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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

PL que tira punição de agentes em GLO é inconstitucional e sem paralelo até mesmo com períodos da ditadura, aponta MPF

Quarta, 27 de novembro de 2019
Do MPF
Procuradoria dos Direitos do Cidadão e Câmara de Controle da Atividade Policial e Sistema Prisional enviaram nota técnica aos parlamentares que irão analisar a matéria
Imagem de manifestação com policiais acompanhando
Foto: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
O Projeto de Lei 6.125/2019, recentemente apresentado pela Presidência da República ao Congresso Nacional, instituirá um regime de impunidade para crimes praticados por militares ou policiais em atividades de Garantia da Lei da Ordem (GLO). O alerta é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e de Sistema Prisional (7CCR), ambos do Ministério  Público Federal.

Nesta terça-feira (26), a PFDC e a 7CCR encaminharam aos parlamentares que irão analisar a matéria uma Nota Técnica na qual apontam que as propostas do PL 6.125 são flagrantemente inconstitucionais e sem paralelo – até mesmo se comparada aos atos institucionais da ditadura militar.
“Há uma autorização implícita, mas efetiva, para que as forças de repressão possam, sob o manto de uma operação de GLO, fazer uso abusivo e arbitrário da violência, com grave risco de adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional”.

O Projeto de Lei 6.125/2019 estabelece normas aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem e aos policiais militares ou civis que a elas eventualmente prestem apoio. Segundo declarações de membros do governo federal, o PL representaria um conjunto de normas voltadas a enfrentar possíveis distúrbios em manifestações públicas.

Para os dois órgãos do Ministério Público Federal, no entanto, a proposição tem como objetivo garantir aos agentes estatais um regime jurídico privilegiado em relação ao dos cidadãos em geral.

“Trata-se de instituir um permanente espaço de exoneração de responsabilidade das forças estatais de segurança pública. E isso quando o país experimenta as mais aviltantes taxas de letalidade policial, com um aumento de 4% apenas no 1º semestre de 2019, especialmente no estado do Rio de Janeiro, no qual se superará em 2019 o recorde de mortes provocadas por confrontos com a polícia. E mesmo após essa letalidade ter aumentado 19,6 % de 2017 para 2018, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.”.

No documento aos parlamentares, a PFDC e a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial chamam especial atenção quanto às previsões do parágrafo único do artigo 2º do PL 6.125, que considera como em legítima defesa o militar ou o agente que repele injusta agressão, atual ou iminente. O texto classifica de "injusta agressão" práticas capazes de gerar morte ou lesão corporal, assim como atos de terrorismo nos termos da Lei nº 13.260/2016.

“Esse dispositivo é descabido por presumir a licitude de uma conduta que é, em si, ilícita. Em realidade, esse preceito inverte o sistema jurídico constitucional e criminal, ambos baseados no máximo de contenção das forças de segurança, de modo a evitar o evento morte”.

A PFDC e a 7CCR destacam que as excludentes de ilicitude são previstas na legislação penal para evitar a punição de determinadas condutas tipificadas como crimes, mas que são praticadas em circunstâncias que não revelam antijuridicidade, ou seja, contrariedade ao direito.

“O PL pretende alterar esse quadro normativo consolidado no direito brasileiro para criar novas hipóteses de impunidade para agentes públicos. E aí afronta um dos princípios centrais da Constituição, o princípio republicano – segundo o qual todos os agentes públicos devem responder política e juridicamente pelos próprios atos, conforme inclusive tem endossado o Supremo Tribunal Federal”.

De acordo com a Nota Técnica, o propósito de garantir impunidade específica aos agentes públicos é ainda ressaltado pela redação dos artigos 3º e 4º do PL. O primeiro prevê que, mesmo quando houver excesso doloso do agente na legítima defesa, o juiz poderá atenuar a pena. Já o artigo 4º, por sua vez, veda a prisão em flagrante de militares e policiais quando se aponte o exercício de legítima defesa.

“De destacar que esses dois artigos não têm incidência limitada às situações de GLO, mas sim para qualquer hipótese de alegação de legítima defesa. Eles são amplos e pretendem garantir que militares e policiais, em regra, não serão presos em flagrante quando alegarem que agiram em legítima defesa e, ainda, que suas penas por eventual excesso doloso poderão ser atenuadas pelo juiz.”

A Nota Técnica aos parlamentares lembra, ainda, que a Constituição Federal assegura os direitos  de reunião, associação, manifestação e protesto,  e ressalta que essas são garantias absolutamente fundamentais em países como o Brasil – de um longo passado de privilégios e de desigualdades abissais.