Sexta, 14 de agosto de 2015
Ivan Richard - Repórter da Agência
Brasil*
Relator especial da ONU, Juan Méndez esteve em presídios de quatro estados e do DF / Fotode
Resultados preliminares de uma inspeção
feita pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em presídios
brasileiros, divulgados hoje (14), revelam que a prática de tortura nos
estabelecimentos prisionais do país é algo “endêmico” e ocorre de forma
frequente e constante, principalmente, nas primeiras horas após as detenções.
De acordo com o relator especial do
conselho, Juan Méndez, apesar de o Poder Público combater e condenar a
tortura, o problema persiste no sistema carcerário, impulsionado pela
impunidade e pela superlotação das cadeias. Entre os dias 3 e 14 deste mês,
Méndez visitou instituições carcerárias de São Paulo, Sergipe, Alagoas, do
Maranhão e do Distrito Federal, a convite do governo brasileiro. Segundo
Méndez, que é argentino, o relatório final da visita deverá ser apresentado
pela ONU em três meses.
“Não estou dizendo que todos os presos
são submetidos [à tortura], mas o número de testemunhos e a contundência dos
relatos que recebemos me levam a crer que não seja um fenômeno isolado. Não
creio que qualquer pessoa no governo defenda esse método, mas, em termos
estruturais, a tortura ocorre, e o torturador fica impune”, afirmou Méndez, que
não antecipou números do relatório.
Segundo ele, é frequente nos presídios
o uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bomba de ruído, bala de
borracha, choques elétricos e sufocamentos. O representante da ONU disse que,
durante as visitas, constatou a superlotação dos estabelecimentos prisionais,
apesar da adoção de medidas como audiências de custódia, para evitar o
crescimento da população carcerária.
Impunidade
De acordo com Méndez, apesar de os
presos relatarem a organizações de direitos humanos os maus-tratos sofridos,
dificilmente eles oficializam denúncias nos órgãos públicos. Segundo ele, isso
ocorre por medo de represálias e também porque os detentos acreditam que os
torturadores não serão punidos. “As pessoas relutam em oficializar as denúncias
de tortura. Essa é uma cultura arraigada que, se não for combatida, tende a se
tornar ainda pior.”
Segundo o relator, nas últimas duas décadas,
a população carcerária brasileira cresceu de forma muito rápida, e hoje o país
tem o quarto maior número de presos no mundo. Para Méndez, esse “abrupto”
crescimento da população atrás das grades impactou também nos serviços de saúde
oferecidos aos presos.
Entre as principais
causas apontadas pelo especialista para o rápido crescimento da população
carcerária estão a demora na realização de audiências dos presos na Justiça,
que, em média, ocorrem cinco meses após a detenção, e falhas na política de combate
às drogas. “Cerca de 26% de todos os detentos foram presos com a acusação de
tráfico de drogas e pouquíssimos grandes figurões do narcotráfico foram
presos.”
Para Méndez, a redução da maioridade
penal, em discussão no Congresso Nacional, agravaria ainda mais os problemas do
sistema carcerário brasileiro. “Processar adolescentes infratores como adultos
violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da
Criança”, disse.
O relator da Comissão de Direitos
Humanos da ONU destacou a transparência dos governos federal e estadual e a
liberdade que a comitiva da ONU teve para averiguar a situação dos presídios do
país. Ele elogiou medidas já adotadas pelo Brasil, como o Mecanismo Nacional de
Prevenção à Tortura e a instalação da Comissão Nacional da Verdade e da
Comissão Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Recomendações
Os dados preliminares do relatório já
foram apresentados pelo relator a autoridades brasileiras, que também receberam
recomendações. Entre elas estão a ampliação das audiências de custódia em todo
o país, o encorajamento das vítimas para denunciar casos de tortura e a
documentação eficaz desse tipo de violação. Méndez esclareceu que o objetivo da
inspeção não é impor sanções ao país, mas identificar problemas e cobrar
soluções.
Segundo o Ministério da Justiça, o
Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2014, último
disponível, mostra que a população prisional brasileira é superior a 607 mil
pessoas, e o déficit de vagas passa de 231 mil.
Procurada pela Agência Brasil, a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) informou
que verifica e encaminha aos órgãos competentes todas denúncias de tortura em
unidades de privação de liberdade. Segundo a secretaria, para aprimorar esse
trabalho, este ano foi colocado em prática o Sistema Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura, resultado de acordo com a ONU.
"O sistema é composto por dois
órgãos: um Comitê, com 23 integrantes, e um Mecanismo, composto por 11 peritos.
Esses peritos são capacitados para fiscalizar instituições de privação de
liberdade, mesmo quando não há denúncia de tortura. Por fim, é importante
ressaltar que, no início desse mês, foi publicada portaria ministerial da
SDH/PR que recomenda adesão dos entes federados ao Sistema Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura, para que que seja fortalecida a rede de combate
à tortura nos estados e municípios", diz o texto enviado por e-mail pela
secretaria.