Terça,
19 de fevereiro de 2013
Por
Ivan de Carvaho
Em outubro de 1986, véspera da
eleição de governador da Bahia, o candidato Josaphat Marinho, de convicção
socialista na economia e democrática na política e na organização do Estado e
da sociedade, com o apoio do carlismo e do então governador João Durval, estava
prévia e obviamente derrotado pelo candidato oposicionista Waldir Pires.
Mesmo assim, decidiu, com aliados,
fazer uma caminhada no Shopping Center Iguatemi. Eu trabalhava então na
sucursal da Bahia do Jornal do Brasil
e por isto estive no evento. Depois de almoçar no restaurante Baby Beef, anexo
ao Hipermercado Bom Preço, o grupo seguiu para o shopping.
Aconteceu então uma das coisas mais
antidemocráticas, incivis, brutais e vergonhosas que a luta política pode
oferecer sem recorrer aos extremos do uso de bombas, armas de fogo, espadas e
lanças, punhais, tacapes ou veneno. Sob os bons auspícios do deputado Marcos
Medrado, como resultou apurado, dois ou três ônibus haviam trazido do subúrbio
um numeroso grupo de baderneiros exatamente para fazer baderna, incluindo
agressões físicas que podiam ser consideradas tanto como leves (na escala
criminal) quanto como inaceitáveis, na escala ética ou de política democrática.
Josaphat Marinho foi um político tão
correto que é o único do qual se tem conhecimento indubitável de que devolveu,
certa vez, “sobra de campanha” ao doador – e apesar da resistência deste em
receber –, simplesmente porque o dinheiro não chegou a ser gasto na campanha.
Disso não fez praça, mas sabe-se que aconteceu.
Chegou ontem ao Brasil a blogueira
cubana Yoani Sanches. Durante anos, dentro do inferno criado pelo regime
cubano, tem lutado pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos. A
embaixada de Cuba em Brasília promoveu em 6 de janeiro uma reunião, denunciada
pela revista Veja, com militantes do
PT, PC do B e CUT e um alto funcionário da Secretaria-Geral da Presidência da
República, o coordenador-geral de Novas Mídias, Poppi Martins, para preparar
uma versão atualizada e mais ampla da que foi dada a Josaphat Marinho e alguns
de seus aliados no Shopping Center Iguatemi, em 1986.
O traço comum nas
duas, a de 1986 e a de agora, é a metodologia totalitária utilizada – indo da
intimidação ao cerco, da gritaria aparentemente idiota, mas apesar de
insultuosa e histérica, planejada e dirigida com objetivos óbvios que se tenta
alcançar, entre eles a descabida desqualificação do adversário – uma ação,
afinal, que Joseph Stalin ficaria orgulhoso de inspirar. E que, pelo menos em
relação a Yoani Sanches, com certeza, de seu túmulo, inspirou mesmo, pela obra
e ensinamentos que deixou.
Em Recife, um
grupo de 20 pessoas foi em plena madrugada dar o que esperam ser as más vindas
a Yoani, que desembarcou no portão norte do aeroporto e foi seguida pela
pequena horda de militantes até o portão sul. A horda leu uma carta proclamando
que o blog da dissidente cubana é um instrumento de “desinformação” contra Cuba
e ainda jogou sobre ela dólares falsos, na óbvia insinuação de que é vendida
aos Estados Unidos. O desembarque em Salvador também não decepcionou: uns 20
“simpatizantes” do governo cubano, com cartazes de “mercenária” e o inovador
grito de “Cuba sim, yanques não” – !!!!!! – forçaram Yoani a sair pelo setor de
desembarque de autoridades. Em Recife, ela havia dito estar feliz por ver que
há liberdade no Brasil e comentado que, em seu país, um protesto contra um
convidado do governo cubano “não duraria dois minutos”.
Na Assembléia
Legislativa da Bahia, o deputado Álvaro Gomes, do PC do B, foi à tribuna e
sapecou a língua em Yoani Sanches, mostrando-se irritado porque ela pretende,
após a turnê de 80 dias por doze países, voltar para Cuba onde continuará a
luta por liberdade de expressão e direitos humanos. Na Câmara federal, o
deputado Jutahy Júnior, do PSDB, manifestou sua solidariedade à “guerreira da
liberdade”, destacando “que ela está falando em nome de todos os que são
injustiçados e perseguidos no mundo”.
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Este
artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan
de Carvalho é jornalista baiano.