Sexta, 7 de
dezembro de 2012
Por Ivan de
Carvalho

Para
o mundo como um todo, a questão crítica é a rivalidade entre alguns Estados
árabes e até muçulmanos não-árabes (caso principal, atualmente, do Irã, como já
foi do Iraque) e a facilidade com que os governos desses Estados nada
democráticos conseguem manipular a opinião pública e as populações de seus
países como instrumentos na hostilidade permanente que mantêm contra Israel.
Voltando
ao caso egípcio, onde ontem o Palácio Presidencial estava cercado por tanques
após conflitos entre populares favoráveis e contrários ao governo que
resultaram, na noite passada, em cinco mortes e mais de cem feridos. Na
anterior, foram dois mortos e cerca de 160 feridos nos conflitos ocorridos no
Cairo. Pelo menos em outras três principais cidades do país houve grandes
manifestações da oposição, geralmente confrontadas por partidários do governo.
A
Primavera Árabe no Egito (como, de resto, em outros países em que o movimento
venceu ou está em curso) tem caráter laico e seus objetivos são a liberdade e a
democracia, esta, um regime a que os árabes não estão acostumados. Não têm
disso a menor tradição, exceto quanto ao Líbano, que foi democrático e onde
houve liberdade até que a Síria se imiscuiu em sua política interna e bagunçou
o país, no interesse da ditadura vitalícia e hereditária dos Assad.
Mas,
com uma modesta vantagem de votos, Mursi, o candidato a presidente da Irmandade
Muçulmana – uma organização política islâmica que era clandestina durante o
regime autoritário do ex-presidente Hosni Mubarack – foi eleito presidente após
a vitória da Primavera Árabe egípcia. As eleições foram duvidosas, porque
somente às vésperas do pleito o principal adversário de Mursi assegurou na
Justiça o direito de disputar o pleito. Assim, ele fez uma campanha “na dúvida”
de que seria ou não candidato e isso é uma situação destrutiva para qualquer
candidatura. Mesmo assim, perdeu por pouco.
Mursi assumiu uma porção de
compromissos formais e públicos após eleito e começou a desrespeitá-los
metodicamente, a cada oportunidade que aparecia. A última coisa que fez foi um
golpe de estado mediante a edição de decretos em que assumiu plenos poderes e
até, em um deles, colocou-se acima e a salvo de qualquer decisão judicial –
juntamente com os seus decretos ditatoriais. Alegou que os superpoderes seriam
provisórios, temporários, mas continua desfrutando de todos eles e pretende
prosseguir assim por um bom tempo.
O golpe por decreto não foi
aceito pelos que fizeram a Primavera Árabe no Egito, os protestos começaram e
se ampliaram rapidamente, exigindo a imediata revogação de todos esses decretos
e o adiamento de um referendo que pretende aprovar uma Constituição feita por
uma Assembléia Constituinte eleita sem respeito às leis eleitorais e que as
oposições ao partido da Irmandade Muçulmana, vendo que nada podiam fazer,
abandonaram. Entre outras coisas, a nova Constituição institui a sharia (lei
muçulmana) em um estado que se pretendia laico e é totalmente omissa quanto aos
direitos das mulheres, que a sharia limita severamente.
As minorias no país se
consideram ameaçadas, entre elas a cristã – no Egito existem mais de três
milhões de cristãos, quase todos da Igreja Coopta. O outro grande problema é
que, com a Irmandade Muçulmana no comando, o Egito pode voltar a hostilizar
Israel, coisa que não faz desde a assinatura de um tratado de paz entre os dois
Estados, na década de 70 do século passado.
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Este artigo foi publicado originalmente na
Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.