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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A renúncia e o sucessor

Quarta, 13 de fevereiro de 2013
Por Ivan de Carvalho
A renúncia do Papa Bento XVI causou surpresa geral dentro e fora da Igreja. Mas, em tese, ele já havia sustentado publicamente que se um papa se sentisse sem condições físicas ou espirituais de cumprir a missão que lhe houvesse sido confiada, teria o direito e, em alguns casos, o dever de renunciar. Joseph Ratzinger, 85 anos, acompanhara muito de perto o declínio físico e o profundo sacrifício do papa João Paulo II, que este transformou em um testemunho de fé, mas decidiu, há algum tempo, como contou seu irmão mais velho, que, no seu caso, o caminho é a renúncia.

Mas, além da saúde debilitada, outros fatores podem ter influído. A Igreja está em crise. Perde rapidamente adeptos para os neopentecostais na América Latina, onde está atualmente o maior número de católicos do mundo. Na Europa, o ateísmo ganha terreno, enquanto uma grande parte dos católicos não comparece às missas de domingo. Em vários países, manifestam-se e crescem perseguições e hostilidades aos cristãos, incluindo católicos.

Bento XVI manteve com extrema firmeza as posições da Igreja de condenação ao aborto, à eutanásia, ao homossexualismo – ainda que combatendo também a discriminação contra os homossexuais – e ao controle da natalidade por meios não naturais. A interpretação óbvia é a de que não sacrificaria coisas afirmadas na Bíblia ou inerentes à doutrina em troca de ampliações ou redução de perdas no rebanho. O rebanho é que deve moldar-se à fé e não ao contrário.

Mas, ironicamente, seu pontificado esteve marcado por situações extremamente desgastantes. Ele, que já sugerira a João Paulo II centralizar na Santa Sé as investigações da pedofilia dentro da Igreja, ao tornar-se papa revelou-se duro no combate a essa horrível prática, mas isto não excluía o escândalo que a questão provoca, embora ela seja uma bomba de efeito retardado, que já encontrou ativada ao assumir o pontificado.

Também ocorreram acusações relacionadas com questões financeiras no banco do Vaticano. As coisas se complicaram mais ainda quando, em maio passado, Paolo Gabriele, mordomo do papa, foi preso sob a acusação de furtar sistematicamente centenas de documentos – incluindo muitas cartas de Bento XVI a autoridades da Igreja – e vazá-los para a imprensa. Condenado a 18 meses de prisão por um tribunal do Vaticano, recebeu o perdão do papa.

Todo esse quadro extremamente difícil até aqui descrito pode estar produzindo dissensões e é possível que Bento XVI tenha resolvido renunciar – e isto é apenas uma hipótese – inclusive porque isto lhe dá alguma condição de influir na sua sucessão, coisa que não poderia fazer se o posto só vagasse com a sua morte.

Um pouco de escatologia. Há, na Itália, um conhecido estigmatizado que já esteve no Brasil, na década de 90, e fez uma palestra no Centro de Convenções da Bahia. Há tempo ele sustenta que a Igreja, no período do final dos tempos – cujo processo considera já em curso – perderá seu poder temporal, enquanto crescerá “a Igreja espiritual”.

Mais: São Malaquias tem uma profecia (contestada por alguns, como toda profecia) na qual relaciona uma frase a cada um dos 112 papas a partir de Celestino II. Bento XVI seria o penúltimo papa. O último, “Petrus Romanus”, ganhou, na profecia, a seguinte anotação traduzida do latim: “Na derradeira perseguição à S.R.E. sagrada (ou santa) igreja romana, estará sentado (na cadeira de Pedro) Petrus Romanus, que apascentará suas ovelhas entre muitas tribulações, quando a cidade das sete colinas (Roma) será destruída e o Juiz tremendo julgará o seu povo. Fim.”

Vale conferir se o futuro papa escolherá o nome de Pedro.

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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.