Quinta, 14 de março de 2013
Do Site Rumos do Brasil
Por J. Carlos de Assis Do Site Rumos do Brasil
Desde o aborto
provocado do acordo da ALCA, o Brasil jamais esteve ao ponto de
sacrificar tantos interesses econômicos específicos e perspectivas
concretas de avançar no seu processo de desenvolvimento do que com a
espantosa candidatura de seu embaixador em Genebra, Roberto Carvalho de
Azevedo, ao posto de secretário geral da OMC-Organização Mundial do
Comércio. É o equivalente a construir uma arapuca e meter-se
voluntariamente dentro dela.
Para os que não estão familiarizados com o tema, a OMC é o órgão
supremo de promoção e doutrinação do livre comércio no mundo. O
instrumento para isso é o rebaixamento generalizado de barreiras
tarifárias ou não tarifárias, reduzindo ou eliminando a proteção à
indústria nacional. Por certo que isso pode justificar-se entre países
com estruturas produtivas e tecnológicas similares. Para os
tecnologicamente atrasados é um desastre anunciado de produção, emprego
qualificado e renda.
A ALCA pretendia ser um tratado de livre comércio entre os países das
Américas, fechando o cerco sobre o México iniciado com o NAFTA (América
do Norte). Foi abortado pelo sábio instinto de preservação do
Presidente Lula, sob o conselho criterioso do ministro Celso Amorim e do
embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, então secretário geral do
Itamarati. Imaginem, só por um instante, o que seria da estrutura
industrial brasileira se produtos manufaturados norte-americanos viessem
a entrar aqui sem proteção tarifária!
A despeito da obviedade – não estamos preparados tecnologicamente
para o livre comércio -, não foi uma decisão fácil. O então ministro da
Fazenda, Antônio Palocci, não só era favorável à ALCA, como se propôs
chefiar um grupo de trabalho para acelerar as negociações com vistas a
destravar o processo (vide Wilkelinks). Disse isso ao secretário do
Comércio norte-americano e ao embaixador dos Estados Unidos na presença
de Lula, mas o Presidente se manteve mudo, até decidir o contrário.
Agora, não se sabe de quem partiu a iniciativa da candidatura do
Brasil à Secretaria Geral da OMC. Pelo que soube, o ministro das
Relações Exteriores, Antônio Patriota, foi tomado de surpresa. Sabe-se
também que o assessor especial Marco Aurélio Garcia não se mostrou
favorável à ideia. Tudo indica que a decisão veio de fora, talvez da
parte do próprio embaixador Azevedo buscando apoio junto a figuras
ministeriais próximas da presidenta Dilma e alguns Senadores.
Vejamos agora o significado exato disso do ponto de vista político. O
Brasil, representado por Azevedo, tem tido um posição ambígua na OMC.
Atende principalmente ao lobby do agronegócio postulando a redução das
barreiras agrícolas dos Estados Unidos e da União Europeia, sinalizando,
em troca, com concessões de significado econômico muito maior. Estamos
colocado como moeda de troca, nessa negociação, a liberação para
concorrentes internacionais das compras governamentais, da área de
serviços e das tarifas em áreas consideradas estratégicas para a
produção interna (tarifa de até 35%, como a recentemente adotada pelo
Governo para uma lista de 100 produtos industriais).
Os Estados Unidos, por proposta do presidente Obama, abriram um
processo de negociação de livre comércio com a União Europeia. É natural
que a Europa aceite isso, pois, embora tenha uma defasagem tecnológica
com os Estados Unidos, ela não é tão grande ao ponto de inviabilizar a
concorrência com produtos norte-americanos. Entretanto, o Brasil já é
grande o suficiente para aparecer como um mercado apetitoso. E é nesse
contexto que a candidatura Azevedo surge como uma quinta coluna para nos
forçar ao livre comércio.
Os outros candidatos são Gana, Costa Rica, Quênia, Jordânia,
Indonésia, Nova Zelândia, Coreia do Sul e México. Os quatro primeiros
são irrelevantes e os demais são economias emergentes que não oferecem
grandes mercados. Calculem quem é mais interessante para os Estados
Unidos e a Europa? Um secretário geral da OMC tem o dever de ofício de
defender a doutrina livre-cambista, uma vez que isso está cristalizado
na estrutura da instituição. E seria muito difícil para o Governo
brasileiro, que pelo simples gesto de sancionar a candidatura adere
indiretamente ao livre-cambismo, não seguir a linha ditada pelo seu
Embaixador.
A propósito do livre-cambismo, leiam o coreano Ha-Joon Chang, em seu
“Chutando a Escada”. Vou resumir: todos os países hoje desenvolvidos,
sem exceção, foram protecionistas em sua fase de decolagem. E todos os
países que se tornaram desenvolvidos com sistemas de proteção à produção
interna tornaram-se depois disso livre-cambistas!
J. Carlos de Assis é economista, professor de Economia Internacional
da UEPB, autor, entre outros livros de Economia Política, de “A Razão de
Deus”, ed. Civilização Brasileira.