Da Ponte
17/11/19 por Arthur Stabile, Jeniffer Mendonça e Paloma Vasconcelos
‘Parlamento
Mundial de Segurança e Paz’ deixou de integrar instituições da ONU em janeiro,
mas ainda entrega honrarias em nome da entidade internacional
Uma instituição brasileira chamada Parlamento Mundial de Segurança
e Paz, na sigla em inglês WPO (World Parlament of Security And Peace), vem
premiando pessoas em nome da ONU (Organização das Nações Unidas) sem ter
ligação com a entidade internacional. Uma das medalhas entregues pela entidade
traz erros a palavra em inglês word (palavra)
escrita no lugar de world (mundo).
Desde janeiro de 2019, o grupo não faz mais parte da lista de
instituições vinculadas à organização mundial, mas usa o falso vínculo na
entrega de honrarias. Uma de suas integrantes, Veruska Rodrigues, concorreu nas
eleições de 2018 pelo PSL (Partido Social Liberal), partido do presidente Jair
Bolsonaro.
Veruska, autointitulada “Embaixadora Humanitária da Paz pela ONU”,
continua homenageando pessoas com o título “Benfeitor da Humanidade” em nome da
Organização das Nações Unidas. É possível confirmar a retirada da WPO do site da ONU,
conforme a própria Organização informou à Ponte. A WPO entrou
na lista do Pacto Global em 2015 e foi desligada no começo de 2019 por não
comunicar seus progressos, segundo a entidade internacional.
WPO usa logo da ONU em convite para
entrega de título ‘benfeitor da humanidade’ a agente de segurança | Foto:
Reprodução
Curiosamente, ao propagandear uma ligação imaginária com a ONU,
Veruska mostra uma admiração pela organização internacional que nunca foi
compartilhada pelo atual presidente. Durante a campanha eleitoral,
Bolsonaro ameaçou deixar a entidade caso
eleito. “Não serve para nada essa instituição”, disse o então candidato,
chamando os integrantes do grupo de “comunistas”. Uma vez eleito, porém, deixou
esses planos de lado.
A WPO, de Veruska, está registrada como “organização da sociedade
civil de direito”, segundo o site da Receita Federal. A descrição aponta como
atividade econômica principal “atividades associações de defesa de direitos
sociais” e, a secundária, “atividades associativas não especificadas
anteriormente”. Sua sede fica no município de Senador Canedo, em Goiás. A
reportagem tentou contato através dos números informados à Receita, sem
conseguir contatar representantes da ONG em sua base de atuação.
Diploma de Embaixadora da Paz de Veruska Rodrigues | Foto:
Divulgação
Em nota enviada à Ponte, a ONU
confirma que a WPO não possui mais vínculos com a organização. “Com frequência
esta entidade entrega títulos de ‘embaixador da Paz’. Informo que este prêmio
ou título da referida ONG não tem nenhuma relação com os Embaixadores da ONU. O
Pacto Global é uma iniciativa de sustentabilidade corporativa, com mais de 13
mil membros que não pertencem à ONU, mas, sim, ao Pacto”, diz a nota oficial
enviada à reportagem pelo UNIC (Centro de Informação das Nações Unidas, em
português), do Rio de Janeiro.
Um policial foi homenageado pela entidade brasileira no segundo
semestre deste ano. Naquele momento, a descrição é de que aquela honraria era
cedida em parceria com a ONU e teria validade internacional, conforme consta em
convites para o evento e no diploma entregue ao agente. O logo da ONU é usado
no informe.
O policial foi informado pela Ponte de que a
WPO não possui vínculos com a ONU e que a própria organização internacional
assegura não ter ligações com a honraria. Ele se sentiu exposto ao saber de que
a homenagem não tem vínculos com a entidade internacional. Para o profissional,
o caso é motivo de chacota.
Medalha entregue a um dos homenageados possui erro de
caligrafia no nome da entidade: word (palavra) em vez de world (mundo) | Foto:
Divulgação
“Eu estou pasmo, nem sei o que dizer. Levei toda família lá para
prestigiar, convidei amigos especiais de muito longe para ir e divulguei
amplamente nas minhas redes sociais… Para receber essa notícia desanimadora.
Estou me sentindo completamente constrangido”, confessa, pedindo anonimato pelo
impacto que a situação traria para sua imagem.
A medalha entregue ao agente homenageado apresenta a inscrição
“Word Parlament of Security And Peace” com erro na escrita. Em vez de World
(mundo), como consta em seus registros, o nome está escrito como Word
(palavra). Logo abaixo há o título de “bem feitor da humanidade” e o logo da
WPO. A medalha não faz nenhuma referência à ONU.
“Espero que os responsáveis expliquem-se acerca dos fatos, pois a
vergonha que sinto já não cabe mais em mim. Se for verdade é de uma
irresponsabilidade imensurável falar em nome de uma instituição sabendo que
você não tem autorização”, acrescenta o policial.
Carreira política
A reportagem conversou com Veruska Rodrigues, que se declara
Embaixadora da Paz pela ONU. Ela rebate o posicionamento oficial da organização
internacional e garante que a WPO faz, sim, parte da ONU. Segundo ela, basta
entrar na página oficial da WPO para acessar os registros. A reportagem buscou
os registros informados pela representante da instituição brasileira,
entretanto, os links informados estão fora do ar.
“Sou Embaixadora Humanitária da Paz, conforme passado, pelo
Parlamento Mundial de Segurança e Paz, que é uma sociedade civil registrada na
ONU, conforme os links enviados. Se você entrar na página e buscar os
registros, poderá ter uma noção melhor. Embaixadores da ONU exercem a
Diplomacia”, afirma Veruska, em contato com a reportagem.
