Da PONTE
Homem que teve carro
roubado reconhecia que Heverton Enrique Siqueira não participou do crime, mesmo
assim a Justiça o manteve preso por 39 dias
Heverton tinha carta da vítima como prova para inocentá-lo
da acusação | Foto: Arquivo pessoal
A
Justiça de São Paulo decidiu revogar a prisão preventiva de Heverton Enrique
Siqueira, 20 anos, suspeito de roubar um carro e três celulares em 10 de
outubro, na região de Sapopemba, zona leste da cidade de São Paulo. Ele
permaneceu preso por 39 dias, mesmo com a própria vítima do crime o inocentando, assegurando que ele
não era o real criminoso. Sua saída do CDP (Centro de Detenção Provisória) de
Mauá, em São Paulo, acontecerá nesta terça-feira (19/11).
Nesta
segunda-feira (18/11), a juíza Teresa de Almeida Ribeiro Siqueira optou por
libertá-lo no dia em que estava agendada nova audiência sobre o caso. Nela, o
motorista de aplicativo de transporte roubado naquela data concedeu depoimento
após tentar por duas vezes corrigir o primeiro reconhecimento feito no caso,
minutos depois do crime acontecer. Ele descreveu que apontou de forma errada
Heverton e um adolescente de 17 anos como os autores do crime.
Os
dois policiais militares que prenderam o jovem não compareceram ao Fórum
Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, local da audiência, o que
adiou uma decisão definitiva sobre o caso – acontecerá somente em 2020, em data
a ser definida. No entanto, a juíza acatou pedido da defesa e considerou os
elementos probatórios suficientes para libertar o jovem. Sendo assim, Heverton
passa a responder o processo em liberdade.
De
acordo com o advogado Rogério Leonetti, o depoimento da testemunha foi crucial
para a liberdade de Heverton. “A vítima confirmou que não foi ele, que tinha
visto os reais meliantes que roubaram ele, a juíza entendeu que isso era uma
verdade. Não é absolvição ainda, nem condenação. Ela achou por bem conceder a
liberdade provisória”, explica. Segundo ele, Heverton precisará seguir algumas
regras enquanto a outra instrução para ouvir os policiais não acontecer, mas,
segundo ele, o dia é de vitória.
A
decisão emocionou a família do rapaz. “Agradeço a todos que apoiaram a gente,
não temos nem palavras para agradecer, estamos muito felizes. Estamos nem
acreditando. Tenho certeza que ele está mais do que a gente, foi ele que sofreu
naquele lugar [prisão]”, declarou a irmã que mora com Heverton, Leiliane
Santos, 24 anos.
A
mãe de Heverton, Jorgia Cristine Siqueira, já pensa no futuro e diz que
pretende “montar alguma coisa” para o filho trabalhar, por saber que “as
pessoas que passaram por esse outro lado [prisão] têm dificuldade de emprego”.
Ela agradeceu à Ponte Jornalismo, que
denunciou o caso em 15 de outubro, alertada pela Rede de Proteção e Resistência
Contra o Genocídio. “Tenho certeza que a Ponte foi
um ponto crucial para chegar onde chegamos agora”, disse.
Momento em que advogado informa familiares que Heverton será
solto | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo
“Não
sei nem explicar a felicidade que eu estou sentindo. Muita ansiedade para dar
um abraço nele, não estou aguentando. Só quero ele aqui fora para construirmos
nossa vida”, afirma Kelly Meira da Silva, 19 anos, namorada de Heverton.
Entenda o caso
Heverton fumava em uma praça próxima à sua casa no dia 10
de outubro quando abordado pelos policiais militares. Eles procuravam dois
suspeitos de terem roubado o motorista a cerca de 1,6 quilômetro de onde
encontraram o jovem. Levado para o 69º DP (Teotônio Vilela), a vítima então o
reconheceu.
O
procedimento da Polícia Civil infringiu as normas do Código de Processo Penal:
além de não ser colocado ao lado de pessoas parecidas, Heverton foi forçado a
usar um capuz que escondia seu rosto. Só então, ao deixar de ver o rosto do
suspeito, é que a vítima o reconheceu.
O
jovem possui registros de ligações telefônicas que fez com sua namorada no
mesmo horário em que o crime aconteceu, por volta de 8h19 daquela manhã. Há
testemunhas, como uma de suas irmãs, que participou da mesma conversa.
No
dia seguinte ao crime, contudo, a vítima percebeu que havia se enganado, quando
reconheceu, na rua, as duas pessoas que o haviam roubado. Ali começou sua
tentativa de tirar dois inocentes da prisão. Primeiro tentou ir sozinho ao DP, mas ouviu que o delegado Daniel Bruno Colombino só
voltaria na semana seguinte e ninguém colheu seu depoimento para corrigir o
reconhecimento feito no dia anterior. O mesmo aconteceu no dia 7 de novembro,
dessa vez com o advogado que defende Heverton, novamente sem êxito em retificar
o reconhecimento.
Para
tentar agilizar a liberdade e inocência do rapaz, a vítima escreveu uma carta
de próprio punho, reconheceu-a em cartório e entregou para a defesa anexar o
documento ao processo. A juíza, contudo, ignorou a carta e manteve a decisão de
só ouvir a testemunha na audiência de hoje, quando decidiu pela soltura de
Heverton.
Para
o advogado Cristiano Maronna, conselheiro do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais), a decisão de manter Heverton preso por tanto tempo
“destaca o racismo institucional existe no Judiciário”. “Se a própria vítima
reconhece que errou, teria que ser libertado imediatamente. Esperar até 18 de
novembro para algo que já pode ser identificado agora?! É a prova maior de que
a liberdade, especialmente dos pretos, tem muito pouco valor no Brasil. É mais
um elemento que destaca o racismo institucional existe no Judiciário”, analisa.