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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Suspensão da Política Nacional de Reforma Agrária pelo TCU é inconstitucional, diz PGR

Sexta, 1º de setembro de 2017
Do MPF

Arguição de descumprimento de preceito fundamental questiona a decisão em caráter liminar baseada em indícios de irregularidades

“Total paralisia da reforma agrária no país tem o efeito colateral perverso de sugerir que a estrutura fundiária brasileira, profundamente injusta e desigual, conta com o aparato estatal em apoio a sua manutenção”. A afirmação é do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao questionar, no Supremo Tribunal Federal (STF), acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que suspendeu, liminarmente, a política pública de reforma agrária no país e os pagamentos de créditos a milhares de beneficiários.

Na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 478 contra o acórdão 775/2016, proferido pelo Plenário do TCU, o procurador-geral sustenta que o ato contraria princípios e valores fundamentais da Constituição de 1988: da dignidade humana, da construção de sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a redução de desigualdades; da proporcionalidade, o contraditório e a ampla defesa; e do direito à moradia. Segundo ele, a decisão do TCU também viola os artigos 187 a 189, que estabelecem diretrizes para a política agrícola e fundiária e para a reforma agrária.

O acórdão questionado teve como base indícios de irregularidades na concessão de lotes do Programa Nacional de Reforma Agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A verificação dos indícios de irregularidade se deu a partir do cruzamento de dados entre os Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e diversas bases de origem pública.

Para Janot, “enquanto constituírem meros indícios e estiverem em processo de apuração, não deve haver descontinuidade, pura e simples, de toda a política pública de reforma agrária, a qual possui origem constitucional”. O PGR entende que houve desproporcionalidade da medida adotada pelo órgão de controle externo, de forma cautelar.

Direitos fundamentais - De acordo com a ação, o acórdão questionado paralisou completamente e por tempo indeterminado toda a política da reforma agrária no país e impediu que milhares de beneficiários tivessem acesso a políticas públicas indispensáveis ao exercício de direitos fundamentais. “Essa drástica providência foi adotada a partir de meros indícios de irregularidades constatados mediante simples cruzamento de bancos de dados, sem que, ao menos, fosse dada oportunidade aos beneficiários de, previamente, apresentar qualquer sorte de defesa”, aponta o procurador-geral.

Rodrigo Janot argumenta que a interrupção completa de um programa de matriz constitucional e inegável relevo social diante de meros indícios de irregularidades é manifestamente desproporcional ao fim buscado pela corte de contas. Segundo ele, “outras medidas menos gravosas aos milhares de beneficiários do programa e adequadamente eficientes para apurar e sanar possíveis fraudes à reforma agrária poderiam ter sido adotadas”.

O PGR também questiona a competência do Tribunal de Contas da União para suspender o andamento de política pública prevista na Constituição. “Não parece haver, nas atribuições conferidas ao Tribunal de Contas pelo artigo 71 da Constituição da República, autorização para sustar o andamento de toda uma política pública constitucionalmente prevista nem para determinar que ela caminhe segundo a sua compreensão”, aponta.

Ampla defesa – Segundo a ADPF 478, a decisão em análise impôs severos ônus a milhares de beneficiários da reforma agrária, a partir de meras suspeitas de irregularidades, pois os impediu de ter acesso a diversas políticas públicas indispensáveis a existência digna no campo, tudo em juízo provisório, sem que fossem ao menos chamados a prestar esclarecimentos.

“Restrição de acesso a políticas públicas de reforma agrária, executadas ao longo de muitos anos, só poderia ocorrer após garantir a seus beneficiários ampla defesa – no mínimo sob a forma de contraditório”, diz. Janot destaca que ocorreu exatamente o oposto no caso. Segundo ele, os atingidos pela decisão deverão, de alguma maneira, intuir que há sobre si suspeita de ilicitude e demonstrar que sua situação é legal ou passível de regularização para, só então, estarem aptos a nova habilitação perante o Incra.

Medida cautelar – Na ação, o procurador-geral da República pede a concessão de liminar para que o ato seja o mais rapidamente possível suspenso. Ele explica que o perigo na demora processual parece incontestável diante da natureza dos direitos que se busca resguardar. “A reforma agrária, como instrumento a um só tempo conformador do direito à moradia e de redução da pobreza e das desigualdades sociais, não deve sofrer descontinuidade de forma irrestrita, com alcance nacional e lesão a centenas de milhares de beneficiários”, assinala.