Terça, 18 de agosto
de 2015
Um dos acusados, Oscar Jucá Neto, é irmão do senador Romero Jucá (PMDB/Roraima)
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Do
MPF
Gestores teriam cometido desvio de
finalidade no pagamento de dívida milionária
Uma empresa privada e cinco pessoas
físicas – entre elas Oscar Jucá Neto, ex-diretor financeiro da Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) – devem responder judicialmente por
irregularidades no pagamento de R$ 8,2 milhões. O pedido consta de uma ação por
improbidade administrativa apresentada pelo Núcleo de Combate à Corrupção do
Ministério Público Federal (MPF) em Brasília. Investigações preliminares
revelaram irregularidades tanto na definição do valor a ser pago quanto na
forma como foi feita a ordem bancária que viabilizou a transferência dos
valores para a companhia Renascença Armazéns Gerais LTDA, considerada, à época
dos fatos, credora de uma dívida que foi questionada por anos na esfera
judicial. Os autores da ação pedem a responsabilização dos envolvidos com base
na Lei de Improbidade Administrativa (8429/92) com a imposição de penas como o
ressarcimento ao erário, a suspensão de direitos políticos e a proibição de
contratar com o poder público.
O pagamento milionário foi feito à
empresa em julho de 2011, após uma longa batalha judicial. A cobrança dos
débitos na esfera judicial começou em 1993, após a rescisão de um contrato
firmado em 1988 entre Renascença e a Cibrazem – empresa pública que, naquela
época, era a responsável pelo armazenamento de alimentos adquiridos pelo
governo no chamado estoque regulador. Segundo o processo, cabia à Renascença
administrar os estoques em armazéns localizados no Pará, no Piauí e em Roraima.
Em contrapartida, a empresa pública deveria pagar pela estocagem – o que não
aconteceu, mesmo depois de um acordo extrajudicial em que a Cibrazem reconheceu
o débito.
Em 2009, a decisão judicial que
reconheceu a existência da dívida e impôs à União a obrigação de quitar a
dívida transitou em julgado, visto que não houve recurso por parte da Conab. Na
época, a estimativa era que o valor devido à Renascença era de R$ 1,8 milhão. O
que se seguiu a essa decisão foi um novo processo (ação monitória), que tinha o
propósito de viabilizar o pagamento. Dois anos mais tarde, como detalham os
procuradores da República que assinam a ação, os recursos foram liberados de
forma indevida e com fortes indícios de desvio de finalidade.
Antes do depósito judicial, houve
tentativas por parte da Conab de saldar o compromisso financeiro com a penhora
de terrenos da empresa pública na capital federal, o que acabou não se
concretizando (embora em uma das tentativas, a credora tenha concordado em
ficar com o terreno). O negócio só não teria se confirmado porque a empresa não
depositou a diferença entre o valor do lotes e o da dívida, estimado em R$ 46,8
milhões.
Pagamento irregular
Na ação judicial, os procuradores
Mirella Aguiar e Frederico Paiva frisam que o episódio foi investigado por meio
de inquéritos (civil e policial), além de uma auditoria da Controladoria Geral
da União (CGU) e de um Procedimento Interno de Apuração (PIA). Em todos, ficou
evidente o que os autores da ação apontam como a principal irregularidade
verificada no procedimento para a quitação do débito: o uso de recursos do
Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) em vez da rubrica específica para
tal finalidade.
De acordo com as investigações já
concluídas, o pagamento deveria ser feito por meio da rubrica Cumprimento de
Sentença Judicial Transitada em Julgado, que não possuía saldo suficiente para
cobrir a despesa. “Tendo em vista que na rubrica adequada não havia montante
suficiente para o adimplemento da dívida, a suplementação desses recursos era o
caminho regular a ser tomado. Ainda assim, mesmo cientes da ilicitude de suas condutas
e das vedações legais e regulamentares para tanto, os agentes públicos ora Réus
optaram por, deliberadamente, seguir a via da ilicitude”, detalha um dos
trechos da ação.
