Terça, 25 de agosto de 2015
Foto: internet
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Do MPF
Procurador contesta alegação de
que denunciados pela morte de Manoel Fiel Filho estão cobertos pela Lei da
Anistia; metalúrgico foi torturado e morto em São Paulo em 1976
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) recorreu
da decisão do juiz federal Alessandro Diaféria, que rejeitou a denúncia
oferecida contra sete ex-agentes da repressão pela morte do metalúrgico Manoel
Fiel Filho, em 1976. Segundo o magistrado, os denunciados são beneficiários do
amplo perdão concedido pela Lei da Anistia aos autores de crimes políticos
entre 1961 e 1979. No entanto, o MPF reafirma que, de acordo com normas
internacionais às quais o Brasil está submetido, delitos como o assassinato de
Fiel Filho são considerados crimes contra a humanidade, impassíveis de anistia
e imprescritíveis.
O metalúrgico, que não tinha antecedentes criminais nem
registros nos órgãos de repressão, foi detido em 16 de janeiro de 1976 por
suspeita de ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Levado para o
Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, na capital
paulista, ele foi submetido a intensas sessões de tortura até o dia seguinte,
quando sofreu estrangulamento e morreu.
O tenente Tamotu Nakao e o delegado Edevarde José
conduziram as agressões, com o auxílio dos carcereiros Alfredo Umeda e Antonio
José Nocete. A equipe seguia as orientações do chefe do DOI na época, Audir
Santos Maciel. Todos foram denunciados por homicídio triplamente qualificado.
Os peritos Ernesto Eleutério e José Antônio de Mello também foram acusados de
envolvimento no episódio por emitirem laudos nos quais atestaram a ausência de
sinais de violência, apesar dos hematomas, principalmente no rosto e nos pulsos
da vítima.
Lei da Anistia - O procurador da República Andrey Borges de
Mendonça, autor do recurso, destaca que, ao rejeitar a denúncia, o juiz
afrontou o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o
julgamento de agentes do Estado envolvidos na repressão política. Em novembro
de 2010, ao analisar o desaparecimento de opositores do regime na Guerrilha do
Araguaia, o tribunal determinou que o Brasil tem o dever de responsabilizar e
punir os oficiais que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura e
que a Lei de Anistia brasileira não pode ser um obstáculo às apurações. O país
é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e está submetido à
jurisdição da Corte, cujas sentenças têm efeito vinculante sobre todos os
Poderes do Estado brasileiro.
“Tal forma de anistia é claramente reprovada pelo Direito
Internacional, que não vê nela qualquer valor. Não bastasse, o Congresso
Nacional não possuía autonomia e independência, e seria pueril crer que havia,
àquela altura, uma oposição firme que pudesse se opor à aprovação da Lei de
Anistia. Os opositores estavam, em sua imensa maioria, mortos, presos ou
exilados. Foi, assim, criada apenas para privilegiar e beneficiar os que se
encontravam no poder, buscando exatamente atingir o escopo ainda persistente:
não haver a punição dos crimes praticados pelos agentes estatais quando estes
saíssem do poder”, destaca o procurador.
O MPF frisa ainda que a ordem do tribunal interamericano
não está em conflito com a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010 que
reconheceu a constitucionalidade da Lei da Anistia. Ao proferir o acórdão, o
STF apenas ratificou a conformidade da lei com a Constituição, sem avaliar sua
compatibilidade com tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte.
Segundo Mendonça, o cumprimento da decisão da Corte não significa que ela seja
superior à do Supremo ou que esteja desautorizando uma autoridade do sistema
judiciário brasileiro. “Cada decisão possui seu objeto próprio e seu parâmetro
específico de análise”, afirma.
Lesa-humanidade - O procurador contesta também a alegação do juiz
Alessandro Diaféria de que não teria havido violações aos direitos humanos em
caráter sistemático e generalizado durante a ditadura militar. O magistrado
nega que os ataques tenham se estendido à grande massa da população brasileira.
No entanto, Andrey Borges de Mendonça lembra que as consequências do regime de
exceção não podem ser dimensionadas apenas com base no número de mortos (369).
Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, pelo menos
1843 pessoas foram torturadas no período, número que a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República estima chegar a 20 mil. Centenas de pessoas
perderam seus direitos políticos, parlamentares tiveram mandatos cassados,
milhares de civis e militares foram aposentados, reformados ou demitidos em
virtude de sua oposição ao governo ditatorial.
Além disso, deve-se considerar que as práticas foram
adotadas pelo Estado, organizadas no chamado Sistema de Segurança Interna, que
articulava as forças regionais e nacionais de combate aos opositores. As
condutas seguiam os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, pela qual
todos os que manifestavam contrariedade ao regime eram tratados abertamente
como “inimigos”.
“A adoção da referida doutrina demonstra que a tortura não
foi um desvio ou anomalia, mas sim pensada e desenvolvida de maneira
sistemática e organizada”, define o procurador. “Houve a adoção da tortura como
política de Estado, que atingiu, de maneira indiscriminada, inocentes e pessoas
envolvidas com a repressão. Manoel Fiel Filho era uma destas pessoas inocentes,
que nada tinham feito de concreto para justificar sua detenção”.
O número do processo é 0007502-27.2015.4.03.6181. O
recurso será enviado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, após as
contrarrazões dos denunciados. Para ler a íntegra, clique aqui.