Segunda, 24 de agosto de 2015
Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do RJ e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.
Em 1995 escrevi um artigo com o título de “como fabricar
um bandido”. semana passada participei de um seminário promovido pela faculdade
“doctum” de juiz de fora onde os alunos de direito fizeram uma análise do
artigo e a bacharelanda Natália Souza, do primeiro período escreveu uma redação
preciosa que reproduzo abaixo:
Como Fabricar um Bandido
Des. Siro Darlan
Escolha uma criança, de preferência negra e de uma família
de prole numerosa; é recomendável o sexto ou sétimo filho, e que o pai seja
omisso no cumprimento do exercício do poder familiar e sequer tenha registrado
seu filho. Os irmãos devem preferencialmente ser de pais diferentes e, a mãe,
se não for alcoólatra, deve estar desempregada. Deve residir em comunidade onde
o poder público só comparece para trocar tiros e deixar vítimas. Não pode ter
escola, nem posto de saúde e receber com frequência a visita do “caveirão”.
Será fácil achar essa comunidade no Rio de Janeiro.
Ensine, desde cedo a essa criança, que ela não é amada,
que é rejeitada por sua própria mãe, que a todo instante demonstra sua
insatisfação com a maternidade. Para tanto, espanque-a pelo menos três vezes ao
dia para que ela saiba que, na vida, tudo tem que ser tratado com muita
violência. Impeça qualquer possibilidade de desenvolver-se sadia, pois esse
fato estragará todo nosso projeto. Importante: repita sempre para essa criança
que ela é má, coisa ruim e odiada pela família, principalmente porque chegou
para dividir o pequeno espaço que os abriga e a escassa alimentação.
Pode-se optar por deixá-la em casa, na ociosidade, afinal
faltam vagas nas creches do município, ou se preferir, encaminhe-a para uma
escola onde os professores faltem muito e que as greves sejam frequentes, caso
contrário ela pode correr o risco de gostar de estudar e aí ser muito difícil
continuar analfabeto, o que pode colocar em risco nosso projeto.
Na escola, procure discriminá-la e desestimular seu
estudo, reprovando-a sempre. E, se praticar alguma traquinagem, expulse-a da
escola. Importante também: não permita que seja alfabetizada porque ela pode
desejar entrar no competitivo mercado de trabalho e ocupar o espaço reservado
aos filhos das elites.
Outra opção interessante é colocar a criança para
trabalhar desde muito cedo. Infância pra que? Perder tempo com brincadeiras não
é coisa para criança favelada. Tem mesmo é que ganhar a vida muito cedo e ainda
trazer dinheiro para sustentar a família faminta. A rua está cheia de espaço
público para que elas fiquem vendendo balas e jogando bolinhas até que possa
ser “usada” na exploração sexual, uma atividade lucrativa muito estimulada por
adultos.
Fragilize-a. Não permita qualquer acesso à saúde; médicos
e medicamentos devem ser mantidos à distância. Os hospitais públicos devem ser
sucateados. Afinal, é preciso garantir os lucros cada vez maiores dos poderosos
planos de saúde. Para acelerar sua debilidade, aproxime-a das drogas; a cola de
sapateiro é um bom começo e ajuda a “matar a fome”. Se usar maconha, prenda
logo esse marginal por estar usando uma droga tão cara já que têm disponível a
cola e o “crack” muito mais baratos.
A campanha pela redução da responsabilidade penal é
imprescindível para pôr logo esses “perigosos bandidos” na cadeia. Afinal são
eles os grandes responsáveis por tanta violência ainda que os índices oficiais
não cheguem a 2% dos atos violentos atribuídos aos jovens e o Instituto de
Segurança Pública do Rio de Janeiro tenha constatado que eles são agentes de
violência num percentual de 9,8% contra 91,2% onde são vítimas. Pura
manipulação dos dados para favorecer estes “trombadinhas”. Reduzindo a
responsabilidade penal você fica livre mais rápido dessa “sujeira” que ocupa os
logradouros públicos denunciando a incompetência dos administradores públicos
para implementar as políticas públicas necessárias para promover os excluídos à
categoria de cidadãos.
É claro que eles já têm maturidade para responder por seus
atos criminosos. Afinal assistem diariamente às nossas pedagógicas novelas e
são informados pelos despretensiosos noticiários, que mesmo tratando o
telespectador como a família ‘Flinstones’, jamais influencia a nossa “livre”
opinião. E, claro, todas as crianças e adolescentes do Brasil têm à sua
disposição as melhores escolas do mundo.
A educação pública também deve ser da pior qualidade. Onde
já se viu o ensino público competir com os tubarões do ensino particular? Caso
isso venha a ocorrer, como manter os altos preços das mensalidades escolares? E
a queda do lucro – e isso, nunca! Aquela idéia maluca de construir escolas de
atendimento integral, com médicos, dentistas, atividades profissionalizantes,
prática esportiva felizmente já saiu de pauta. Ficamos livres daqueles insanos,
que já morreram. Queriam aplicar todo nosso dinheirinho dos mensalões e sangue
suga em educação. Que desperdício!
Pode-se até fazer concessões com relação ao lazer. Deixe-a
soltar pipas e foguetes, somente se estiver a serviço dos bandidos. Isso pode
ser muito lucrativo para essa criança. O tráfico dá a ela a oportunidade que os
empresários negam, de participar na divisão das riquezas com seu “trabalho
ilícito”. Pode-se permitir, também, que brinque de mocinho e bandido e que as
armas sejam de verdade, assim morrem mais rápido. As estatísticas mostram essa
realidade.
