Sábado, 23 de fevereiro de 2013
Baby Siqueira Abrão
Brasil de Fato
Emad Burnat, diretor de “5 Broken Cameras” [5 câmeras quebradas],
filme indicado ao Oscar de melhor documentário estrangeiro, foi detido
na noite de 19 de fevereiro ao desembarcar no aeroporto de Los Angeles,
Califórnia, para participar da festa do cinema de Hollywood, que
acontece este domingo.
Emad, a esposa Soraya e o filho Gibril, de 8 anos – que também
participam do filme –, foram levados para uma área fechada nas
dependências do aeroporto e submetidos a interrogatório. Segundo as
autoridades de imigração, Emad não tinha em seu poder o “convite
apropriado para o Oscar”, seja lá o que isso for.
Emad enviou uma mensagem, pelo celular, a Michael Moore, o polêmico
documentarista de “Tiros em Columbine”, “Fahrenheit 11 de setembro”
(filme que questiona a versão oficial do atentado ao World Trade Center)
e um dos diretores da Academia de Hollywood.
Moore denunciou a detenção a seus 1,4 milhão de seguidores no Twitter
e acionou o pessoal da Academia, que por sua vez contatou advogados
para cuidar do caso. “Pedi a Emad que repetisse meu nome várias vezes
aos oficiais da imigração e que lhes desse meus números de telefone”,
disse Moore. “Parece que eles não conseguiam entender como um palestino
podia ter sido indicado ao Oscar”, completou, irônico.
Moore também deixou claro que faria o que estivesse a seu alcance
para impedir a deportação que ameaçava a família Burnat. E foi
bem-sucedido, porque uma hora e meia depois eles foram libertados. “Mas
só poderão ficar em Los Angeles uma semana, até o Oscar”, esclareceu
Moore. E, de novo com ironia, acrescentou: “Bem-vindos aos Estados
Unidos!”
NENHUMA NOVIDADE…
Para Emad, a detenção não é nenhuma novidade. “Quando se vive sob
ocupação militar, sem nenhum direito, esse é um acontecimento diário”,
declarou.
O filme “5 Broken Cameras” é o resultado de sete anos de trabalho de
Emad, que comprou a primeira câmera quando Gibril nasceu e passou a
registrar tudo o que acontecia em sua vila natal, Bil’in, na
Cisjordânia, sob ocupação militar de Israel. Ajudado pelo israelense Guy
Davidi, que esteve ao lado da resistência de Bil’in desde os primeiros
dias, foi responsável pelo pós-roteiro de “5 Broken Cameras” e figura
como codiretor, Emad fez um documento fundamental para a compreensão,
pelo público externo, do cotidiano palestino sob ocupação.
O título do filme faz referência às cinco câmeras que o exército
israelense inutilizou. Numa dessas ocasiões o equipamento salvou a vida
do diretor – a câmera deteve a bala atirada na direção da cabeça de
Emad.
CINEASTA POR ACASO
Emad Burnat nunca pensou em se tornar cineasta. Foi a necessidade de
registrar a ocupação que levou Emad a filmar, para proteger os vizinhos,
pois os soldados, receosos de um dia enfrentar o Tribunal Penal
Internacional, evitam agir com muita violência diante das câmeras. Além
disso, a necessidade de mostrar ao mundo, pela internet, a realidade na
Palestina, até poucos anos atrás oculta pela narrativa sionista, e de
ter provas para apresentar aos tribunais de Israel, aos quais o exército
conta histórias implausíveis mas levadas a sério,
Ele comprou sua primeira câmera em 2005, ano do nascimento de Gibril,
para gravar seu crescimento e a vida em família. Mas era impossível
limitar-se a temas domésticos numa vida sob ocupação militar. As
incursões noturnas dos soldados, os ataques aos moradores durante as
manifestações não violentas, as prisões, as invasões dos colonos, a
construção do primeiro muro e seu desmantelamento em 2011, bem como a
execução do segundo muro, tudo era muito impactante no cotidiano de
Bil’in e merecia ser registrado.
Essa opinião era compartilha por Guy Davidi, professor de cinema, que
em 2005 passou a ir com frequência à vila palestina e chegou a morar lá
por alguns meses, para sentir como era viver sob ocupação. Guy produziu
alguns curtas sobre Bil’in, onde filmou, entre 2005 e 2008,
“Interrupted streams” [Fluxos interrompidos], sobre o confisco das
fontes de água palestinas por Israel. Muitas vezes Emad e Guy filmavam
juntos as manifestações, os ataques dos soldados, as detenções. Corriam
os mesmos riscos. Tornaram-se amigos.
Foi ao longo desses anos que Emad começou a pensar em reunir seu
material num longa-metragem sobre a resistência em Bil’in. Estimulado
pela família, pelos amigos e por Guy, ele conseguiu tocar o projeto. Só
não esperava o sucesso que se seguiu ao lançamento. Cineasta por
intuição, Emad ganhou o respeito e a admiração de seus pares ao redor do
mundo.