Terça, 22 de agosto de 2017
Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil
Em 2018, as Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro vão completar dez anos de
implantação. Uma pesquisa divulgada hoje (22) pela Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes, aponta
que a maioria dos moradores das comunidades está indiferente em relação
ao projeto.
Questionados sobre o que achavam do programa, mais
da metade dos entrevistados, nos 37 territórios com UPP, respondeu "não
faz diferença". Cerca de 49% das pessoas ouvidas declararam que a
UPP local não vem melhorando nem piorando a vida desde a instalação,
reiterando "a impressão de indiferença, desconhecimento ou baixa percepção dos impactos do programa numa parcela considerável dos moradores das favelas", diz o estudo.
Perguntado se a UPP é um projeto falido, 66,1% concordaram, 17,1% discordaram e 16,8% não opinaram. Entretanto,
de acordo com uma das coordenadoras da pesquisa, Sílvia Ramos,
surpreendeu o dado de que quase 60% dos moradores ouvidos não querem que
o projeto acabe.
“Apesar da avaliação extremamente
crítica por parte de muitos moradores sobre as UPPs, quando perguntamos
se preferiam que as UPPs acabassem, quase 60% responderam que
prefeririam que ficassem, mas que fossem modificadas”, disse.
Para
79% dos entrevistados, uma das medidas necessárias para melhorar o
desempenho da iniciativa seria punir os maus policiais. Outras mudanças
necessárias citadas foram: melhores condições de trabalho, projetos de
capacitação para os jovens e os policiais e a tão prometida oferta de
outros serviços públicos, além do policiamento.
Tiroteios
Mulheres
são mais favoráveis à permanência da UPP do que os homens (66% contra
58%), e brancos mais do que negros (70% contra 61%). Metade dos
moradores afirmou que os tiroteios ocorrem com mais frequência agora do
que antes ou no início da UPP. O estudo revela ainda que os jovens são
os mais críticos à atuação dos policiais nas favelas.
“Os que
mais defendem o fim das UPPs são aqueles que foram mais abordados pela
polícia e que tiveram suas casas revistadas. Esse tipo de experiência,
muito mais frequente entre os jovens, é muito negativa para a avaliação
de todo o resto. Os jovens são um grupo que merece atenção especial,
pois já sofrem muito preconceito, sobretudo, o jovem negro”, disse.
Ao todo, 38% dos entrevistados relataram situações em que os policiais das UPPs xingaram ou humilharam moradores da comunidade.
A pesquisadora lembrou que estudo feito apenas com policiais que atuavam em UPPs, em 2014, apontou que as relações entre policiais e moradores estava se deteriorando de forma acelerada.
Outro
ponto revelador do estudo, segundo a pesquisadora, foi que 95,8% dos
entrevistados declararam não ter tido contato direto com os policiais da
unidade em situações do cotidiano.
“Aquele projeto do
policiamento de proximidade, do policial que criaria um enraizamento
comunitário, que estaria presente na vida dos moradores, não se
cumpriu”, opinou Sílvia.
A pesquisadora Leonarda Musumeci, que
também coordenou o estudo, ressaltou que - nas áreas nobres do Rio - foi
registrada maior percepção de impactos positivos do programa.
Cerca
de 48% dos moradores das zonas sul e centro afirmaram que a UPP trouxe
benefícios. Já os da zona oeste, área mais negligenciada pelo Poder
Público, apenas 23% viram impactos positivos depois da UPP e 45%
disseram que a UPP trouxe problemas, contra 18% dos moradores da zona
sul e centro.
“Em outras palavras, os resultados da pesquisa
parecem refletir a costumeira desigualdade de tratamento do Poder
Público às regiões mais ricas e mais pobres do município”, afirmou.
“Na
medida em que as UPPs foram se multiplicando, em uma velocidade
impressionante, os cuidados que havia em relação às primeiras favelas
atendidas, na zona sul, foram se perdendo. Nas últimas experiências mais
para a zona oeste, essas favelas receberam um tipo de policiamento mais
ostensivo, criando relações de hostilidade com os moradores”, explicou
Sílvia.
Para 40% dos moradores, a falta de infraestrutura e de
serviços urbanos é o principal problema enfrentado na favela, seguido de
violência, insegurança, confrontos e tiroteios (32%).
Sobre a pesquisa
A
pesquisa foi feita entre 8 de agosto e 25 de outubro de 2016, com
questionário de 56 perguntas e uma amostra domiciliar aleatória de 2.479
pessoas com 16 anos ou mais de idade. Foi considerado um universo de
777.506 homens e mulheres, cerca de 15% da população carioca com 16 anos
ou mais, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A margem de erro é de 4%.
O
Programa de Polícia Pacificadora (UPP) começou em dezembro de 2008, com a
ocupação da favela Santa Marta, no bairro de Botafogo, zona sul. De
2009 a 2014, outros 36 territórios da cidade foram incorporados ao
programa.