Sábado, 12 de abril de 2014
Desempregados e
subempregados, maioria jovens, saem em busca de qualquer teto para ter onde
morar
Entre centenas de imagens difundidas na coletânea de um chocante REALITY SHOW - a desocupação dos terrenos da OI no Engenho Novo, Zona Norte do Rio de Janeiro - uma me tocou mais profundamente: um negro de aproximadamente 26 anos com dois filhos agarrados ao seu corpo. As crianças choravam e ele olhava na direção do nada, como se sem saber o que seria de sua vida e de seus filhos dali por diante.
Aquela foto me
remetia para o âmago de uma crise social de grande potencial explosivo. Não me refiro especificamente ao chamado
déficit habitacional: por trás dessas invasões de fugitivos de aluguéis
impagáveis com salários mínimos há uma realidade muito mais grave, que a cabeça
vazia dos governantes não consegue alcançar. A crise estrutural, mãe de todas
as tragédias sociais, é a escassez de emprego, curtida pela falta de instrução
profissional e agravada pela otimização tecnológica que elimina milhões de
postos de trabalho sem alternativas para os que são dispensados.
Aquele pai jovem
deve ser um dos milhares de desempregados de uma região da cidade que já foi o
maior celeiro de empregos industriais da cidade. Faz parte de uma comunidade de
maridos e companheiros "fantasmas", que vivem às custas das
companheiras, enquanto ainda há vagas para domésticas e diaristas.
São uma bizarra
maioria de adultos nas favelas das antigas regiões industriais, cujas empresas
fecharam ou se mudaram para áreas onde se instalaram com plantel reduzido.
Favelas que surgiram
exatamente para facilitar a vida dos trabalhadores, que iam morar perto do
emprego: a maior delas, o Jacarezinho, acolhia a mão de obra do maior parque
metalúrgico e fazia parede com fábricas como a General Electric, que chegou a empregar 7 mil trabalhadores na
década de 70, com uma porta de acesso direto para a
comunidade.
Depois de muitas
crises, em que foi se desfazendo progressivamente das linhas de montagem, a
multinacional fechou suas portas e foi fabricar lâmpadas na China para vender
no Brasil com maiores ganhos.
São exatamente
os galpões das indústrias desativadas nos bairros de Maria da Graça, Jacaré,
Engenho Novo, Cachambi, Benfica e adjacências que passaram a ser visados pelos
desempregados e subempregados das novas gerações, que cresceram já sem
perspectivas principalmente pela baixa escolaridade e já não tinham mais
espaços em suas comunidades, mesmo nas beiras dos rios, como acontece na
chamada Favela da Xuxa, ali junto ao Largo do Jacaré. Nessas áreas em que pelo
menos 300 empresas grandes e médias fecharam as portas, dezenas de galpões
foram invadidos ao longo dos últimos vinte anos. Em alguns casos, como na CCPL,
na confluência da Dom Helder Câmara com Leopoldo Bulhões, houve reintegração de
posse. Mas na maioria, não.
Essas invasões
de galpões e prédios desativados não acontecem só nessa região, muito menos só
no Rio de Janeiro. Refletem a prevalência de interesses econômicos setoriais,
como a construção civil, que se valem de velhos expedientes e antigas alegações
para induzirem os governos a entenderem a crise como meramente habitacional.
Por que, seguindo essa percepção, são gastos bilhões de reais em construções
mal acabadas e localizadas nos cafundós
do Judas, as quais se destinam apenas a carrear verbas públicas para os
empreiteiros, como disse muito bem Sérgio Magalhães, presidente do IAB e
ex-secretário de Desenvolvimento Social do RJ, cargo que também ocupei por duas vezes. Essa
política acaba favorecendo por vias transversas as empresas de ônibus, que
vendem hoje 9 milhões de passagens por dia. Isso sem falar no caótico
transporte ferroviário.
