Sábado, 15 de dezembro de 2012
Isabela VieiraRepórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Confinados em um casarão de dois andares, 18 índios de
várias etnias, incluindo idosos e crianças com deficiência física ou
transtornos mentais, são mantidos sem tratamento adequado na Casa do
Índio do Rio de Janeiro (Casai-RJ). A constatação é do Ministério
Público Federal (MPF) no Rio, que move uma ação civil pública contra a
União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) cobrando ampla
reestruturação da unidade.
A Casai foi criada em 1968 para abrigar índios que necessitavam de
tratamento na cidade ou não podiam se manter por conta própria nas
aldeias. Na década de 1990, os indígenas eram encaminhados ao local pela
recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai), mantenedora do
estabelecimento até 1999, quando a responsabilidade passou para a
Fundação Nacional de Saúde (Funasa), substituída, em 2010, pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Atualmente, com internos de 90 a 9 anos, o local sobrevive de doações e é considerado abandonado pelo MPF.
De acordo com ação movida pela procuradora Maria Cristina Manella,
que investiga o caso, relatórios das secretarias Estadual e Municipal de
Saúde atestam que o local “funciona como um centro asilar, sem
tratamento continuado adequado às necessidades terapêuticas dos índios”,
embora conte com a solidariedade da sociedade e dos funcionários, que
mantêm o local limpo, organizado e os doentes aparentemente bem
tratados.
Os internos são tratados pela rede pública de saúde no Rio. Eles são
levados para hospitais no carro da administradora da Casai, Eunice
Caryri, mas não têm uma rotina de atividades terapêuticas. Aqueles que
não estão acamados ouvem música, assistem televisão, pintam ou se
distraem com os 13 cachorros criados pela instituição. Alguns vão e vêm
das aldeias no período de fim de ano, para as festas de Natal, quando
parentes aparecem para buscá-los.
De visita, o pai de um jovem índio conta que conheceu a casa por
meio de relatos na aldeia. Ele acredita que a unidade é um local seguro e
limpo para manter o filho. “Como a gente trabalha longe, tem festa, ele
fica sozinho, sem ninguém para cuidar”, disse o cacique Jairo Kuikuro,
que visita o filho a cada três anos. Segundo ele, a próxima viagem ao
Rio está agendada para 2015. Quem paga as passagens do Parque Indígena
do Xingu (MT) para a capital fluminense é o Ministério da Saúde.
As crianças internas tampouco têm atenção específica. Muitos estão
acamados. Apenas dois frequentam salas de aula e têm bolsa na escola da
Associação Cristãs de Moços (ACM). O menor, de 9 anos, já repetiu três
vezes a mesma série e a direção avalia que ele “tem algum transtorno não
identificado”. “Não sabemos bem o que tem”, diz Eunice Caryri.
Ela conta que o Ministério da Saúde, responsável pela saúde indígena
em todo o país, com extinção da Funasa, paga as contas de luz e de água
da instituição, além do salário de dez funcionários. Entre eles, uma
índia guarani que nasceu na própria casa, logo depois que a mãe, com
transtornos mentais, chegou grávida há 21 anos. Sem contato nenhum com a
família, de uma aldeia no Paraná, a jovem vive na unidade, que é a
única casa que conhece.
“Precisamos de tudo. Esse ano não pude fazer intervenções de
infraestrutura e estou recebendo até lâmpadas de doação. A Sesai
[Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde] não tem
dinheiro para nada”, criticou Eunice, que usa recursos da própria
aposentadoria para custear os gastos no local.
Fundadora da casa, ela acompanha cada caso pessoalmente. Sabe o ano
em que o índio chegou, quantas vezes voltou para aldeia e documenta tudo
com vasto material fotográfico.
Procurado na segunda-feira (10), o Ministério da Saúde não respondeu à
reportagem até ontem (14). A Funai se limitou a dizer que não foi
intimada na ação.