Terça, 26 de fevereiro de 2013
Elaine Patrícia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) em Guarulhos (SP)
quer obrigar a União a criar uma ouvidoria federal de combate à tortura
em São Paulo. De acordo com o órgão, uma ação civil pública propondo a
criação da ouvidoria foi protocolada na Justiça Federal na última
quinta-feira (21).
O pedido foi feito pelo procurador Matheus Baraldi Magnani, que
considera a criação da ouvidoria “o mínimo” para que o Brasil cumpra a
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, integrada ao ordenamento jurídico brasileiro
desde 1991. Na ação, o procurador sugere que seja estipulado um prazo de
180 dias para que a ouvidoria seja instalada pela União. Também sugere
que seja aplicada multa diária por descumprimento da decisão, o que pode
ser modificado pela Justiça Federal. A ação refere-se somente ao estado
de São Paulo mas, segundo o procurador, pode ser adotada pelos demais
estados.
“A Convenção Internacional de Combate à Tortura estabelece que a
União tem a obrigação de criar mecanismos administrativos de combate à
tortura e quase 30 anos após a ratificação desse tratado, a União não
fez nada nesse sentido. Peço que pelo menos seja criado um órgão no qual
a vítima de tortura consiga ao menos declarar que foi vítima dessa
atrocidade. É o mínimo que se espera da União no cumprimento dessa
convenção”, disse o procurador, em entrevista à Agência Brasil.
Segundo Magnani, desde a ratificação da convenção, nenhuma ação foi
tomada pela União com relação ao combate à tortura. “Os mecanismos
administrativos não existem até hoje. Não existe nenhum”, disse.
Para o procurador, caso a União não demonstre interesse em criar a
ouvidoria, no qual a vítima de tortura possa denunciar a sua prática, o
melhor seria eliminar o tratado internacional do ordenamento jurídico.
Segundo ele, o Artigo 2º da Convenção contra a Tortura determina a
criação de mecanismos administrativos de combate à tortura.
Para Magnani, se o Brasil tivesse cumprido as obrigações assumidas
perante as organizações internacionais, muitas vidas teriam sido salvas.
“É desejável e eu espero que a União se antecipe e não aguarde uma
decisão judicial que a obrigue. O ideal seria que a União
voluntariamente implantasse esse mecanismo tão importante de combate à
tortura no estado de São Paulo”, disse.
Magnani tem acompanhado diversos casos de violência que foram
registrados recentemente em São Paulo, principalmente os de abusos e
excessos cometidos por policiais militares. Em julho do ano passado, ele
pediu a federalização da apuração do homicídio de dois jovens em São
Bernardo do Campo, vítimas de violência policial.
“Vivemos, no segundo semestre de 2012, uma enxurrada de
assassinatos. A tortura foi praticada durante a manhã, a tarde e a noite
aqui na região metropolitana de São Paulo. E por mais essa razão se
justifica a criação de um mecanismo de repressão à tortura em São
Paulo”, disse o procurador.
De acordo com Magnani, a tortura ainda é um mecanismo muito
utilizado no país. “Assustaria uma estatística [sobre a existência de
tortura no Brasil nos dias de hoje] porque ficaria demonstrado que, na
democracia, se tortura tanto quanto se torturou na ditadura militar, mas
de forma diferente. Os grupos de extermínio continuam existindo”,
disse.
Entre outras ações que, em sua visão, também deveriam ser
implantados pela União com relação ao combate à tortura, o procurador
destacou o aperfeiçoamento da formação de profissionais de segurança
pública e o incentivo às polícias pacificadoras.
Uma cópia da ação civil pública foi enviada ao Comitê de Combate à
Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU). Procurados pela Agência Brasil, a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o
Ministério da Justiça não comentaram, até o momento, o pedido feito pelo
Ministério Público.