Reprodução do site da ONU com a informação da saída da WPO
da lista de instituições | Reprodução/Site do Pacto Global
Veruska afirma que, segundo o presidente do Parlamento Mundial
para Segurança e Paz, Celso Dias, eles estão, sim, registrados na ONU. A Ponte procurou Celso por telefone e mensagens
através do aplicativo WhatsApp, mas não obteve retorno até o momento de
publicação desta matéria. Assim como Veruska, Celso também já se candidatou
pelo PRTB, mas como vice-prefeito de Santo Antônio do Descoberto, cidade no
interior de Goiás, em 2008. Ele foi substituído pois sua candidatura foi
considerada inapta e, consequentemente, indeferida.
Segundo a Justiça Eleitoral, Veruska disputou as eleições de 2018
pelo PSL (Partido Social Liberal) e recebeu 1.255 votos. Ela alcançou a
suplência no cargo de deputada estadual por São Paulo, ainda que sua
candidatura tenha contas consideradas “não prestadas” pelo TRE-SP (Tribunal
Regional Eleitoral). Em 2016, Veruska se candidatou para tentar um cargo como
vereadora em São Paulo pelo PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro),
partido do presidenciável em 2018 Levy Fidelix, mas não foi eleita nem conquistou
vaga como suplente.
Em suas redes sociais, Veruska apresenta uma série de postagens
apoiando ações do governo Jair Bolsonaro e seus aliados e fazendo críticas ao
PT e ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A “embaixadora da paz” também
compartilha conteúdos que criticam os direitos humanos, como o que mostra as
mãos da “imprensa” e dos “direitos humanos” calando a boca de um policial.
Foto: Reprodução/Facebook
Veruska compartilha textos de Olavo de Carvalho, uma das
referências intelectuais do presidente Bolsonaro. Celso Dias também ostenta
fotos com Bolsonaro em suas redes sociais, uma delas tirada em Boston, nos
Estados Unidos, durante a campanha presidencial, conforme publicou.
Em junho de 2019, Celso Dias esteve na Alesp (Assembleia
Legislativa de São Paulo) a convite do deputado estadual Coronel Nishikawa (PSL-SP)
e explicou a atuação da WPO em conjunto com a ONU. “Solicitei a prisão junto ao
tribunal penal internacional do presidente Bashar Al Assad [que governa a
Síria, que está em guerra interna desde 2011], por genocídio infantil com
testes de armas químicas”, exemplifica, citando que houve apoio do “embaixador
no Iraque, Síria e Líbano”, que teria feito translado de refugiados “que se
encontravam no Iraque”.
Ainda na Alesp, Celso disse que a ajuda da ONU foi fundamental
neste trabalho. “Difícil foi a verba para levá-los daqueles locais”, relembra.
“Na época entramos em contato com Ban Ki-Moon (secretário geral da ONU de 2007
a 2017), passamos o relatório e após meu pronunciamento no Líbano, de que
teríamos de fazer esse translado em caráter emergencial”, prossegue, citando
que o alerta envolvia a morte de “500 crianças (chegou a 25 mil, segundo levantamento
feito posteriormente), a ONU liberou a verba para assistência médica,
odontológica e psicológica e de reintegração social”.
Imagem de campanha em Veruska se associa à imagem de
Bolsonaro | Foto: Reprodução
A outra representante segue defendendo o trabalho feito pela WPO.
“No que tange trabalhos sociais, há como comprovar que, desde 2002, socorro
pessoas, amparo, protejo e defendo diante da Omissão e inércia do Estado. Se,
de fato, o Parlamento Mundial de Segurança e Paz tiver sido retirado, seria bem
possível haver má fé”, alega Veruska em explicação à Ponte.
Reais representantes da ONU
Desde 1953, a ONU nomeia personalidades mundo afora para ocupar o
posto de Embaixadores da Boa Vontade, como explica a organização. A atacante
Marta, jogadora da seleção brasileira feminina que já foi seis vezes eleita
melhor do mundo, por exemplo, é embaixadora da Boa Vontade do PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Printi do site do Parlamento Mundial de Segurança e Paz, que
saiu do ar posteriormente | Foto: Reprodução
Também são embaixadores da ONU no Brasil, o ator Mateus Solano e a
cantora Wanessa Camargo, que representam a UNAIDS (Programa de combate ao
HIV/AIDS), e pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). A ONU ainda
nomeou como embaixadores os atores Lázaro Ramos e Renato Aragão, a cantora
Daniela Mercury e Mônica, personagem dos quadrinhos de Maurício de Sousa,
conforme consta em liks da entidade (acesse as listas clicando aqui e os demais embaixadores aqui).
A Organização das Nações Unidas também reforça à Ponte o papel dos seus embaixadores. “Artistas,
ativistas, intelectuais, atletas e cantores estão entre as celebridades que têm
dedicado parte do seu tempo e sua imagem perante o público a causas
humanitárias internacionais. Muitos o fazem em parceria com órgãos e agências
das Nações Unidas. Apesar das diferentes carreiras, os Embaixadores da Boa
Vontade possuem algo em comum: a disposição em usar seu tempo e influência para
ajudar pessoas em todo o mundo”, afirma a organização em nota.
A Ponte questionou a Alesp
(Assembleia Legislativa de São Paulo) e o deputado estadual Coronel Nishikawa
se estavam cientes de que a WPO não possuía vínculos junto à ONU quando
convidada para participar de cerimônia no local. No entanto, nem a Assembleia
nem o deputado responderam aos questionamentos.