Segunda, 21 de novembro de 2011
Elaine Patricia CruzRepórter da Agência Brasil
São Paulo - A construtora MRV Engenharia poderá ser multada em até R$
11 milhões pela utilização de trabalhadores em condição análoga à
escravidão em duas obras no interior de São Paulo. As ações civis
públicas foram propostas pelo Ministério Público do Trabalho, depois que
fiscais flagraram a existência de trabalho escravo na construção do
empreendimento residencial Beach Park, em Americana, e nas obras do
condomínio Spazio Mont Vernon, em São Carlos.
Em entrevista à Agência Brasil, o procurador do
Trabalho Cássio Calvilani Dalla-Déa, do Ministério Público do Trabalho
em Araraquara (SP), disse que “nos dois casos, o número de
irregularidades foi bem grande”.
No caso de Americana, a precarização do trabalho foi decorrente da
terceirização dos serviços nas obras. Segundo o Ministério Público, a
MRV utiliza-se de empreiteiras para fazer a intermediação da mão de obra
e, com isso, tenta transferir a responsabilidade trabalhista às
pequenas empresas. Nessa obra, o Ministério Público observou casos de
operários sem receber salários, alojamentos e moradias fora do padrão
legal e aliciamento de trabalhadores. Cerca de 60 trabalhadores estão
nessa situação.
“Especificamente no caso da MRV, (a terceirização) não pode ser
utilizada como desculpa porque existia uma série de outras empresas, mas
os trabalhadores estavam sendo subordinados e recebiam ordens de
empregados da MRV. Então, a MRV tinha conhecimento das condições muito
degradantes em que estes trabalhadores estavam vivendo”, disse o
procurador.
Em São Carlos, a fiscalização flagrou um canteiro de obras
desorganizado, com detritos acumulados e desrespeito às normas de
segurança e saúde do trabalho. Entre as irregularidades foram relatadas
falta de proteção contra quedas e alojamentos improvisados. A
fiscalização também documentou péssimas condições de conservação e
higiene de colchões e o não fornecimento de armários, roupas de cama e
travesseiros para os trabalhadores. De acordo com o procurador, entre
dez ou 12 trabalhadores foram encontrados nessa situação em São Carlos,
que “não era da mesma gravidade que em Americana”.
“Os elementos que levaram a essa classificação de condição análoga à de
escravo é que os alojamentos eram péssimos, com colchões sem condições
de uso, sem armários individuais, sem chuveiros suficientes. Havia
também a retenção da Carteira de Trabalho e atrasos de salários, o que
prendia o trabalhador àquela condição degradante”.
Um levantamento feito pela Gerência Regional do Trabalho em Campinas
mostrou que a MRV teve 70 autuações entre os anos de 2007 e 2010, quase
sempre por descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho.
O Beach Park, em Americana, é uma das obras do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), do governo federal, que estava incluída no
Programa Minha Casa, Minha Vida.
“Até por isso, um dos pedidos das ações que foram propostas é a
comunicação, ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica Federal,
sobre estes recursos que a MRV utiliza. Achamos importante que o
Judiciário faça a comunicação aos órgãos públicos de que o dinheiro
público está sendo utilizado por uma empresa que reiteradamente tem
cometido uma série de irregularidades”.
No processo ajuizado em Americana, o Ministério Público pede a
condenação da empresa ao pagamento de R$ 10 milhões. Em São Carlos, os
procuradores pedem R$ 1 milhão para reparar os danos causados aos
operários. As indenizações serão destinadas ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT). “Existe também a possibilidade dessa empresa ser
incluída no cadastro que o Ministério do Trabalho tem e que é conhecido
como lista suja, que aponta as empresas que foram flagradas com trabalho
escravo”, disse o procurador. Após a inclusão do nome do infrator no
cadastro, instituições federais como a Caixa Econômica Federal e o Banco
do Brasil, suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao
crédito.
Em resposta à Agência Brasil, a MRV informou que ainda não foi citada. “Desta forma, ainda não pode se manifestar a respeito”.