O direito à convivência comunitária lhe deve ser
assegurado, mas com ressalvas. Mantenha-a em uma comunidade comandada pela
bandidagem. Ali ela não terá outra opção: ou adere ou morre. Se aderir, isso
será por pouco tempo, porque logo será presa; é mais fácil prender crianças
como “bucha de canhão” do que os adultos que as exploram e coagem; ou, então,
logo ela será um número nas estatísticas do extermínio. Vez por outra, deixe-a
fazer um estágio nas “escolas de infratores”. A convivência com outros
adolescentes de mais idade, que praticam infrações mais graves, poderá
aperfeiçoá-la e promovê-la a outra categoria do crime. Detalhe: essa “escola”
deve estar à margem das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente e os
“educadores” devem odiar crianças e estar sempre munidos de palmatórias e
cassetetes. Não pode essa escola ser dotada de qualquer proposta pedagógica,
porque corre o risco de desviar o adolescente de seu destino criminológico.
Providencie uma poderosa campanha publicitária na mídia
para que a opinião pública eleja essa criança seu inimigo público número um.
Exiba sempre, nas primeiras páginas dos jornais, toda e qualquer infração
praticada por criança ou adolescente, ainda que essa violência a eles atribuída
seja uma raridade. Repita, sempre, nos maiores jornais e emissoras de televisão
que ela é uma perigosa assassina, responsável por toda a violência existente no
país. Nunca admita a efetivação dos preceitos constitucionais que lhe garantem
direitos fundamentais que são costumeiramente desrespeitados pela família, pelo
Estado e pela sociedade. Nunca diga que ela é vítima da omissão e da ausência
de políticas básicas; isso pode ser considerado demagogia e a até acusarem você
de defensor dos direitos humanos, o que é um conceito pejorativo no meio dos
humanos.
Com uma campanha desse tipo, garante-se que os verdadeiros
bandidos e mafiosos ficarão em segundo plano. Corruptos fraudadores, ladrões do
dinheiro público só merecem publicidade uma vez ou outra para disfarçar. A
ênfase maior deve ser dada ao “pivete”, “trombadinha” e “dimenor”.
Nunca deixe que se faça uma campanha para a colocação em
família substituta: isso pode reduzir em muito o exército dos excluídos e
considerar mais uma forma desleal de competição com nossos “mauricinhos” e
“patricinhas”.
Tudo que você proíbe a essas crianças estimule aos outros
adolescentes. Deixe que frequentem boates promíscuas onde podem exercitar suas
carências afetivas agredindo os outros e usando drogas. Lá a venda de bebidas
alcoólicas é livre para adolescentes abastados. O sexo é livre e sem limites.
Nossos filhos precisam aprender a serem “homens” desde cedo. O acesso às drogas
é permitido e até estimulado. Deixe que essa criança perceba que existe essa
diferença no tratamento aos cidadãos que vivem sob a mesma lei. Isso servirá
para aumentar as diferenças sociais, o ódio e a frustração de não poder ser
tratada como o outro.
Pronto, você conseguiu, finalmente, criar o seu monstro.
Agora conviva com ele.
CONTRA PONTO FEITO PELA ALUNA NATÁLIA SOUZA:
REDE DE ENSINO DOCTUM
REDAÇÃO PROFESSORA: LAIRA RACHID
ALUNA: NATÁLIA SOUZA 1º PERÍODO
COMO CRIAR UM ANJO
Pegue uma criança, de preferência seu filho, pois é com
ele que você irá conviver, e mostre a ele o quanto é importante e querido em
sua vida. Se tiver mais de um filho, sem problemas, pois não há limites para o
amor.
Demonstre sempre muito carinho, se interesse pelos
assuntos dele, conviva com ele para que nenhum erro passe por despercebido. Um
erro aqui e outro ali é “normal”, mas repreenda-o com a mesma intensidade do
problema para que isso não se torne uma bola de neve.
ensine-o desde cedo, que é preciso respeitar o próximo,
seja ele o porteiro, o motorista do ônibus, o papa ou o presidente da
república, acima de tudo, ensine-o a respeitar você, pai, melhor amigo que ele
terá em toda sua vida.
Matricule-o na escola assim que tiver idade. Mostre a ele
quanto é importante estudar, seja em escola pública ou privada, faça com que
ele perceba que tudo depende da força de vontade dele. Incentive-o. Não o
julgue na primeira nota vermelha que ele tirar, afinal, quem nunca tirou uma?
Mas o incentive cada vez mais, para que ele nunca perca a vontade de estudar e
se tornar um bom profissional futuramente.
Dê a ele uma boa alimentação, para que ele cresça forte e
saudável. Quando ele se tornar adolescente, a vontade de “curtir a night” virá
e com ela o álcool, as drogas e o sexo inconsciente também. Conscientize-o,
aconselhe-o. O quanto essas “diversões” são prejudiciais à saúde. Com a
educação que você construiu em cima dele desde criança, creio que você não terá
problemas quando chegar o momento de fazê-lo seguir seus conselhos.
Aconselhe-o também, a nunca perder os valores que, com
muito sacrifício, você vem ensinando a ele desde muito cedo. São esses valores
que ele irá se lembrar quando estiver em um momento difícil que parece não ter
solução.
Mostre a ele que cor, raça, religião, preferências sexuais
e padrões de beleza, são padrões impostos pela sociedade e que ele não precisa
seguir nenhum desses para agradar alguém. Ensine-o a amar pelo caráter e
personalidade do outro, não pelos padrões sociais.
Assim, creio que seu filho de tornará um homem de bom
caráter, afim de fazer o bem e repassar o carinho e amor que lhe foi concedido
durante a infância e adolescência para outras pessoas. Tenho certeza de que
você irá se orgulhar do adulto que seu anjo irá se tornar.