. A Vibra Energia, a antiga estatal BR Distribuidora, apresentou relação entre o lucro líquido e a receita líquida de 4,8%. No caso da Petrobrás, essa relação foi de apenas 2,3%.

De acordo com o apresentado na Figura 1, em 2020, a Petrobrás apresentou um Ebitda de R$ 107,9 bilhões. No entanto, o lucro líquido contábil da estatal foi de apenas R$ 6,3 bilhões. No caso da Vibra Energia, o Ebitda foi de R$ 5,1 bilhões para um lucro líquido R$ 3,9 bilhões. O Ebitda da Petrobrás foi 17,3 vezes maior que o lucro líquido contábil; no caso da Vibra Energia, o Ebitda foi apenas 1,2 vezes maior que o lucro líquido contábil.

Apesar de a Figura 1 apresentar as maiores empresas do setor de petróleo e gás, nem todas as empresas mostradas têm como foco as atividades de exploração e produção de petróleo.

Para efeito de comparação foram selecionadas, então, as cinco maiores "empresas estrangeiras" de fato produtoras de petróleo no Brasil: Shell Brasil Ltda. (Shell), Petrogal Brasil S.A. (Petrogal), Repsol Sinopec Brasil S.A. (Repsol Sinopec Brasil), Petronas Brasil Ltda. (Petronas Brasil) e Equinor Energy do Brasil Ltda. (Equinor Energy). A Figura 2 mostra os dados consolidados dessas empresas produtoras de petróleo.

Dessas cinco empresas, três são sociedades empresariais limitadas e, em razão disso, de baixíssima transparência em relação às suas demonstrações financeiras. Dentre elas, apenas a Repsol Sinopec Brasil apresentou lucro líquido contábil; as outras quatro apresentaram prejuízo contábil.

Nesse cenário de prejuízos, merece destaque a Shell, com receita líquida de R$ 26,1 bilhões e Ebitda de R$ 8,1 bilhões, mas com prejuízo contábil de R$ 6,0 bilhões.

Figura 2: Lista das maiores "empresas estrangeiras" produtoras de petróleo no Brasil (multiplicar os resultados por 1.000.000)


A Shell é parceira da Petrobrás em campos do Pré-Sal. Nessa província estão localizados os poços mais produtivos do mundo, conforme mostrado na Figura 3. Mesmo com a redução do preço médio de venda do petróleo de US$ 61,2 por barril, em 2019, para US$ 40 por barril, em 2020, a rentabilidade da Petrobrás foi muito alta em razão de o custo médio de extração com afretamento e com participação governamental ter sido de apenas US$ 13,10 por barril, em 2020. Como a Petrobrás é a operadora dos principais campos onde ocorre a produção da Shell no Brasil, consequentemente, a rentabilidade dessa "empresa estrangeira" também foi muito alta.


Figura 3: Produtividade dos poços em vários países

Fonte: Sandrea and Goddard, 2016, New reservoir-quality index forecasts field well-productivity worldwide, Oil & Gas Journal.

A produção total da Shell, no Brasil, ocorreu basicamente no polígono do Pré-Sal, com destaque para os campos extremamente rentáveis de Lula e Sapinhoá, que produzem sob o regime de concessão, e o campo de Mero e Entorno de Sapinhoá, que produzem sob o regime de partilha de produção.

Os campos de Lula e Sapinhoá são tão rentáveis que, no ano de 2020, eles pagaram elevadas participações especiais. Nos termos do art. 50 da Lei nº 9.478/1997, o edital e o contrato estabelecerão que, nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade, haverá o pagamento de uma participação especial, a ser regulamentada em decreto do Presidente da República.

De acordo com o § 1º desse artigo, a participação especial será aplicada sobre a receita bruta da produção, deduzidos os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor.

Em 2020, o campo de Lula pagou R$ 16,6 bilhões de participação especial. Como a Shell tem uma participação de 25% no campo de Lula, somente nesse campo a empresa, em razão da alta lucratividade do campo, pagou R$ 4,2 bilhões. É importante registrar que, em 2020, o campo de Lula passou a ser denominado campo de Tupi.

No caso do campo de Sapinhoá, houve um pagamento de R$ 1,938 bilhão. Como a Shell tem participação de 30% nesse campo, a empresa pagou, em razão da alta lucratividade de Sapinhoá, R$ 581 milhões.

