Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Durante
os intermináveis 21 anos da ditadura militar, consolava-nos tanto o
pensamento de que o pesadelo terminaria um dia quanto a percepção de
nossa superioridade intelectual e moral sobre aqueles que só tinham como
trunfos a força bruta e o poder econômico de seus amos.
Éramos os brilhantes, eles os medíocres.
Estas certezas nos reconfortavam, enquanto víamos o tempo passar sem proveito, anos e anos indo para o ralo num Brasil manietado e amordaçado.
As liberdades básicas de uma democracia burguesa, eu só as conheci de verdade aos 34 anos, pois até os 13 estavam distantes das minhas preocupações e em seguida vieram as duas décadas de ordem unida e paz dos cemitérios.
Quando os horizontes maiores da vida social começaram a me interessar, o
que havia era medo, restrições e enganações. Foi por se chocar com
tantos bloqueios e terrenos minados que a geração 68 teve de afirmar-se
pelo arrojo e inconformismo. Ou seríamos rebeldes, ou abúlicos.
Escolhemos a rebeldia.
E o outro dia
finalmente chegou. Saímos da ditadura ansiosos por recuperar o tempo
perdido, lançando-nos de imediato à luta por um Brasil com liberdade e
justiça social.
O Partido dos Trabalhadores nasceu para ser o artífice do futuro há
tanto sonhado, o principal instrumento da concretização de nossos
ideais. E fracassou miseravelmente.
Trocou a bandeira da justiça social pela de pequenas melhoras nas
condições de vida dos coitadezas, sem que sequer fosse reduzida a
escandalosa desigualdade entre explorados e exploradores, pois o momento
auspicioso da economia brasileira permitia-lhe dar, simultaneamente, um
tantinho a mais para os primeiros e a parte do leão para os segundos.
Os militantes abnegados, cuja influência nos rumos do partido se queria
reduzir cada vez mais, sentiram-se desestimulados e foram debandando. O
PT passou então a escorar-se nos serviçais remunerados, que fazem da
causa profissão e atraem a hostilidade do povão por estarem pendurados
nos cabides de empregos públicos ou serem beneficiários de verbas
públicas sob infinitos pretextos.
A moral revolucionária foi trocada pela moral de conveniência, "se os
tucanos fazem, por que não podemos fazer também?". O partido que se
propunha a extirpar a podridão da política oficial acabou chafurdando
também na lama e na merda, a ponto de hoje ser visto pelo cidadão comum
como farinha do mesmo saco.
A defesa dos direitos humanos passou a ser a última das prioridades do
partido, principalmente em razão da promiscuidade com alguns ditadores
psicopatas, aos quais tudo se justificava e desculpava (neste sentido,
ordenou-se à rede chapa branca
que satanizasse organizações sérias como a Anistia Internacional, cujos
relatórios escancaravam a nudez desses tiranetes bestiais).
O internacionalismo revolucionário cedeu lugar à mais tosca e amoral
geopolítica, ao apoio cínico a qualquer antagonista dos EUA, Israel ou
Europa, por pior que fosse na ótica marxista. Aliás, o velho barbudo
vomitaria se presenciasse a lua de mel entre ditos esquerdistas e os
mais odiosos regimes teocráticos/genocidas.
Pior: o PT passou a ter como razão de ser a própria sobrevivência e a
manutenção/expansão de seu quinhão de poder dentro da sociedade
capitalista, relegando a plano muito inferior os interesses dos
trabalhadores. Assim, chegou ao cúmulo de aderir ao neoliberalismo em
2015, encampando de um momento para outro a desumanidade das propostas
de Milton Friedman, depois de passar décadas criticando-as.
E. last but not least,
fez de Goebbels o guia genial de sua propaganda enganosa, mentindo
descaradamente e estimulando seus seguidores a mentirem na cara dura,
como quando tenta fazer impeachment passar por golpe, martelando mil
vezes tal falácia até o rótulo colar.
A verdade deixa de ser revolucionária, passa a ser utilitária. E a superioridade moral dá lugar à participação, em condição de igualdade, na grande confraria brazuca dos mentirosos, manipuladores e oportunistas.
Levamos quatro anos para superar o descrédito que a rendição sem luta de 1964 nos acarretou. Quantos serão agora necessários para reconquistarmos a confiança do nosso povo, depois desta verdadeira praga de gafanhotos que devastou a esquerda brasileira?
A verdade deixa de ser revolucionária, passa a ser utilitária. E a superioridade moral dá lugar à participação, em condição de igualdade, na grande confraria brazuca dos mentirosos, manipuladores e oportunistas.
Levamos quatro anos para superar o descrédito que a rendição sem luta de 1964 nos acarretou. Quantos serão agora necessários para reconquistarmos a confiança do nosso povo, depois desta verdadeira praga de gafanhotos que devastou a esquerda brasileira?