Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Lágrimas de Dilma e mais grana para empresários

Sexta, 4 de abril de 2014
Do blog "Por Escrito", do jornalista baiano Luís Augusto Gomes
Há coisas com motivação eleitoral que não se pode suportar. Como a presidente Dilma chorar no momento em que fazia a transmissão à “iniciativa privada” da exploração – palavra mais adequada que gestão, administração, concessão ou que outras arranjem para a transferência de dinheiro público para mãos privadas – do Aeroporto do Galeão.

Algo que sempre intrigou os mais antigos, que prestavam atenção nas lições escolares, é que oitenta, noventa anos atrás, o Brasil nada tinha de poder econômico, era uma grande fazenda exportadora de produtos primários.

Getúlio Vargas, para que seu sonho de industrialização pudesse ter uma – podemos dizer hoje – simples usina siderúrgica, precisou, literalmente, entrar numa guerra, a de 1939-45, dentro de acordos celebrados com os Estados Unidos.
Quiséssemos, na década de 50, construir uma hidrelétrica, uma grande rodovia, como exigia uma dimensão quase virgem de 8,5 milhões de km², que não contássemos com o “empresariado nacional”, pois este “não tinha recursos”.

Esse quadro, sem que se saiba que relação pode haver, mudou radicalmente no transcorrer do regime militar instaurado em 1964, quando o Estado foi gradativamente empobrecendo e as fortunas particulares, aumentando.

Nesse aspecto, vale registrar que os “civis” não aproveitaram o golpe politicamente, como pretendiam ao participar da “revolução”, mas se locupletaram fartamente pela ocupação do Estado com seus tentáculos sorvedores de dinheiro.

Os milicos em si, salvo alguns trombadinhas mais qualificados que conquistaram cargos de direção em setores industriais e financeiros, conformaram-se com benesses passageiras e com a memória de medalhas de bom desempenho nos bancos da Aman.

Fortunas nasceram de um ano para outro, até da noite para o dia, num quadro em que a imprensa exerceu dois papéis: jornalistas comprometidos com a profissão conviviam com o farisaísmo dos patrões “sufocados pela censura”, na verdade envolvidos até a goela com o regime sob o qual enriqueceram.

Na sua comunicação simples, que resumia páginas de interpretação, o falecido governador Leonel Brizola, de volta do exílio de 15 anos e analisando as condições do país, exclamou: “Os militares seguraram a vaca para os empresários ordenharem!”
É a história que vemos mais uma vez repetida no fato aludido na abertura deste comentário. A presidente decompõe-se em lágrimas ao conceder por 25 anos o Aeroporto Tom Jobim ao Grupo Odebrecht, e a propósito, como se posicionou Odebrecht quando a legalidade foi violentada em 64?

Dilma, ao tempo que ressalta a “homenagem aos exilados neste aeroporto que tem o nome de um grande poeta que fez a música ‘Samba do Avião’”, dá também à Changi Airports International, de Cingapura, parte do butim, construído a duras penas pela nacionalidade cabocla.

Onde estavam as bilionárias empresas na hora de desbravar sertões, bancar prejuízos para estender o progresso aos mais distantes pontos, pagar por tecnologia quase inacessível, apostar incondicionalmente nos recursos humanos do país?

Depois de tudo pronto e sustentado por décadas, e deixado à deriva para um processo criminoso de deterioração, surgem os MBAs milagreiros que apontam o caminho inexorável da “privatização”.

Usinas, estradas, fábricas, laboratórios, aeroportos vêm sendo graciosamente repassados a terceiros, muitas vezes com “financiamento” das próprias instituições bancárias públicas, o qual outro caminho não pode ter senão cofres diversos inseridos no espectro da negociação.

A presidente demonstra, com essa apelação desqualificada, o grau de desespero que a faz perder a vergonha ideológica, usando a repulsa ao regime militar para tentar convencer, com vista à reeleição, de coisas às quais ele deveria ser, pela sua vida, visceralmente contra.