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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 19 de novembro de 2019

PM matou Ágatha Félix e mentiu em inquérito, segundo delegado

Terça, 19 de novembro de 2019
Da Ponte
19/11/19 por Maria Teresa Cruz


Indiciado por homicídio, PM foi afastado e segue em liberdade; menina de 8 anos foi uma das 1.402 vítimas de ações policiais no RJ entre janeiro e setembro deste ano

Agatha Félix foi morta no dia 20 de setembro no Complexo do Alemão, zona norte do RJ | Foto: reprodução/Facebook

A Polícia Civil do RJ concluiu que a Polícia Militar assassinou Agatha Felix, 8 anos, ao cometer um erro na operação contra o tráfico de drogas ocorrida no dia 20 de setembro no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. Um PM da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Fazendinha foi indiciado por homicídio doloso, quando há intenção de matar. A identidade do policial não foi divulgada. A Polícia Civil também pediu o afastamento do PM. O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público do RJ nesta terça-feira (19/11).
De acordo com o delegado titular da Delegacia de Homicídios, Daniel Rosa, ficou provado que houve um erro na ação policial que custou a vida de Agatha e que não houve troca de tiros, conforme versão dos PMs. “É importante frisar que esse policial matou Agatha por um erro de execução, que é um termo jurídico técnico que significa o seguinte: ele tem por objetivo uma ação, mas por um erro chega a outro resultado, que nesse caso foi que a bala bateu em um anteparo e acabou por atingir a menina. A conclusão demonstra que havia intenção de atingir uma pessoa, o suspeito, mas por um erro atingiu a menina Agatha”, explica. A investigação concluiu que os policiais atiraram, pelo menos, três vezes.

Para Silvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança Pública, do CESeC, Universidade Candido Mendes, o caso Agatha mostra como a política de segurança no Rio, comandada por Wilson Witzel, é permissiva com a violência policial.

“Policiais se sentem autorizados a atirar para matar dentro de favelas. E existe a recomendação das autoridades para atirar e matar antes de perguntar. Jamais a polícia admite que cometeu excesso de uso da força e matou sem razão. Todas as polícias do mundo usam um princípio que é ‘maior efetividade com menor letalidade’; a polícia do RJ transformou isso em: ‘grande letalidade independente de efetividade'”, criticou Silvia Ramos.

Na versão de uma das testemunhas, um dos ocupantes da moto, que seria alvo dos disparos do PM, estaria com uma esquadria nas mãos e que o objeto teria sido confundido com uma arma. “O que apuramos foi que a hora que a moto passou, numa certa velocidade, o policial que estava ali se sentiu em risco, alegou que a pessoa estava armada e atirou. Ele afirmou que houve um disparo e que ele reagiu, mas ficou provado que a pessoa não deu tiros e não estava armada”, explicou Marcus Drunker, delegado adjunto, que, ao ser questionado se o PM então mentiu, se limitou a dizer que “são versões”.

Não é a primeira vez que esse tipo de situação, em que um objeto é “confundido” com uma arma, acontece no Rio. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em maio de 2010, quando um policial do Bope (Batalhão de Operações Especiais) atirou em Helio Ribeiro, que estava no terraço da casa dele com uma furadeira, no Morro do Andaraí, zona norte do RJ. Um outro, mais recente, aconteceu em setembro do ano passado e divulgado pela Ponte, quando Rodrigo Alexandre Serrano esperava a mulher dele em um ponto da Favela Chapéu Mangueira, na zona sul, e foi morto porque o guarda-chuva foi confundido com um fuzil.

Silvia Ramos considera inaceitável que, diante de tantas mortes pelas mãos da polícia – foram 1.402 entre janeiro e setembro deste ano, o que equivale a 5 mortes por dia -, apenas nesse caso a Polícia Civil tenha sido tão enfática ao apontar “erro, excesso e descaso”, conduta, na visão da pesquisadora, comum em operações policiais, que têm como premissa a ideia do inimigo a ser combatido. “Jovens de favelas são vistos como inimigos principais e devem ser eliminados. As favelas são tratadas como territórios de outros países, onde não há direitos a respeitar”, conclui.

A Polícia Civil não pediu a prisão preventiva do PM por considerar que faltam elementos suficientes. “Ele colaborou com as investigações. Houve necessidade do afastamento e é preciso que ele não se aproxime da família das vítimas, mas não que seja preso”, afirmou o delegado Marcus Drucker.

Em nota, a PMERJ “lamenta o triste episódio da pequena Ágatha e reforça solidariedade à família”. A pasta aponta que o policial já foi afastado e que colabora com toda a investigação. “Em paralelo segue a apuração interna através do Inquérito Policial Militar (IPM)”, conclui.