Sexta, 6 de julho de 2012
MPF aponta o Incra como o maior desmatador da Amazônia
Ações contra a autarquia do
governo federal foram ajuizadas em seis estados da região. Área
desmatada em assentamentos já representa um terço do desmatamento
amazônico
O
Ministério Público Federal (MPF) iniciou essa semana uma nova etapa da
atuação contra o desmatamento ilegal na Amazônia. Foram ajuizadas ações
em seis estados – Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre e Mato Grosso –
que apontam o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) como o maior desmatador da região. As ações reúnem dados
inéditos sobre o desmatamento em assentamentos de reforma agrária que
mostram que cerca de um terço das derrubadas ilegais vêm ocorrendo
nessas áreas.
“Os procedimentos irregulares adotados pelo Incra
na criação e instalação dos assentamentos vêm promovendo a destruição da
fauna, flora, recursos hídricos e patrimônio genético, provocando danos
irreversíveis ao bioma da Amazônia”, dizem as ações iniciadas essa
semana, resultado de investigação conjunta que demorou um ano para ser
concluída.
A participação do Incra no volume total de
desmatamento da região também vem crescendo por conta da regularização
ambiental da atividade pecuária. Historicamente, a criação de gado em
áreas particulares era o principal vetor do desmatamento, mas dois anos
depois dos acordos da Carne Legal, iniciados no Pará, as derrubadas em
assentamentos estão ficando mais preocupantes. Elas representavam 18% do
desmatamento em 2004, mas em 2010 atingiram um pico: somaram 31,1% de
todo o desmatamento anual na Amazônia.
As ações relatam à Justiça
Federal os danos em cada estado. Em comum, em todos os processos o MPF
pede a interrupção imediata do desmatamento em áreas de reforma agrária,
proibição de criação de novos assentamentos sem licenciamento ambiental
e um plano para licenciar os assentamentos existentes, bem como para
averbação de reserva legal e recuperação de áreas degradadas, com prazos
que vão de 90 dias a um ano.
As ações judiciais foram elaboradas
pelo Grupo de Trabalho da Amazônia Legal, que reúne procuradores da
República de toda a região, e ajuizadas em seis dos nove Estados que
compõem a Amazônia Legal. Amapá e Tocantins ficaram de fora por terem
números inexpressivos de desmatamento nas áreas de reforma agrária. O
Maranhão, que tem uma das situações mais graves nos assentamentos, está
concluindo o inquérito sobre o assunto.
Cem metrópoles - A
área já desmatada pelo Incra corresponde a 20 anos de desmatamento se
mantido o ritmo atual, de cerca de 6 mil km2 por ano. De acordo com a
investigação, até 2010 o Incra foi responsável por 133.644 quilômetros
quadrados de desmatamento dentro dos 2163 projetos de assentamento que
existem na região amazônica.
Para se ter uma ideia do prejuízo, a
área desmatada é cerca de 100 vezes o tamanho da cidade inteira de São
Paulo. Só no ano passado, dentro de assentamentos já criados do Incra,
foram perdidos 1 milhão e 668 mil hectares em floresta (um hectare é o
tamanho médio de um campo de futebol). Entre 2000 e 2010, foram mais de
60 milhões de campos de futebol em florestas que vieram ao chão.
O
MPF fez um cálculo com base no valor comercial dos produtos madeireiros
e chegou a um valor total de R$ 38, 5 bilhões em danos ambientais
causados pelo Incra em toda a Amazônia. O valor corresponde ao que foi
desmatado entre 2000 e 2010 e calculado pelos valores mínimos do
mercado.
Os números foram obtidos por três instituições
distintas, a pedido do MPF, em análise das fotos de satélite dos
assentamentos. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (Imazon) chegaram às mesmas conclusões: o
desmatamento está descontrolado nas áreas de reforma agrária. “Temos
então que os assentamentos instalados pelo Incra responderam por 18% dos
desmatamentos verificados na Amazônia Legal nos últimos 10 anos”, dizem
os procuradores da República nas ações judiciais.
De acordo com o
Imazon, os assentamentos mais desmatados estão no Pará, Maranhão e Mato
Grosso. São 764 assentamentos (287 no PA, 207 no MA e 117 no MT) que
juntos desmataram mais de 64 mil hectares até 2010. Para se ter uma
ideia do tamanho do prejuízo. Nesses locais, entre 75% e 100% da
cobertura vegetal foi derrubada ilegalmente, o que acrescenta a ausência
da reserva legal na lista de infrações ambientais do Incra. Na
Amazônia, o Código Florestal prevê reserva legal de 80% da cobertura
vegetal, em propriedades privadas e também nas áreas de reforma agrária.
“No
total de 2160 projetos válidos, o Inpe detectou que 1511 encontram-se
com mais de 20% de sua área desmatada, o que corresponde a 70% dos
Projetos de Assentamento”, diz a ação judicial. Mais da metade dos
assentamentos na Amazônia – 1156 deles - devastaram a floresta de mais
de 50% de seus territórios.
Regularização ambiental – São
várias as causas que colocam o Incra como protagonista do desmatamento
na Amazônia – negligência com a infraestrutura dos assentamentos,
descontrole sobre a venda de lotes – mas pesa muito na balança a
ausência quase total de licenciamento ambiental nos projetos. De acordo
com o Tribunal de Contas da União, até 2003 tinham sido criados mais de 4
mil assentamentos sem licença ambiental no país.
Após essa data,
ainda que não existam números totais, o TCU apontou em auditoria que a
prática permaneceu inalterada: “o modo de criação, gestão e implantação
de assentamentos em desrespeito à legislação ambiental deve-se à falta
de ação do Incra, que sequer chega a protocolar os pedidos de
licenciamento”, concluiu a auditoria. Para o MPF, “a ausência de
protocolo é grave e enfraquece qualquer defesa do Incra no sentido de
que a criação de tais assentamentos sem a devida licença ambiental
decorre da falta de manifestação dos órgãos ambientais”.
Íntegra das ações judiciais:
AcreAmazonas
Mato Grosso
Pará
Rondônia
Roraima