Sexta, 11 de novembro de 2011
Nos meus bons anos de criança e
juventude as festas de largo da Bahia ferviam de gente, samba-de-roda, barracas
de bebidas, rodas de capoeira com seus grandes mestres Bimba, Caiçara, Gato e
tantos outros. Milhares de pessoas passando para lá e para cá. Gente rezando
para os santos homenageados, estivessem tais santos com as caras que a Igreja
Católica lhes dá ou com as faces que se apresentam nas religiões de origem
africana, especialmente o Candomblé.
Uma das festas era (e é) a de
Nossa Senhora da Conceição, ali bem próximo do Elevador Lacerda. O auge dos
festejos acontece no dia 8 de dezembro. A festa de Nosso Senhor Bom Jesus dos
Navegantes, em primeiro de janeiro de cada ano, com seu cortejo marítimo, que
saía da Igreja da Conceição, cruzava o mar da Bahia e desembarcava na praia da
Boa Viagem, onde o sacro e o profano se misturavam. No dia 6 de janeiro era o
grande dia da Festa de Reis, com ternos e pastorinhas desfilando nas
ruas e indo até a igreja da Lapinha, tudo isso para homenagear o Menino Jesus.
Na segunda quinta-feira de cada janeiro ocorria a famosa Lavagem da Igreja do Bonfim. Esta é ainda, certamente, a maior, mais bela, e famosa festa de largo da capital baiana, apesar de não contar com alguma parte marítima. A partir dos meus 11 anos de idade até os vinte e poucos anos morei no bairro do Bonfim, ali próximo à Colina da Igreja. Se as demais festas de largo eu não perdia, não seria naquela que deixaria de ir. E lá estava eu todos os dias.
Como ao iniciar esta postagem
acabei me perdendo —e que doce perdição e lembranças— pelas festas de largos da
Bahia, tenho que ir um pouco adiante. No domingo acabava a festa do Bonfim, com
suas queimas de fogos e missa na igreja.
Na hora da queima de fogos sempre
havia um corre-corre. Era o foguete, ou a flecha dele, que ameaçava cair nas
cabeças das pessoas e que obrigava cada uma a “sair de baixo”. Foi numa dessas
correrias que um querido irmão, vestindo uma calça novinha, comprada especialmente
para ver o Senhor do Bonfim, foi empurrado e caiu num tabuleiro de umbu. A
calça não mais prestou, ficou manchada. Mas acho que o Senhor do Bonfim, o
Oxalá, até que o protegeu. Imaginou se ao invés de cair num tabuleiro de umbu tivesse
caído num tacho fervente de acarajé? Hoje não teria os seus dois maravilhosos
filhos.
Como ia dizendo mais acima, a
festa do Bonfim acabava em um domingo. Acabava, vírgula, mudava de lugar, pois
havia a continuidade pelo menos da farra. Na Bahia a gente não sabe exatamente
onde termina uma festa de largo e começa outra. Algumas se emendam com outras.
Terminada a novena do Bonfim no domingo, de madrugada a “Mudança” para a Festa
da Ribeira, essa sim, puramente profana. Era considerada a festa de abertura do
carnaval da Bahia. E veja que acontecia ainda em janeiro. Na Ribeira, muito
samba-de-roda, cerveja e festa. Na beira da praia a festa é imperdível. Calor
de lascar...não tem problema, um gostoso e revigorante mergulho no mar, mesmo que à noite ou na madrugada.
Para não me alongar, pois a intenção inicial era apenas comentar um detalhe das festas de largo e sua aparente relação com o que vivemos em Brasília, na política daqui, não falarei sobre outras festas de largo, como a que acontece em Itapoã, e a que acontecia na Pituba (Nossa Senhora da Luz).
O que eu queria dizer é que uma
marca das festas de largo da Bahia daquele tempo era a presença dos parques de
diversões. O padre rezando a novena, a baiana cultuando os seus orixás, os
jovens paquerando na praça, outros “empurrando” cerveja goela adentro, o
capoeirista exibindo a sua arte, a faceira baianinha requebrando os quartos na
roda de samba. E no alto-falante do serviço de som do parque de diversões a
música romântica. Música de Waldick Soriano, na sua voz inconfundível, na sua
hoje chamada música brega. E brega por fazer sucessos nos bregas da Bahia. Para
quem não se lembra, ou não era daquele tempo, brega é zona.
Pelo serviço de alto-falante dos
parques de diversões das festas de largo da Bahia a pessoa pagava uma merreca
para oferecer uma música a sua amada. Era: “Pedro da Silva oferece com muito
amor a Marinalva dos Santos, essa linda música”. Marinalva a recebia apaixonada.
Mas havia os amantes secretos, forçados a não revelarem suas identidades pela
presença na praça dos pais da moça, ou para que seu amor não fosse descoberto
pelo namorado daquela que “recebia” a música. Assim, ouvia-se muito o locutor
do serviço de som, com sua postada voz melosa, anunciar: “Alguém oferece a
alguém essa romântica música”. E soltava a toda a altura a tal da música.
Assim, alguém oferecia e outro, certamente, recebia.
Corte para Brasília. Em Brasília não há festas de largo como as que
ocorrem em Salvador. Por outro lado, há muita festa com o dinheiro público. Sem
o som dos alto-falantes dos parques de diversões, sem as mensagens a todo
pulmão para as alturas do espaço, mas algumas vezes com som das gravações
secretas de conversas, aqui em Brasília uns oferecem e outros, certamente,
recebem. E como recebem. Se nas festas de largo da Bahia daquele tempo quem
dava as cartas era Waldick Soriano, aqui quem dá as cartas, os cheques, os
dólares, os panetones, os “empréstimos”, as licitações, as ONGs, são alguns
políticos. Nos oferecimentos de alguém para outro alguém das músicas na Bahia,
normalmente os amantes permaneciam no anonimato. Nos oferecimentos e
recebimentos da bandalheira em Brasília também a maioria dos personagens fica no anonimato, mas
de quando em vez, para felicidade de todos nós, eles se traem e deixam vazar as
suas identidades. Nos antigos bregas da Bahia, passando pelos do Baixo Maciel e
os da Ladeira da Montanha, havia, certamente, menos pecados do que os existente
nas zonas que são os mensalões, os "segundos tempos" e coisas tais de Brasília.
Alguém oferece a outro alguém...que recebeu.