Domingo, 21 de fevereiro de 2016
Do Correio da Cidadana
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Escrito por Fernando Silva*
Em jantar
reservado com grandes empresários no último dia 15, o ministro da Casa
Civil Jacques Wagner teria declarado que a presidenta Dilma quer deixar
como grande legado do seu governo a reforma da Previdência Social. Ainda
segundo o ministro, a presidenta teria consciência de que não irá mais
recuperar a alta popularidade até o final do seu mandato e o que mais
importava agora seria deixar esse legado.
Convenhamos que há inúmeras outras razões para que a popularidade de
Dilma nunca mais retorne, como, por exemplo, a profunda recessão
econômica e o colapso dos serviços públicos provocados pela rota do
ajuste neoliberal. Mas quem pretende deixar esse tipo de legado não pode
merecer mesmo qualquer popularidade relevante ou confiança do povo.
Ainda que o projeto de reforma do governo não esteja pronto, a ideia é
apresentá-lo em abril ao Congresso Nacional com ideias chaves tais
como: aumentar o tempo da idade mínima para aposentadoria e buscar
unificar em um único regime homens e mulheres, trabalhadores do setor
público e privado, trabalhadores urbanos e rurais.
Vamos resumir a conversa: trata-se de atacar o direito a uma
aposentadoria digna fazendo as pessoas trabalharem mais, buscando para
isso uma unificação que vai retirar direitos constitucionais de setores
como, por exemplo, os trabalhadores e trabalhadoras rurais que podem se
aposentar com 60 e 55 anos de idade, respectivamente. Pela lógica da
reforma governamental o regime jurídico único dos trabalhadores e
trabalhadores do setor público também iria para o espaço.
A armadilha que o governo, grandes capitalistas e seus porta-vozes
apresentam é que esta reforma seria para as gerações futuras, para
começar a valer ao final da próxima década, como se projeta na
unificação dos regimes, e que não se mexeria nos direitos de quem já
está trabalhando. De certa forma é ainda mais grave um governo petista
querer deixar como legado para as gerações futuras uma previdência
social com menos direitos e mais a caráter do aumento do tempo de
exploração no trabalho.
Por mais que mesmo gente séria aponte que o envelhecimento da
população vai aumentar os gastos da Seguridade Social, nenhuma
discussão, do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e
trabalhadoras, pode começar com a lógica do mercado e do capital: esta
sempre versa a retirada de direitos.
Mas é exatamente isso que faz o governo Dilma, como tinha feito o
governo Lula no início do seu primeiro mandato com a reforma da
Previdência do setor público; que, a propósito, gera um ciclo vicioso,
pois após a reforma previdenciária em 2003, diversos governos estaduais
da direita tradicional, especialmente do tucanato, passaram anos
buscando executar a reforma na previdência no setor público estadual,
como vimos nos casos notórios e relativamente recentes de São Paulo e
Paraná sob a batuta do PSDB.
Poderíamos começar o debate com outros parâmetros, como, por exemplo,
acabar com a verdadeira fraude que é o discurso e os números
distorcidos do suposto rombo da Previdência Social, que não leva em
consideração o quanto foi roubado dos cofres da Seguridade Social, por
décadas, através de mecanismos como a DRU (Desvinculação de Receitas da
União) a serviço de, por exemplo, pagar juros da dívida pública. Sem
falar na crescente precarização dos direitos sociais e trabalhistas, que
afeta também a Previdência Social.
O mais assustador é que esse pode não ser o único legado que a
presidenta pretenda deixar para o futuro. Pelo que foi divulgado, o
governo desistiu de apresentar agora um projeto de Reforma Trabalhista
por razões puramente táticas, para não ter que comprar duas brigas ao
mesmo tempo com duas reformas tão impopulares. Ou seja, pode ser que no
próximo ano, especialmente se conseguir passar a Reforma da Previdência,
venha o outro pilar da destruição futura de direitos.
Seria perfeito para o capital: uma amplíssima nova classe
trabalhadora cada vez mais precarizada nos seus direitos trabalhistas e
trabalhando praticamente até morrer. Que legado! Chega a ser espantoso
que ainda há gente que considere esse governo como de “esquerda” ou
“progressista”.
Mas em termos práticos, a luta parar barrar a Reforma da Previdência
que retira direitos deve ser um dos centros da agenda dos movimentos e
representações não cooptadas da classe trabalhadora. Reforma esta
proposta pelo governo federal (que deverá ser apoiada pelos governos
estaduais tucanos). E, portanto, trata-se de uma luta de primeira
grandeza contra o governo Dilma, não cabendo qualquer contorcionismo
político de quem quer pegar carona nessa bandeira para defender um
governo cada vez mais indefensável.
Notas
O ajuste no presente. Enquanto prepara seu legado
futuro ao lado do grande capital, o ajuste do governo Dilma no presente
destrói direitos e vidas. As epidemias avançam, na brecha do saneamento
básico precário para mais da metade da população e do colapso da saúde
pública, e o governo federal e 17 governos estaduais cortam recursos
para a prevenção de epidemias. A queda em 2015 destes recursos foi de
quase 10% em relação a 2014. Instaladas as epidemias neste ano, corre-se
atrás, mobilizando até o exército para combater o mosquito. Mas o
buraco desta crise é muito mais embaixo e dramático. Lembremos que para o
Orçamento de 2016 o governo cortou R$ 3,8 bilhões da Saúde... Não é de
se espantar que em pleno andamento de três epidemias a espera para um
atendimento na rede pública chegue a ser de 10 horas.
Vem mais por aí. Vamos ver o que vem para março,
quando o governo Dilma vai anunciar o tamanho dos cortes e
contingenciamentos finais ao Orçamento de 2016. Detalhe: de todos os
cortes lançados pelo governo sobre o Orçamento de 2016, já desde o ano
passado, de todos os decretos governamentais para conter gastos de
custeio e investimento (como o publicado no último dia 12), nenhum
deles, nada, coisa alguma, diz respeito a cortar, reduzir ou tocar no
religioso pagamento dos juros da dívida pública. As epidemias que
devastem o país, os banqueiros não podem esperar. Que legado!
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Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL
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