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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Jurista espanhol Baltasar Garzón defende que corrupção seja tratada como crime internacional

Sexta, 14 de agosto de 2015
Luciano Nascimento - Repórter da Agência Brasil
No Brasil a convite da Comissão de Anistia, o jurista espanhol Baltasar Garzón, defendeu hoje (14) que a corrupção seja tratada como crime internacional. Garzón ficou conhecido por ter decretado em 1998, quando era juiz, a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet. Para Garzón a corrupção e a impunidade são relacionadas e acabam servindo para alimentar crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio.
O jurista espanhol Baltasar Garzón durante o lançamento do laboratório de Tecnologia em Memória e Direitos Humanos da Comissão de Anistia (Antonio Cruz/Agência Brasil)
O jurista espanhol Baltasar Garzón durante o lançamento do laboratório de Tecnologia em Memória e Direitos Humanos da Comissão de Anistia /Antonio Cruz/Agência Brasil
“A impunidade faz par com a corrupção como fenômeno incidente no financiamento de grupos políticos [que perpetraram golpes de Estado], assim como a falta de transparência, estavam presentes nesse processo [de quebra da democracia]”, disse ao comentar o regime franquista na Espanha e a ditadura argentina.
Ele defendeu que a corrupção, quando tiver relação com essas práticas, seja tratada como crime internacional pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), a única corte internacional que tem competência para julgar e condenar pessoas por esse tipo de crime. Ainda de acordo com Baltasar Garzón, o narcotráfico, crimes financeiros e ambientais também deveriam ser tratados como violações internacionais.

A tipificação abriria caminho para a utilização da jurisdição universal. Um princípio do direito internacional em que os Estados teriam o poder de julgar e condenar pessoas independentemente do local onde o crime foi cometido ou da nacionalidade do infrator.
Garzón invocou esse procedimento para pedir a prisão de Pinochet por crimes de lesa humanidades quando o ditador se encontrava em Londres. Em geral, para uma corte exercer a jurisdição sobre um indivíduo, deve haver relação entre a pessoa em questão ou o local onde o crime foi cometido e a Justiça responsável pelo julgamento. "Pinochet foi detido, mas nunca foi julgado. Todavia as vítimas receberam indenização do Estado", disse. 
“Parece que falar de jurisdição universal é falar de crimes que não estão em nossa vida diária, de atos que ocorreram em nosso próprio país há anos e que agora convivemos com as consequências. Mas não só os crimes de guerra [merecem esse tipo de tratamento], também os crimes que dia a dia nos afetam no núcleo de nossa convivência”.
Segundo o jurista, a comunidade internacional precisa prestar mais atenção nesses fenômenos. “Os crimes de narcotráfico normalmente são transnacionais, crimes como o terrorismo que tanto afetam a comunidade internacional pelo risco constante que representam; parar de perceber a corrupção como uma ameaça não só local, mas também internacional”, afirmou.
Garzón disse estranhar o fato de que a comunidade internacional relute em avançar na definição dessas práticas como crimes internacionais. “A alguns fenômenos se facilita a perseguição e outros se dificulta”.
O jurista defendeu ainda maior fiscalização sobre os crimes financeiros, a exemplo de fraudes praticadas por multinacionais e também ataques especulativos dos chamados fundos abutres, fundos especulativos que atuam na compra de dívidas de países, a exemplo da Argentina. Hoje na base dos crimes de genocídio que estão sendo produzidos, muitos tem base econômica”, disse.
Garzón defendeu a ampla participação da sociedade civil organizada como agentes desse processo de mudança. “Não são os Estados, mas as sociedades que produzem as mudanças. Este é um momento chave para que esses temas sejam debatidos. Todos esses fenômenos que levam um país à ruína não estão previstos na legislação internacional e é aí que temos que trabalhar”, disse.
O jurista participou de um debate com o ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, o presidente da Comissão de Anistia, professor Paulo Abrão, o jornalista Paulo Vannuchi, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e o jurista brasileiro Roberto Caldas, magistrado da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Na ocasião, o ministro Pepe Vargas cobrou a revisão da decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu como válida a Lei de Anistia e lembrou que existe uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que responsabiliza o Estado Brasileiro sobre as mortes de militantes políticos na ditadura e cobra a punição dos responsáveis.
Vargas disse ainda que uma das consequências da ditadura é o fato de que “as maiores violações aos direitos humanos continuam sendo perpetradas por agentes de Estado”. A impunidade acaba justificando a continuidade da tortura e dos tratamentos cruéis e desumanos em prisões, unidades de atendimentos socioeducativo, instituições psiquiátricas, entre outros lugares”.
Antes do debate, a Comissão de Anistia lançou o Laboratório de Tecnologia em Memória e Direitos Humanos da Comissão de Anistia. Equipado com softwares para a coleta, tratamento, armazenamento e análise de dados, o laboratório terá o objetivo de apoiar pesquisas, constituir um banco de dados público e incentivar a produção e a divulgação de conhecimento sobre memória e direitos humanos.