=========================
Do MPF
MPF em São Paulo promoveu palestra sobre lavagem de dinheiro com Sérgio Moro
O
juiz falou sobre a Operação Lava Jato e sobre pontos controversos a respeito da
legislação que trata da lavagem de dinheiro
O juiz federal Sérgio Moro afirmou que os brasileiros não
podem ter uma confiança cega no futuro e acreditar que as investigações sobre o
esquema de corrupção em estatais vá mudar o país. Moro esteve na Procuradoria
da República em São Paulo nesta sexta-feira, 28 de agosto, para participar de
palestra sobre aspectos legais relacionados à lavagem de dinheiro. Segundo o
magistrado responsável pelos processos da Lava Jato em primeira instância, as
mudanças necessárias estão muito além dos possíveis resultados da operação.
“O que muda o país são instituições fortes. É preciso
promover mudanças políticas, legislativas, culturais. A sociedade tem condições
de pleitear isso, muito mais do que os agentes públicos”, declarou o juiz. “Se
o caso da Lava Jato contribuir de algum modo para esse processo, ficarei
feliz.”
Moro ressaltou que o Brasil pode aprender muito com o
exemplo da chamada Operação Mãos Limpas, que combateu esquemas disseminados de
corrupção na Itália no início dos anos 1990. Os trabalhos tiveram início em
Milão em 1992, com a prisão de Mario Chiesa, ligado ao Partido Socialista
Italiano e acusado de receber valores indevidos. Baseadas em procedimento
semelhante à colaboração premiada, as acusações se multiplicaram, levando à
investigação de mais de cinco mil pessoas. A Mãos Limpas revelou um quadro de
corrupção sistêmica na Itália, no qual o pagamento de propinas havia se
transformado em prática usual para contratos públicos, com envolvimento direto
dos maiores partidos do país.
No entanto, passado o choque que as prisões e os
inquéritos causaram até 1994, a classe política passou a adotar medidas que
reverteram avanços significativos da operação no combate à corrupção. Exemplos
são leis editadas pelo parlamento que praticamente anistiaram vários
envolvidos. Ao final, cerca de 40% dos casos levados à Justiça sequer tiveram o
mérito julgado. “O retrato é de uma grande oportunidade de mudança que se
perdeu. O Brasil deve ficar atento às lições que vêm da Mãos Limpas”, alertou
Sérgio Moro.
Lavagem - Durante sua palestra, o juiz
destacou dois pontos controversos a respeito da legislação que trata da lavagem
de dinheiro. O primeiro deles se refere à conexão entre a prática de ocultação
da origem dos valores e o crime que a antecedeu, para que fique caracterizada a
lavagem. Em casos de corrupção, nem sempre esse nexo está presente, pois
geralmente o corrupto recebe dinheiro limpo para então praticar o delito. No
entanto, Moro mencionou julgamentos recentes no curso da Operação Lava Jato
para demonstrar que, embora a lavagem não seja um pressuposto automático quando
do pagamento de propinas, é possível a condenação por ocultação se houver um
crime anterior associado ao suborno.
Ele citou a condenação de diretores das empreiteiras
Camargo Corrêa e OAS pelos dois crimes (lavagem e corrupção), uma vez que os
valores pagos ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa
eram parcelas do montante adquirido ilicitamente por meio de formação de cartel
e fraude em licitações. Ou seja, o dinheiro era sujo, e para que o suborno
fosse pago, sua origem foi ocultada por meio de simulação de contratos de
prestação de serviços e depósitos em contas sob controle do doleiro Alberto
Youssef. Assim, ficou comprovado que a lavagem era uma prática intrínseca à
consecução dos crimes antecedentes.
Outro ponto ainda não pacificado sobre as condenações por
lavagem de dinheiro, segundo Sérgio Moro, está relacionado à autoria da
ocultação da origem de valores ilícitos. Em delitos complexos, a lavagem
frequentemente é feita por outra pessoa que não o autor do crime principal, em
uma espécie de “terceirização” da prática. A participação de doleiros nessa
etapa é o exemplo mais comum. Quando o agente responsável pela ocultação sabe a
origem irregular do dinheiro com que está lidando, torna-se autor da lavagem,
na modalidade dolosa. No entanto, o impasse surge quando o agente não tem conhecimento
sobre a procedência ilegal da quantia.
Nesses casos, Moro frisa que é possível a condenação por
dolo eventual: o infrator assume o risco de compactuar uma prática
potencialmente ilícita, ainda que não esteja ciente dessa ilicitude no momento
em que aceita prestar o serviço. Há, porém, divergências sobre a aplicação
desse entendimento. “Ainda não temos muitos precedentes, a jurisprudência
quanto a essa questão é escassa”, ponderou o juiz.