Quarta, 6 de março de 2013
entrevista Maria Lúcia Fattorelli
Embora considerada prescrita há anos, a dívida se transformou em mecanismo de transferência dos recursos públicos para o setor financeiro privado.
Por Gabriela Moncau
Caros Amigos
“Vemos a utilização do instrumento do endividamento público às avessas”, denuncia Maria Lucia Fattorelli. Ex-auditora fiscal da Receita Federal e presidente do Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Fattorelli adverte que, se o instrumento de endividamento do Estado seria para completar suas receitas, o que acontece é exatamente o oposto: o pagamento da dívida tem tirado dos cofres públicos anualmente quase metade de seu orçamento. Em 2011 a dívida pública absorveu R$708 bilhões, o equivalente a 45% do orçamento da União e em 2012, a previsão orçamentária calcula que tenha sido em torno de 48%. A dívida, paga por todos os cidadãos brasileiros, já supera o valor de R$3 trilhões.
Da onde surgiu essa dívida? A quem ela está sendo paga? O que o povo brasileiro ganha com isso? Por que ela não para de crescer? Maria Lucia Fattorelli, formada em administração e ciências contábeis, ajuda a responder essas e outras questões.
Desde 2000, ela integra o movimento Auditoria Cidadã, que investiga a dívida brasileira e pressiona pela realização de uma auditoria oficial, prevista na Constituição Federal mas nunca realizada. O movimento acaba de lançar um livro de estudos, “A dívida pública em debate”, com o objetivo de popularizar a discussão a respeito do tema, que, para eles, “é o nó que amarra o Brasil”.
Maria Lucia prestou assessoria técnica à CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2010 e participou da auditoria oficial da dívida do Equador, que foi concluída em 2008. Com o resultado desse trabalho, que apontou diversas irregularidades, o presidente Rafael Correa propôs aos credores pagar 30% do valor previsto para resgatar todos os títulos.
Fattorelli aponta que o processo de endividamento foi bastante similar em todos os países latino-americanos e suspeita que boa parte da dívida brasileira, que surgiu nos anos 1970, foi simplesmente para financiar a ditadura militar. E mais: salienta a necessidade de investigar se, como aconteceu no Equador, a dívida brasileira não tenha prescrito em 1992 e simplesmente sido ressuscitada pelo governo em conjunto com integrantes do setor financeiro.
“Existe um sistema da dívida”, ressalta: “Esse sistema atua no modelo político, econômico, no sistema legal e na grande imprensa”. “Hoje a dívida está consumindo R$2,3 bilhões por dia”, constata. “É isso que explica: o Brasil é a sexta potênciamundial hoje, e ano passado a ONU nos classificou em 84º lugar no índice de desenvolvimento humano”.
Caros Amigos-A dívida pública brasileira já supera R$3 trilhões?
Maria Lucia Fattorelli
Se somarmos a dívida interna, que está em R$2 trilhões e 637 bilhões, e a dívida externa, que está em U$422 bilhões, superamos os R$3 trilhões.