Sexta, 18 de novembro de 2011
"Os rumos do movimento são
incertos, mas o que é claro para aqueles que acompanham minimamente o cotidiano
da Universidade de São Paulo é que o conflito entre a PM e os três estudantes
pegos com maconha no campus e a posterior ocupação da reitoria pelos
alunos foram apenas o estopim de uma série de repressões que vem ocorrendo no
campus desde que a polícia se instalou na USP."
Leia a seguir o discurso do deputado
federal Ivan Valente (Psol/SP) na Câmara dos Deputados sobre a
truculência contra os estudantes da USP.
Senhor Presidente, senhoras e
senhores Deputados,
Nesta quarta-feira, aconteceu em
São Paulo uma nova manifestação contra a presença da Polícia Militar no campus
da USP. Desde o dia 8, estudantes de 13 faculdades estão em greve em mais uma
tentativa de pressionar a administração da universidade a cancelar o convênio
de segurança assinado com a PM depois da morte do aluno Felipe Ramos de Paiva,
durante um assalto em maio passado. Além da saída da Polícia do campus, os
estudantes pedem a reavaliação dos processos administrativos contra alunos e
funcionários que ocuparam a reitoria no início do mês e a renúncia do reitor
João Grandino Rodas. Nesta quinta, uma nova assembléia dos alunos está marcada
para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Os rumos do movimento são
incertos, mas o que é claro para aqueles que acompanham minimamente o cotidiano
da Universidade de São Paulo é que o conflito entre a PM e os três estudantes
pegos com maconha no campus e a posterior ocupação da reitoria pelos
alunos foram apenas o estopim de uma série de repressões que vem ocorrendo no
campus desde que a polícia se instalou na USP.
Basta tomar como base a ação de
desocupação da reitoria, realizada no último dia 8, para constatarmos a
desproporcionalidade da força que vem sendo empregada pela reitoria e pelo
governo do estado de São Paulo em sua relação com os estudantes. O efetivo de
400 homens da tropa de choque, da cavalaria e até mesmo do grupamento aéreo não
se ocupou apenas da liberação do edifício da reitoria, que abrigava apenas 70
pessoas. Durante a ação de reintegração de posse, o complexo de prédios da
moradia estudantil foi sitiado. Estudantes que nada tinham a ver com o conflito
instalado a centenas de metros dali acordaram sufocados pelo gás lacrimogêneo
que invadiu seus apartamentos. Foram cercados como em uma operação de guerra,
como quem tenta dividir o "inimigo". Qualquer semelhança com o Manual
de Contrainteligência usado até hoje pelo Exército brasileiro não é mera
coincidência. Para as Forças Armadas brasileiras, todos são potencialmente
inimigos.
A própria imprensa, que durante
dias fez coro com aqueles que criticavam a postura dos estudantes, foi impedida
de acompanhar os momentos decisivos da operação de desocupação da reitoria. Mas
parece que não viu problema nisso. Sem questionamentos, os jornais compraram o
discurso oficial de que a PM teria encontrados vários coquetéis molotov durante
a revista do local. Tampouco questionaram a legalidade das acusações de
formação de quadrilha e a própria prisão dos 72 estudantes, que só foram
liberados após pagamento de fiança, num explícito desrespeito à legislação
brasileira, que é muito clara ao definir os casos de detenção prévia a
condenações.
A desocupação da reitoria foi,
assim, mais um ato de demonstração de força da administração da USP e da
política de segurança adotada pelo governo Alckmin. Enquanto os estudantes
acreditavam na negociação e não esperavam uma ação policial, foi justamente aí
que o autoritarismo de Grandino Rodas falou mais alto. O reitor, que como bem
lembrou o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física da USP, nunca
pensou em pedir reintegração de posse nos prédios da universidade pública ocupados
pelas fundações privadas, mostrou mais uma vez sua carência de valores
democráticos.
Independentemente de se
considerar correta ou não a estratégia adotada pelos estudantes para questionar
a continuidade do convênio da USP com a Polícia Militar, é preciso abrir os
olhos e enxergar acima da superficialidade dos discursos oficiosos do reitor
Rodas. O buraco, senhoras e senhores Deputados, é bem mais profundo.
