Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O último dia

Sexta, 21 de dezembro de 2012

Por Ivan de Carvalho
             As pessoas, em sua esmagadora maioria sem a menor noção do assunto, salvo pelos comentários fugidios que ouviram de pessoas na mesma situação delas, frequentemente vêm, recentemente, à guisa de brincadeira – uma ou outra vez insuficiente para esconder o leve tremor no tom de voz ou a vontade de ouvir uma resposta tranquilizadora – referências ao “fim do mundo”, que estaria previsto pelo calendário maia de 5.125 anos. Hoje é o dia final desse calendário e amanhã, sugere a vertente mais popular e rombuda da teoria, já não haveria dia. Nem noite.

Adaptado a todos os gostos, o tema ocupa grande espaço na Internet e, mais recentemente, tem ganho esquálido espaço na mídia tradicional, que se esforça, quando o aborda – porque por sua larga popularidade, ele se impõe –, em contestar ou, sutilmente, mas nem sempre muito sutilmente, desmoralizar, ridicularizar, fazer brincadeira.

As contestações são as mais ridículas. Pois buscam-se fontes científicas, como astrônomos e supostos altos funcionários da NASA, por exemplo, para dizer que o mundo não vai acabar no dia 22 ou véspera, como peru de Natal. Quando vejo ou ouço alguma palhaçada desse tipo fico imaginando o diretor geral da NASA dando uma entrevista à CBS, à NBC ou à CNN: “Podemos garantir que o mundo não acaba no dia 21 nem 22. Não há evidência científica de que isso possa ocorrer”. No dia 23, quem sabe? Ninguém perguntou a ele.

Aí o reverendo astrônomo mais graduado do Vaticano – e neste caso a palhaçada foi real, publicada no L’Osservatore Romano – garante que “Não haverá o Apocalipse (pelo menos, por enquanto)”, e completa que o Universo está em expansão acelerada e que, em algum momento, bilhões de anos adiante, é claro, pode haver “uma ruptura”.

O que ele não referiu (talvez de tanto olhar as estrelas haja perdido o hábito de baixar os olhos à Bíblia) foram as profecias de Jesus sobre o Fim dos Tempos em dois dos quatro Evangelhos canônicos, as profecias do último livro da Bíblia, o Apocalipse – que detalha todo o processo de extinção gradual da atual civilização por cataclismos telúricos e abalo das forças celestes e por guerras, fome, sede, peste, mas descartando a extinção da humanidade (dois terços morrem, um terço sobrevive) e afirmando o surgimento de uma nova e muito melhor civilização. Não referiu também as profecias de Isaías sobre perturbações astronômicas envolvendo o nosso planeta – “A terra balançou como rede de dormir” – nem as detalhadas profecias de Daniel sobre o Anticristo e suas guerras.

Podia, ao menos, fazer uma referência à chamada Segunda Vinda de Jesus, mas absteve-se, talvez porque não lhe foi perguntado ou porque estaria fora do contexto aparente do calendário maia.

Bem, mesmo estando tudo tranquilo e (quase) todo mundo cumprindo suas rotinas, quase mil pessoas foram presas na China, acusadas de integrarem seitas e cultos que afirmam que o mundo acabará hoje. Ou, talvez, que o profundo, dramático, sofrido e finalmente glorioso processo apocalíptico de transformação antecipado por Jesus e detalhado ao longo da Bíblia (mas não exclusivamente na Bíblia) estaria sendo iniciado, seja hoje, seja dentro de pouco tempo. Tenho a impressão que a imprensa oficial chinesa refere-se um pouco a gente do movimento místico de muitas faces chamado Nova Era. Mas cristãos estão na mira, como era de se esperar, como já vinha acontecendo e como vai se intensificar continuamente em escala mundial. Na província oriental de Qinghai houve a maioria das detenções, embora prisões hajam começado ontem em Pequim, onde 17 pessoas foram presas por “divulgarem rumores sobre um iminente apocalipse”, segundo a agência oficial Xinhua. Esta informou que as atenções da polícia concentram-se principalmente numa “seita cristã” denominada “Igreja de Deus Todo-Poderoso”.

Isso não pode. É proibido. Na China totalitária, todo-poderosos só o Partido Comunista Chinês (PCC) e o governo. Mas o Apocalipse seria uma imensa e incontrolável ameaça a esse poder.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.