Ao
invés de empregos, governos incompetentes oferecem algumas casas
precárias que acabam sendo passadas adiante por que os moradores
permanecem à margem do mercado de trabalho
Muitas das
empresas que fecharam ali poderiam ter sobrevivido nas mãos dos empregados,
pelo recurso da auto-gestão, mas os governos também lhes viraram as costas,
como aconteceu com a Parafusos Águia,
uma metalúrgica que não conseguiu resistir por falta de apoio técnico e
financiamento das agências de fomento, mais sensíveis às multinacionais e a
empresários bem articulados, como o agora decadente Eike Batista.
Ao
invés de
dedicar-se a um programa arrojado de formação e realocação de mão de
obra os governos recentes, em todos os níveis, acenam com projetos
habitacionais precários,
que atendem a poucos, muitos vulneráveis à manipulação política e à
picaretagem.
A maioria das pessoas que são
beneficiadas com um imóvel desses programas tende a repassá-lo em vendas de
gaveta no prazo máximo de dois anos, pois continuam com dificuldade de
empregos, com baixos salários ou distantes de onde trabalham, juntando-se a
isso as dificuldades naturais de um bairro novo e longe de tudo.
Ao contrário do
que acontecia no meu tempo em que ralar era um esporte, os mauricinhos de hoje,
de todos os matizes, também não entendem da natureza missionária da vida
pública e não costumam sair de seus gabinetes confortáveis em situações como
essa dos prédios abandonados da OI, preferindo deixar que assistentes sociais
sem nenhum poder decisório e sem condições mínimas façam as vezes da autoridade
da área social.
Nesse caso da "Favela da Telerj" que tanto
alimentou a mídia e enervou a população, parece claro que os
próprios titulares do Estado e da Prefeitura investiram na situação
criada. A área, inteiramente abandonada,
havia sido negociada com o município. Um termo de compra e venda entre a
Telemar e a Prefeitura chegou a ser assinado no dia 6 de julho de 2012, numa
solenidade com a presença da presidente Dilma Rousseff. Pelo acordo fechado,
ficou definido que o governo federal, via Ministério das Cidades, financiaria
um programa habitacional no local, através do "Minha Casa Minha Vida".
Mas o negócio
desandou. Mesmo com a assinatura do termo, a venda fracassou. O prefeito
Eduardo Paes, sabe Deus por que, alegou
que o preço pedido era muito alto (Foi isso mesmo?). Desde então, os galpões e
prédios seguiram desativados e, segundo os próprios invasores, estavam sendo
usados por usuários de crack.
A invasão
aconteceu na madrugada da segunda-feira, 31 de março, com a participação de
cerca 200 pessoas. O número de invasores foi aumentando nos dias seguintes por
que as autoridades não fizeram bulhufas, estimulando o aparecimento de mais
gente, numa ocupação das áreas de estacionamento e das coberturas dos prédios,
em que cada "lote" tinha 16 m², uns colados nos outros.
Nenhum
secretário, do Estado do Município, nenhuma autoridade federal importante se dignou
a ir lá, como que acenando para o inchaço que em 10 dias já reunia 5 mil
pessoas. Conforme as paranoias do ex-governador Sérgio Cabral, assimiladas por seu medíocre sucessor, essa massa enorme deveria tomar
uma lição pelas armas de 1 mil e 500 policiais
militares que, em menos de 6 horas fizeram a limpa da área, enquanto as
máquinas derrubavam os embriões de barracos.
Só um idiota
pode imaginar que agindo assim o povo desempregado ou subempregado vai pensar
duas vezes antes de uma nova aventura para fugir do aluguel ou por qualquer
outra razão de desespero.
Há um conflito
muito mais profundo entre os problemas sociais de cidadãos brasileiros que vivem
no sufoco e as políticas públicas emanados de governantes despreparados e preocupados tão somente com as delícias dos
cargos inebriantes.
E esse conflito
absurdo ainda vai dar muitos panos para as mangas.