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(Millôr Fernandes)

sábado, 29 de agosto de 2015

Em palestra sobre lavagem de dinheiro, Sérgio Moro defende a mobilização da população para promover mudanças no combate à corrupção

Sábado, 29 de agosto de 2015
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Do MPF

MPF em São Paulo promoveu palestra sobre lavagem de dinheiro com Sérgio Moro

O juiz falou sobre a Operação Lava Jato e sobre pontos controversos a respeito da legislação que trata da lavagem de dinheiro
O juiz federal Sérgio Moro afirmou que os brasileiros não podem ter uma confiança cega no futuro e acreditar que as investigações sobre o esquema de corrupção em estatais vá mudar o país. Moro esteve na Procuradoria da República em São Paulo nesta sexta-feira, 28 de agosto, para participar de palestra sobre aspectos legais relacionados à lavagem de dinheiro. Segundo o magistrado responsável pelos processos da Lava Jato em primeira instância, as mudanças necessárias estão muito além dos possíveis resultados da operação.
“O que muda o país são instituições fortes. É preciso promover mudanças políticas, legislativas, culturais. A sociedade tem condições de pleitear isso, muito mais do que os agentes públicos”, declarou o juiz. “Se o caso da Lava Jato contribuir de algum modo para esse processo, ficarei feliz.”

Moro ressaltou que o Brasil pode aprender muito com o exemplo da chamada Operação Mãos Limpas, que combateu esquemas disseminados de corrupção na Itália no início dos anos 1990. Os trabalhos tiveram início em Milão em 1992, com a prisão de Mario Chiesa, ligado ao Partido Socialista Italiano e acusado de receber valores indevidos. Baseadas em procedimento semelhante à colaboração premiada, as acusações se multiplicaram, levando à investigação de mais de cinco mil pessoas. A Mãos Limpas revelou um quadro de corrupção sistêmica na Itália, no qual o pagamento de propinas havia se transformado em prática usual para contratos públicos, com envolvimento direto dos maiores partidos do país.
No entanto, passado o choque que as prisões e os inquéritos causaram até 1994, a classe política passou a adotar medidas que reverteram avanços significativos da operação no combate à corrupção. Exemplos são leis editadas pelo parlamento que praticamente anistiaram vários envolvidos. Ao final, cerca de 40% dos casos levados à Justiça sequer tiveram o mérito julgado. “O retrato é de uma grande oportunidade de mudança que se perdeu. O Brasil deve ficar atento às lições que vêm da Mãos Limpas”, alertou Sérgio Moro.
Lavagem - Durante sua palestra, o juiz destacou dois pontos controversos a respeito da legislação que trata da lavagem de dinheiro. O primeiro deles se refere à conexão entre a prática de ocultação da origem dos valores e o crime que a antecedeu, para que fique caracterizada a lavagem. Em casos de corrupção, nem sempre esse nexo está presente, pois geralmente o corrupto recebe dinheiro limpo para então praticar o delito. No entanto, Moro mencionou julgamentos recentes no curso da Operação Lava Jato para demonstrar que, embora a lavagem não seja um pressuposto automático quando do pagamento de propinas, é possível a condenação por ocultação se houver um crime anterior associado ao suborno.
Ele citou a condenação de diretores das empreiteiras Camargo Corrêa e OAS pelos dois crimes (lavagem e corrupção), uma vez que os valores pagos ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa eram parcelas do montante adquirido ilicitamente por meio de formação de cartel e fraude em licitações. Ou seja, o dinheiro era sujo, e para que o suborno fosse pago, sua origem foi ocultada por meio de simulação de contratos de prestação de serviços e depósitos em contas sob controle do doleiro Alberto Youssef. Assim, ficou comprovado que a lavagem era uma prática intrínseca à consecução dos crimes antecedentes.
Outro ponto ainda não pacificado sobre as condenações por lavagem de dinheiro, segundo Sérgio Moro, está relacionado à autoria da ocultação da origem de valores ilícitos. Em delitos complexos, a lavagem frequentemente é feita por outra pessoa que não o autor do crime principal, em uma espécie de “terceirização” da prática. A participação de doleiros nessa etapa é o exemplo mais comum. Quando o agente responsável pela ocultação sabe a origem irregular do dinheiro com que está lidando, torna-se autor da lavagem, na modalidade dolosa. No entanto, o impasse surge quando o agente não tem conhecimento sobre a procedência ilegal da quantia.
Nesses casos, Moro frisa que é possível a condenação por dolo eventual: o infrator assume o risco de compactuar uma prática potencialmente ilícita, ainda que não esteja ciente dessa ilicitude no momento em que aceita prestar o serviço. Há, porém, divergências sobre a aplicação desse entendimento. “Ainda não temos muitos precedentes, a jurisprudência quanto a essa questão é escassa”, ponderou o juiz.