Da Tribuna da Imprensa
Sebastião Nery
Em
junho de 1982, foi encontrado estrangulado em Londres, embaixo da “Blackfriars
Bridge” (“a Ponte dos Irmãos Negros”), o banqueiro italiano Roberto Calvi,
presidente do Banco Ambrosiano, que acabava de quebrar, e tinha como diretores
o cardeal Marcinkus, o conde Umberto Ortolani e o chefe da P-2 italiana
(maçonaria), Licio Gelli.
Nos
dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados vários
outros ligados a Calvi. Não é só em Santo André que se limpa a área. No meio da
confusão estava Ortolani, um dos quatro “Cavaleiros do Apocalipse”. Quando, a
partir de 1990, a “Operação Mãos Limpas” chegou perto deles, o conde, olhando
Roma lá de cima do Gianiccolo, me dizia:
–
Isso não vai acabar bem.
O
ministério Publico e a Justiça enfrentaram a aliança, que vinha desde 1945, no
fim da guerra, entre a Democracia Cristã e a Máfia italiana. Houve centenas de
prisões, suicídios. Nunca antes a máfia tinha sido tão encurralada. Responderam
com bombas detonando carros de procuradores e juizes. Os grandes partidos
aliados (Democrata Cristão, Socialista, Liberal) explodiram. O Partido
Comunista, conivente, desintegrou-se. E meu amigo conde, condenado a 19 anos,
morreu em 2002, aos 90 anos.
MÃOS LIMPAS
A
“Operação Mãos Limpas” não teria havido se um punhado de bravos jovens valentes
e alucinados, das Brigadas Vermelhas e dos Proletários Armados pelo Comunismo
(PAC), não tivesse enfrentado o Estado mafioso. O governo, desmoralizado, usava
a Máfia para elimina-los. Eles reagiam,houve mortos de lado a lado e prisões
dos lideres intelectuais, como o filósofo De Negri (asilado na França) e o
romancista Cesare Battisti, asilado no Brasil. Eu estava lá, era Adido
Cultural, vi tudo, escrevi.
Foram
eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 a 90, que começaram a salvar a
Itália. Se não se levantassem de armas na mão, a aliança Democracia Cristã,
Partido Socialista, Liberais e Máfia estaria lá até hoje. Berlusconi foi o feto
podre que restou, mas logo foi expelido.
O
juiz Falcone (assassinado) e o procurador Pietro (hoje no Senado) comandaram a
“Operação Mãos Limpas”. Foram o juiz Sergio Moro de lá.
O CONDE
O
carrão preto, motorista de libré, parava na porta da embaixada do Brasil em
Roma, na Piazza Navona, em 90 e 91. Descia um senhor baixo, 80 anos, terno
escuro, colete cinza, camisa branca e gravata. Um dos homens mais poderosos da
Itália, conde do Papa, banqueiro de Deus, ia buscar-me para almoçar, a mim
pobre marquês, adido cultural.
Íamos
a discretos e charmosos restaurantes de Roma, com os melhores vinhos da Itália.
Às vezes o almoço foi no palacete dele, na Vila Archimede, no alto do
Gianicolo, ou, em um domingo de sol, em sua casa na serra, em Grottaferrata, a
poucos quilômetros de Roma. Simpático, vivido, o conde Umberto Ortolani era uma
figura “ambígua, misteriosa” (como dizia o jornal “La Republica”). Mal falava,
só perguntava.
Dele
eu sabia que era conde da Santa Sé,“gentiluomo di sua Santitá”, banqueiro do
Vaticano, sócio-diretor do jornal “Corriere de la Sera”. Eu o havia conhecido
num vernissage no Masp, em São Paulo, em 1984, apresentado pelo jornalista José
Nêumanne, do “Estado de S. Paulo”.
A MAFIA
O
que ele queria de mim? Queria que eu convencesse o Itamaraty a lhe entregar um
novo passaporte, pois tinha cidadania brasileira dada pela ditadura militar a
pedido dos Mesquita do “Estado de S. Paulo” e os dois passaportes que tinha, o
italiano e o brasileiro, o governo italiano lhe tomara ao descer em Roma,
depois de oito anos asilado no Brasil.
Levou-me
a seu escritório na Via Condotti 9, em cima da “Bulgari”:
–
Desta sala saíram sete primeiros-ministros : Andreotti, Craxi, etc.
O
conde era a historia exemplar do satânico poder dos banqueiros, mesmo quando
banqueiro de Deus, vice-presidente do banco Ambrosiano, daquele cardeal
Marcinkus até hoje foragido nos Estados Unidos. Há um livro imperdível :
“Poteri Forti” (“Fortes Poderes, o Escândalo do Banco Ambrosiano”), do
jornalista italiano Ferruccio Pinotti, abrindo as entranhas do poder de
corrupção do sistema financeiro com governos, partidos.
No
“Globo”, o lúcido Merval Pereira denuncia a “lógica da gangue”:
–
“Os advogados do empresário Julio Camargo, Figueiredo Basto e Adriano Breta,
dizem que Eduardo Cunha está agindo com a lógica da gangue. Acusam Cunha de
agir “astuciosamente” para desacreditar os depoimentos do delator (Camargo).
Para eles está em vigor a moral da gangue, que acredita triunfar pela vingança,
intimidação e corrupção”.
O “BAGUNÇA”
Em
Caxias, no Estado Rio, há um restaurante chamado “Bagunça”. É do deputado do
PMDB Celso Pansera, que persegue a brava advogada Beatriz Catta Preta na CPI da
Petrobrás: Capas Pretas contra a Catta Preta.