Na ação, os procuradores enfatizam
que um ano antes do pagamento – em 2010 – o setor responsável já havia
solicitado uma suplementação de recursos na rubrica específica como forma de
assegurar o pagamento. Ressaltam, ainda, que um novo pedido de aporte
financeiro foi apresentado no mesmo dia do depósito bancário judicial, o que
comprova, na avaliação dos investigadores, uma inversão das fases
procedimentais: o pagamento de uma despesa sem autorização da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN) e, ainda, o conhecimento da irregularidade por parte dos
responsáveis.
Além da empresa Renascença e de Oscar
Jucá Neto, a lista de envolvidos no caso inclui Germana Dantas Bandeira,
gerente de Controle Financeiro de Opoerações Governamentais da Conab e
responsável pela assinatura da ordem bancária, e Hélio Mouro Umbelino Lobo,
apontado como o verdadeiro dono da empresa e dos recursos pagos pela Conab.
Também constam os advogados Rômulo Sulz Gonsalves Júnior e Rubem Santos Assis,
que respondiam, respectivamente, pelos cargos de procurador-geral da Companhia
e procurador em matéria judicial.
No entanto, segundo os
investigadores, o principal responsável pela articulação do procedimento que
permitiu o pagamento irregular foi Oscar Jucá Neto, então diretor financeiro da
Conab. Ele ficou no cargo por apenas um mês, tempo suficiente para emitir
pareceres, solicitar urgência e, finalmente, assinar a ordem para o depósito
bancário, o que foi feito no mesmo dia (1º de julho) em que teve o nome
incluído no cadastro de operadores do Sistema Nacional de Administração
Financeira (SIAFI). “Foi Oscar, enquanto Diretor Financeiro da Conab, quem
efetuou o pagamento nestes moldes ilícitos, valendo-se, para tanto, da ausência
do presidente da companhia àquela data, para então ter plena liberdade de agir
em benefício da Renascença e em prejuízo do erário”, enfatiza a ação judicial.
A ação questiona outros pontos, como
o fato de os cálculos da correção monetária da dívida terem sido feitos por um
técnico administrativo da Superintendência de Contabilidade quando, de acordo
com os regramentos internos da Conab, as contas caberiam à Superintendência de
Finanças. As investigações revelaram indícios de alteração irregular das regras
para permitir que os cálculos fossem feitos em setor diferente do habitual,
cujo objetivo é atender decisões judiciais. Também é mencionado na ação o fato
de ter sido incluído no montante a ser pago pela Conab, cerca de R$ 750 mil
referentes a uma multa que ainda estava sendo discutida na esfera judicial.
Nomes suspeitos
Peculiaridades descobertas na
constituição e evolução da empresa Renascença Armazéns Gerais são outro aspecto
mencionado na ação judicial. Em um dos trechos do documento de 40 páginas, os
procuradores detalham alterações feitas desde a abertura da empresa em 1988 até
o recebimento da dívida junto à Connab e a destinação final dos recursos a
Hélio Mauro Umbelino Lobo. Chamou a atenção dos investigadores a ocorrência de
várias (foram pelo menos cinco) modificações no contrato social da empresa ao
longo desse período com a inclusão e exclusão de supostos sócios.
Como exemplo dessa movimentação
atípica e suspeita, os procuradores citam a alteração ocorrida em 1992, quando
Roberto Ferreira da Cunha e Madson Martins de Oliveira – ambos moradores de
regiões pobres do Distrito Federal – foram incluídos como sócios na Renascença.
Em depoimento, os dois disseram desconhecer a suposta propriedade e admitiram
ter assinado documentos em troca de dinheiro. Reforça as suspeitas, segundo os
procuradores, a divergência de assinaturas atribuídas aos supostos sócios.
“Postas tais circunstâncias, não há dúvidas de que a empresa não é de fato
controlada pelos sócios registrados”, asseguram os autores da ação. Pelo menos
outros cinco nomes que aparecem nos documentos da empresa também seriam
fantasmas, parte da estratégia montada para garantir o recebimento dos valores
pelo poder público.
Clique aqui para
ter acesso à integra da ação.
Assessoria de
Comunicação
Procuradoria da República no Distrito Federal
Procuradoria da República no Distrito Federal