Desde que o convênio com a PM foi
assinado no ano passado, com o objetivo de reforçar o patrulhamento no campus e
ampliar a segurança da comunidade uspiana, um novo cotidiano foi imposto à
universidade. Atividades estudantis e sindicais passaram a ser vigiadas;
batidas policiais - até em portas de bibliotecas, pasmem - passaram a ser
feitas; alunos e professores passaram a ser constrangidos em seu ambiente de
trabalho e estudo. Nada diferente do que a maior parte da PM já faz com a
população mais pobre de São Paulo, é verdade. E aqui não se trata, obviamente,
de defender qualquer privilégio para aqueles que estão no campus. Mas é fato: a
abordagem é errada, desproporcional e truculenta em todos os lugares. E em
nenhum lugar deve ser aceita como tal.
A apreensão então dos três alunos
que consumiam maconha foi a gota d´água deste processo de militarização do
cotidiano acadêmico, que se isola cada vez da vida em comunidade e se distancia
mais e mais do ethos universitário. Assim, a reação à presença da PM no campus
é muito menos uma questão sobre o consumo de drogas na universidade e muito
mais uma reação ao projeto de universidade pública que vem sendo imposto à USP
pela sua atual administração.
Em nota divulgada esta semana,
250 doutores, mestres e pesquisadores de diferentes áreas da USP explicitaram
bem o cerne da questão: "Na verdade, o que está em jogo é a
incapacidade das autoritárias estruturas de poder da universidade de admitir
conflitos e permitir a efetiva participação da comunidade acadêmica nas
decisões fundamentais da instituição. Essas estruturas revelam a permanência na
USP de dispositivos de poder forjados pela ditadura militar, entre os quais: a
inexistência de eleições representativas para Reitor, a ingerência do Governo
estadual nesse processo de escolha e a não-revogação do anacrônico regimento
disciplinar de 1972.
Valendo-se desta estrutura, o
atual reitor, não por acaso laureado pela ditadura militar, João Grandino
Rodas, nos diversos cargos que ocupou, tem adotado medidas violentas: processos
administrativos contra estudantes e funcionários, revistas policiais infundadas
e recorrentes nos corredores das unidades e centros acadêmicos, vigilância
sobre participantes de manifestações e intimidação generalizada."
Há tempos o Sindicato dos
Trabalhadores da USP (Sintusp), a Associação dos Docentes (Adusp) e o Diretório
Central dos Estudantes (DCE) denunciam a ofensiva adotada contra todos que não
compartilham do projeto de universidade implantado pelas últimas administrações
da USP. Contradizendo o que se espera de um espaço democrático para o livre
debate de ideias, na USP estudantes, funcionários técnico-administrativos e
professores que defendem a universidade pública, gratuita e de qualidade vêm
sendo alvos de ataques à sua liberdade de manifestação e organização. Inúmeros
dirigentes sindicais e estudantes são alvos de processos administrativos e
criminais.
Somando tudo isso a processos
decisórios altamente excludentes, nada participativos - que definem em
canetadas, por exemplo, que a Polícia Militar passará a atuar no campus -,
literalmente armam uma bomba-relógio, que demorou para explodir.
Mas se algo de positivo se pode
tirar da operação de repressão movida pelo governo estadual no último dia 8 é
que ela serviu para acordar a USP. O momento agora é de debater com seriedade
questões que são centrais para a garantia de uma universidade autônoma e
democrática. É preciso discutir a estrutura de poder da USP, ser transparente
nas consequências da militarização da administração pública, exigir da reitoria
a abertura de um amplo debate sobre o convênio com a PM - ontem mesmo o reitor
Rodas recusou o convite para uma audiência pública com os estudantes - e, por
fim, questionar o governador sobre mais este lamentável episódio da história da
PM paulista.
A universidade pública tem um
papel fundamental a cumprir em nosso país, de respeito à diversidade, de
promoção do pensamento e da reflexão crítica, da construção do conhecimento e
exercício da cidadania, alicerçados em valores republicanos e nas liberdades
democráticas. Não se quer privilégios para ninguém. Mas conhecemos bem - alguns
de nós bem de perto - as consequências da adoção do autoritarismo como
ferramenta para a "retomada da ordem". Não é isso o que queremos para
a USP, não é isso o que queremos para as universidades, para os movimentos
populares, para São Paulo ou para o Brasil.
Muito obrigado.