O campo de Mero, localizado no Pré-Sal na área de Libra, e o Entorno de Sapinhoá também apresentaram alta lucratividade em 2020, caracterizada pelo elevado pagamento de excedente em óleo.

Nos termos do inciso III, do art. 2º da Lei nº 12.351/2010, excedente em óleo é a parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre a União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo, aos royalties devidos e, quando exigível, à participação de que trata o art. 43.

A Figura 4 mostra o excedente em óleo da União médio diário por campo sob o regime de partilha de produção. Conforme mostrado, em 2020, esse excedente decorreu, basicamente, das produções dos campos de Mero e Entorno de Sapinhoá.

Figura 4: Excedente da União médio diário por campo

Mas se a Shell é tão rentável no Brasil, em decorrência principalmente dos campos de Lula, Sapinhoá, Mero e Entorno de Sapinhoá, por que a empresa apresentou prejuízo contábil em 2020?

Por uma razão muito simples, por causa do regime tributário instituído pelo art. 1º da Lei nº 13.586/2017, decorrente da Medida Provisória nº 795/2017 ("MP do Trilhão").

O caput desse artigo estabelece que, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser integralmente deduzidas as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, nas atividades de exploração e de produção de jazidas de petróleo e de gás natural.

Os parágrafos do art. 1º da Lei nº 13.586/2017 permitem a exaustão acelerada a partir de ativos formados mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento, além de permitir a depreciação das máquinas e equipamentos desses ativos.

Essa Lei simplesmente ignora todo o sistema de custos de que trata a Lei nº 9.478/1997, controlado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), referente ao regime de concessão, e todo o sistema de custos de que trata a Lei nº 12.351/2010, controlado pela Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), referente ao regime de partilha de produção.

As renúncias fiscais das empresas petrolíferas decorrentes das deduções permitidas pela Lei nº 13.586/2017 foram muito elevadas em 2020. Isso porque essas deduções são bem mais "generosas" que as deduções previstas nas Leis nº 9.478/1997 e nº 12.351/2010, aplicáveis aos contratos de exploração e produção de petróleo e gás no Brasil. Desse modo, nesse ano, as empresas petrolíferas produtoras de petróleo e gás natural apresentaram prejuízos contábeis ou baixíssimos lucros.

Com isso, não houve o devido pagamento nem de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) nem de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por parte da Shell e de outras grandes empresas.

É importante registrar, ainda, a suspensão de pagamento de tributos federais nas importações, nos termos do art. 5º da Lei nº 13.586/2017. De acordo com esse artigo, fica instituído o regime especial de importação com suspensão do pagamento dos tributos federais de bens cuja permanência no País seja definitiva e que sejam destinados às atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo e gás natural.

Dada a "complexidade" e a "dificuldade" de se alterar totalmente o modelo tributário de que trata a Lei nº 13.586/2017, o caminho mais simples para se aumentar a participação governamental no Brasil seria a tributação da exportação do petróleo bruto. Essa tributação também teria outros efeitos significativos: estimular os tão importantes e necessários investimentos em refino no Brasil e permitir a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis.

Em suma, em 2020, as empresas petrolíferas apresentaram resultados contábeis que não condizem com as suas lucratividades, em razão do modelo tributário instituído pela Lei nº 13.586/2017, oriunda da "MP do Trilhão". Nesse cenário, merecem destaques os prejuízos contábeis, e a consequente ausência de pagamento de tributos, por parte de "empresas estrangeiras" produtoras de petróleo e gás no Brasil, com destaque para a Shell Brasil Petróleo Ltda.

Enquanto a sociedade brasileira sofre com os altos preços dos combustíveis, lucrativas empresas petrolíferas que exploram um bem público sequer pagaram IRPJ, CSLL e outros tributos federais em 2020. Dessa forma, os poços mais produtivos praticamente não geram receitas tributárias para o País. Não há situação semelhante no mundo. É fundamental, então, que se rediscuta o modelo tributário nacional aplicado a essas empresas.

Paulo César Ribeiro Lima, PhD


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Fonte: 


https://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/6904-os-resultados-contabeis-das-petroliferas-em-2020-e-a-mp-do-trilhao