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(Millôr Fernandes)

domingo, 14 de junho de 2020

A presença das Forças Armadas durante o período Monárquico

Domingo, 14 de junho de 2020

Por

Salin Siddartha

Vamos analisar, bem resumidamente, neste artigo semanal, como foi a atuação das Forças Armadas brasileiras durante o período monárquico.
Os militares brasileiros se destacaram em todos os movimentos rebeldes desde o nosso período colonial, e incontáveis foram os levantes militares durante a fase da Monarquia. Por exemplo, quando D. Pedro I abdicou do trono, largou o Brasil em uma crise, o que instaurou a indisciplina nos quartéis e levou uma parcela do Exército a motins e manifestações partidárias, razão pela qual o 26º Batalhão de Caçadores se levantou em armas – entretanto, dominado, rendeu-se.
Entrementes, para melhor equacionar as circunstâncias de tantas rebeliões das tropas brasileiras, é preciso compreender as relações entre Império e Exército à luz do caráter da organização do Estado de então que, nas zonas rurais, ficava à disposição dos fazendeiros, classe dominante do regime monárquico. Nesse contexto, os latifundiários precisavam de uma força armada que fosse política e organicamente descentralizada para compor um mecanismo de dominação adequado a uma classe que se assentava economicamente na grande plantação escravista. Para atender a esse objetivo, o Padre Feijó, Ministro da Justiça da Regência Trina Permanente, criou a Guarda Nacional, em agosto de 1831, a fim de se prestar a ser “sentinela da Constituição jurada”, tendo a função principal de neutralizar as Forças Armadas regulares. E assim ela procedeu, já em seu primeiro ano de existência, sufocando uma rebelião militar que reivindicava a volta ao trono de D. Pedro I – o que acarretou, segundo Nélson Werneck Sodré, diminuição do efetivo do Exército, de cerca de 30.000 para cerca de 14.000 homens. No entanto, a Guarda Nacional logo se envolveria com os partidos políticos, o que deveria ser previsto como inevitável, dado ao caráter de submissão em que elas se mantinham para com os políticos representantes das classes dominantes locais.
Aqui, abro uma observação necessária, nos próximos dois parágrafos, a título de esclarecimento.
Ainda que a polícia brasileira tenha seu início em 1808, com a recém-chegada de Dom João VI ao Brasil, é da Guarda Nacional que se originam, historicamente, as polícias militares. A Guarda Nacional é fundada no mesmo ano da criação dos Corpos das Guardas Municipais Permanentes, que não se revelavam capazes de atender bem às necessidades policiais ou militares requeridas pelas classes dominantes nas áreas locais de abrangência de seus latifúndios, fossem elas rurais ou, até mesmo, municipais, isto é, na poligonal dos distritos e das províncias. A Guarda Nacional mantinha o controle dos grandes proprietários de terra sobre o aparelho repressivo, ao mesmo tempo que servia de anteparo armado ao poder do Exército no âmbito provincial, para neutralizar, desse modo, o desempenho das forças armadas regulares.
Mais tardiamente, no início do período republicano, especificamente desde o ano de 1909, é que as Polícias Militares se subordinam não só aos governadores dos Estados, mas, principalmente, às Forças Armadas, como forças auxiliares do Exército, todavia atuando apenas com poder de polícia em tempos de paz. Todas elas, contemporaneamente, são afetas ao comando central de um general do Exército Brasileiro e ordenadas pelo RDE-Regulamento Disciplinar do Exército, que as regula no que tange à disciplina e hierarquia. Diferente das Forças Armadas, cuja carreira, em tempos de paz, vai até o posto de oficial-general, aos PMs não lhes é dado chegar até essa patente, limitando-se sua promoção, em qualquer tempo, somente até o posto de coronel. Isso significa que, com o passar do tempo, o Estado brasileiro foi impondo ao poder militarizado das unidades da Federação limitações que o obrigasse a uma subordinação completa à centralização político-administrativa do País. Assim, o que teve origem como uma espécie de autonomia militarizada dos governos das classes dominantes em cada província do Império, hoje não lhes é mais adstrita, sequer, quanto à influência dos governadores e prefeitos. Apesar dessa constrição, observa-se, ainda, certa insubordinação na prática da cadeia de comando das Polícias Militares, eivada de motins e rebeliões por salário e condições de trabalho e um sindicalismo oficioso instaurado no âmbito de clubes a associações de praças e oficiais das PMs, coisa totalmente impensada nas Forças Armadas Brasileiras.
Voltemos, agora, à atuação das Forças Armadas durante a monarquia brasileira.
Como exemplário de ações militares ocorridas durante a época do Brasil Império, temos que, ainda em outubro de 1831, uma unidade da Marinha de Guerra se amotinou na Ilha das Cobras-RJ, mas se rendeu às tropas legalistas, e, em Pernambuco, os militares de lá se insurgiram, porém foram vencidos por uma multidão de estudantes e milicianos. Em 1835, negros maleses se revoltaram e atacaram os quartéis, contudo foram derrotados por destacamentos militares e por grupos de pessoas armadas. Em 1837, os sabinos se levantaram contra o Presidente da Bahia e proclamaram a República Baiense, entretanto foram liquidados pelo brigadeiro João Crisóstomo Calado, em 1838.
Quando, em 23 de agosto de 1840, é reconhecida a maioridade de D. Pedro II, o Exército Brasileiro, liderado por Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, assume declará-lo símbolo da paz, de união e de justiça da Nação, proclama amor ao Imperador, respeito às leis, esquecimento das divergências e afirma a existência de um só partido, o do Imperador, além de submeter-se à religião católica, apostólica, romana e à Constituição. Todavia, ainda em 1840, Caxias, com o respaldo do futuro Almirante Tamandaré, chefe das forças navais, reprimiu, em Itapecuru-Mirim/MA, um levante da guarnição local por atraso de soldos, no que foi um conflito sanguinário, porém que acabou por resgatar a disciplina e punir e afastar das Forças Armadas os responsáveis. Em 1883, eclodiu, em Ouro Preto-MG, uma rebelião chefiada pelo Comandante de Armas local, que, entretanto, foi abafado pelas forças legais.
A despeito do que se possa pensar, os militares não tiveram somente papel negativo na História do Brasil. Eles desempenharam função progressista durante a luta pela abolição da escravatura, quando os senhores de escravos, na segunda metade do século XIX, passaram a pressionar a Corte para que mobilizasse o Exército em defesa da ordem social, isto é, na caçada aos escravos fugitivos; então, os oficiais elaboraram, sob a direção do presidente do recém-fundado Clube Militar, marechal Deodoro da Fonseca, um requerimento à Princesa Isabel para que não consentisse em que as tropas do Exército fossem mandadas para capturar os escravos. No entanto o posicionamento antiescravagista do Exército Brasileiro, no meio do período do Segundo Reinado, deveu-se à influência e pressão do imperialismo inglês, favorável à abolição da escravatura, motivado que estava pela premência do capitalismo industrial em ampliar o mercado consumidor no Brasil, já que, como o escravo não recebia salário, não tinha condições de comprar as mercadorias para cá exportadas pela Inglaterra, coisa que somente seria possível com a transformação da força de trabalho servil em mão-de-obra assalariada.
Em resumo, foi assim que as Forças Armadas brasileiras atuaram durante a Monarquia. Na próxima semana, pretendemos dar continuidade a esta série de artigos sobre a atuação da Forças Armadas em nosso país.
Cruzeiro-DF, 14 de junho de 2020
SALIN SIDDARTHA
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